O dia amanheceu um pouco nublado na normalmente ensolarada Hvar quando partimos rumo a Dubrovnik. Desta vez não retornamos de barco para Split, optando o motorista da excursão por um caminho mais curto e na teoria mais esperto. A ilha de Hvar tem o formato bem longo e estreito e possui uma inclinação de posição em relação à costa da Croácia. Desta forma, enquanto o nosso barco na ida levou duas horas para ligar Split a Hvar, o porto na extremidade oriental da ilha dista apenas 30 minutos por barco do terminal na costa. E foi o que fizemos: percorremos toda a ilha de ponta a ponta numa estrada estreita e curva de 77 quilômetros de extensão para alcançar o porto de Sućuraj e atravessar o Mar Adriático rumo ao continente, bem mais perto de Dubrovnik. O único problema foi a estrada estar em manutenção; por vários quilômetros a pavimentação se encontrava em situação lamentável, uma exceção ao estado de conservação excelente das rodovias croatas pelas quais trafegamos no restante da viagem. Como era baixa temporada e a estrada estava vazia, chegamos sem contratempos à cidadezinha de Sućuraj (lê-se sutxurai).
A ilha de Hvar é conhecida pelas plantações de lavanda dispersas pelas encostas das suas colinas. No passado chegou a responder por 9 % da produção mundial de óleo de alfazema. Há inclusive um festival da lavanda, que ocorre em fins de junho na vila de Velo Grablje, a 17 quilômetros da cidade de Hvar, quando o campo se enche das flores na cor púrpura. No porto de Hvar é comum vermos barraquinhas vendendo óleo e fragrâncias de lavanda reconhecidos pela sua qualidade.
Ao longo da estrada, passamos por campos de lavanda ainda não floridos, além de plantações de oliveiras e vinícolas, já que Hvar é um dos maiores produtores de vinho tinto
na Croácia, fabricados a partir da uva Plavac. A área de vinícolas em torno de Stari Grad existe há mais de 2.000 anos e foi reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Os enólogos de plantão podem fazer um tour de degustação até a área. Os garçons dos restaurantes em Hvar costumam indicar os renomados vinhos locais para acompanhar o jantar.
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A cidade de Sucuraj, onde embarcamos no ferry de volta ao continente |
Sućuraj é uma cidade pacata e pitoresca, com 400 habitantes que vivem da pesca e do turismo. Como chegamos com antecedência de duas horas, matei o tempo passeando pelo ancoradouro de barcos da cidade. O ferry para Drvenik é pequeno e comporta poucos carros. Na alta temporada há filas quilométricas para o embarque, para o qual não há reserva nem compra antecipada. Como estávamos em maio, todos os veículos que aguardavam na fila couberam na partida das 12h15min (a seguinte só seria às 15h).
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A ponta oriental da ilha de Hvar durante a travessia de ferry
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A travessia curta foi bem agradável, me distraindo com a paisagem maravilhosa. De volta ao continente, a ininterrupta sucessão de cenários bonitos e variados surpreende, seguindo pelo sul da Dalmácia em direção a Dubrovnik. A estrada inicialmente acompanha a costa, imprensada entre a montanha e o mar, margeando diversos vilarejos com pequenas praias. Perto da cidade de Plo
če, a estrada se afasta do litoral por alguns quilômetros e passa pelos sete lagos
Baćina, conectados entre si e ao mar e que compõem uma área de lazer aquática nos fins de semana.
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Podaca, situada numa península da costa
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Os lagos Bacina no caminho para Dubrovnik |
Em seguida, a estrada contorna o delta do rio Neretva, o maior rio da costa balcânica do Adriático, que nasce nos Alpes Dináricos na Bósnia. O delta é uma região agrícola, com plantações de tangerina e melancia, que é parcialmente protegida formando uma reserva de aves. A área largamente irrigada é famosa por suas enguias e rãs, duas das especialidades gastronômicas da região.
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A planície do delta do rio Neretva, tomada por cultivos |
Logo após, a estrada volta a acompanhar o litoral. Neste ponto, a costa croata é interrompida por uma faixa de terra da Bósnia que avança até o mar. Pois é, a Bósnia, que sempre pensei que não tivesse saída para o mar, possui 20 quilômetros de costa imprensada entre o litoral da Croácia. Desta forma, passamos pela fronteira da Croácia com a Bósnia e pouco depois, da Bósnia com a Croácia, uma coisa meio doida... A passagem pelos postos de fronteira foi bem tranquila e os guardas nem entraram no ônibus para verificar os passaportes. Na minúscula costa bósnia, paramos para almoço na única cidade litorânea do país,
Neum - nem parecia que estávamos na Bósnia, pagamos a refeição em kunas mesmo. Na realidade, Neum parece uma localidade croata. Situada num braço do Mar Adriático, à sua frente está a península croata de Pelje
šac, cujo formato lembra um dedo longo apontando para o mar. É engraçado que no trecho desta península fronteiro a Neum há um enorme escudo da bandeira croata (o famoso desenho quadriculado vermelho e branco) pintado na encosta, parecendo desafiar os bósnios. Há planos pela Croácia de construir uma ponte ligando as duas margens do braço de mar de forma que não seja preciso entrar e sair da Bósnia para se chegar a Dubrovnik. Atualmente, o início da construção está suspenso por entraves econômicos e políticos - a ponte dificultaria o acesso bósnio ao mar aberto. Caso se concretize, será um abalo na economia de Neum, cujos estabelecimentos comerciais tem grande parte do movimento gerado pelos turistas que se dirigem a Dubrovnik.
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Vista de Neum, na Bósnia, obtida do pátio do restaurante. À direita do braço do mar, a costa bósnia; à esquerda, a península croata |
Justamente no istmo que liga a península ao continente, já novamente em território croata, fica a cidade de
Ston, onde a atividade econômica desde a época romana é o cultivo de ostras, um dos pratos mais apreciados nos restaurantes de Dubrovnik. Da estrada podemos ver os inúmeros viveiros dispersos pelas águas da baía. Na década de 80, a produção de ostras em Ston chegava a assombrosos dois milhões anuais, mas os viveiros foram danificados durante a guerra pela independência croata e a produção nunca mais se recuperou.
Chegamos às cinco da tarde em Dubrovnik, cujo acesso se dá atravessando uma enorme e bela ponte estaiada sobre uma reentrância do mar. Passamos o dia inteiro viajando, mas nem sentimos tanto, tamanha foi a beleza das paisagens que tivemos a oportunidade de apreciar.
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A costa dálmata perto de Dubrovnik |
Os dois próximos posts são dedicados ao ponto alto do roteiro, Dubrovnik. E posso adiantar, a cidade mais famosa da Croácia merece cada elogio que lhe é dispensado.
* Este é o décimo post da série sobre países da extinta Iugoslávia. Para visualizar os demais, acesse Atravessando os Bálcãs: Croácia, Eslovênia e Bósnia Postado por Marcelo Schor em 27.09.2013