"Nova Escócia? Onde fica isso???". Essa foi a reação de parentes e amigos quando informei que seguiria para lá após desembarcar do cruzeiro ao Alasca. De fato a Nova Escócia é uma das províncias canadenses menos visitadas pelos brasileiros. Situada no extremo leste do país, ocupa uma península com o formato de "T" invertido e é uma das três Províncias Marítimas, banhadas pelo Atlântico. Por coincidência, assim como a Escócia se limita com a Inglaterra, a Nova Escócia faz fronteira (ainda que marítima, a Baía de Fundy) com a Nova Inglaterra nos Estados Unidos. Já tendo visitado os pontos turísticos principais do país em viagens anteriores, rumei para lá a fim de conhecer uma região que tem peculiaridades que a diferem do restante do Canadá, tanto físicas quanto culturais. De uma outra diferença eu gostei bastante: o fuso horário é o mesmo do Rio de Janeiro - nada de ter que adaptar na volta o organismo ao novo fuso.
O nome da província em inglês, Nova Scotia, provém do latim para Nova Escócia e faz referência aos primeiros europeus a se estabelecerem ali no início do século XVII, oriundos da nação celta. Depois vieram ingleses, franceses e alemães, entre outros. A Nova Escócia foi uma das quatro províncias que formaram originalmente o Canadá em 1867, junto com Quebec, Ontário e New Brunswick, outra das Províncias Marítimas. A origem escocesa aparece na bandeira da província, que nada mais é que a bandeira da Escócia com as cores invertidas, acrescida do brasão real escocês. Segundo me falaram, a ligação com as origens europeias é maior aqui que no resto do Canadá, principalmente com relação à família real inglesa (não custa lembrar que Elizabeth II também é rainha do Canadá). Este vínculo vem dos séculos passados, quando futuros reis ingleses passaram uma temporada em Halifax comandando as forças navais britânicas e promoveram melhorias importantes na época.
Halifax é uma cidade com 400.000 habitantes, onde passei quatro dias, e que me pareceu supertranquila para uma capital. Não fui com grandes expectativas, e tive uma surpresa agradável. Escolhi para hospedagem o Hilton Homewood Suites, um hotel praticamente novo com quarto amplo situado na borda do centro, e localizado a poucas quadras da subida para a fortaleza e a duas de um shopping com praça de alimentação, o Scotia Square. O hotel fica na parte mais elevada do centro, o que implicava encarar uma ladeira curta no retorno das atrações do porto, mas gostei muito deste gasto extra de calorias, que veio a calhar depois dos lautos jantares do cruzeiro ao Alasca... Além do café da manhã incluído na reserva, o hotel inovou oferecendo um bufê leve gratuito aos hóspedes no final da tarde durante os dias úteis, sempre contendo prato ou sanduíche, sopa e salada. A refeição do jantar fora do hotel acabava sendo descartada, resultando numa boa economia. Como me hospedei de terça a sexta, tive aproveitamento integral desse oferecimento.
Uma grande vantagem do hotel é estar situado a somente um quarteirão do ponto final do ônibus para o aeroporto, que fica um pouco longe, a 35 quilômetros do centro. Aliás, a curiosidade sobre a cidade aumentou já no próprio aeroporto. A esteira de bagagem vinha enfeitada com uma maquete gigantesca de uma bela ponte pênsil, apoiada nas colunas da esteira. Era a Old Bridge, que atravessa o estreito que banha Halifax. Não é que passei por ela ao entrar na cidade?
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Vista aérea da Cidadela em placa colocada junto à entrada da fortaleza |
A maior atração de Halifax é sem dúvida a
Cidadela, que eu divisava da janela do meu quarto. Dominando sobre o morro o centro da cidade, é o lugar da capital onde melhor se pode sentir a força da História da Nova Escócia. Halifax foi fundada em 1749 pelos ingleses. O objetivo era fazer frente à crescente população francesa e servir como base naval para a frota britânica. Afinal, o ponto era excepcional, ao longo de um estreito que é entrada de uma baía, numa configuração algo semelhante ao Rio; hoje Halifax é considerada o segundo maior porto natural do mundo. Naquela época, era imperativo pensar na defesa da frota, e fortes de madeira no alto aplainado do morro cumpriram essa tarefa, sendo substituídos pela fortaleza atual em 1856, que tinha a defesa bem reforçada. Ironicamente tanto trabalho não pôde ser efetivamente comprovado, pois desde então Halifax nunca sofreu qualquer ataque. Atualmente a Cidadela é um dos monumentos nacionais históricos mais visitados no Canadá, muito bem conservada e cujo papel é rememorar a época vitoriana.
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O Town Clock e o início da escadaria rumo à Cidadela |
A escadaria que liga o centro à Cidadela tem início junto ao
Town Clock, um belo prédio com fachada em estilo georgiano na Brunswick Street, a rua do hotel. Considerado o símbolo da cidade, foi construído em 1803 a mando do Príncipe Edward , pai da Rainha Vitória, que na época era o comandante-chefe das forças britânicas na América do Norte e residiu por seis anos em Halifax. Segundo contam, Sua Alteza era obcecado pela pontualidade das tropas do forte e mandou projetar as quatro faces do relógio de forma que todos os haligonianos pudessem vê-lo. Aliás, a denominação diferente dos habitantes de Halifax - haligonian em inglês - mais parece saída de um episódio de
Jornada nas Estrelas...
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A passagem de entrada da Cidadela sob a muralha |
Após subir a escadaria ladeando o relógio, rumei para a entrada da
Cidadela, praticamente em frente no topo do morro, pagando o ingresso de 11,70 dólares canadenses. É um ótimo local para se tirar fotos da cidade e do estreito ao fundo. A Cidadela, também chamada de Fort George, está preservada com o intuito de apresentar como era a vida dos soldados britânicos em 1869, dois anos após a criação do Canadá. Esse ano não foi escolhido à toa; foi o primeiro dos três em que o famoso regimento escocês 78th Highlanders esteve estacionado na Cidadela. Um detalhe que chama imediatamente a atenção é a bandeira que tremula na Fortaleza - a Union Jack do Reino Unido; tropas britânicas continuaram ocupando a Cidadela até 1906.
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O grande pátio e os alojamentos da Cidadela |
O portão é guarnecido por sentinelas trajados a rigor, vestindo o célebre kilt, o saiote escocês, além de pochete e do chapéu bem chamativo. Este uniforme corresponde ao usado pelo regimento 78th Highlanders no século retrasado e fico a imaginar como não deveria ser lutar nele. Há cerimônia de troca da guarda a cada hora cheia.
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A criançada sobe a rampa para passear nas muralhas sob a bandeira do Reino Unido |
A Cidadela tem um formato de estrela irregular de oito pontas, com suas muralhas separadas da cidade abaixo por um fosso com nove metros de profundidade. O formato facilitava também a defesa, podendo os soldados atirarem pelos buracos existentes em todos os ângulos possíveis.
Ao sair do túnel que dá acesso ao interior da fortaleza, o que se vê é um pátio enorme com um único prédio ocupando uma pequena parte e dezenas de pessoas vestidas a caráter, seja no uniforme do regimento escocês, em outros uniformes militares ou em trajes utilizados pelos civis da época. De vez em quando manobras e inspeções de tropa são simuladas no pátio.
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Visitantes no tour escutam atentamente as explicações sobre os canhões móveis |
Quando estava dando a volta sobre a muralha em torno do pátio cruzei com um tocador de gaita de foles também vestido em traje típico e tirei uma foto dele, pensando se ele faria alguma apresentação. Alguns minutos depois ele se encaminhou para um parapeito recortado nos muros e começou a tocar o instrumento, apresentando músicas típicas de regimento. Nunca a música solene da gaita de foles me pareceu tão apropriada como nesse ambiente militar. E vamos combinar que, em se tratando de ícones escoceses, a gaita de foles faz um par ideal com o kilt. Usada na Escócia pelo menos desde o século XV, a gaita tinha presença obrigatória em bandas militares dos regimentos, sendo no passado eventualmente tocada até em meio aos combates.
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A melodia da gaita de foles ecoa na fortaleza |
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O tocador e a gaita de foles |
A cada hora, um tour guiado de 45 minutos mostra as atrações da fortaleza. Ao chegar, localizei então um desses tours atravessando o pátio e me agreguei a ele, passeando depois sozinho pelas instalações. Além de percorrer a muralha para apreciação dos canhões, o tour também segue pelos subterrâneos, onde se conhece algum dos mecanismos de defesa do complexo. Um dos canhões sobre a muralha, conhecido pelo nome apropriado de
Noon Gun, é acionado diariamente ao meio-dia desde 1856, servindo como referência horária aos haligonianos. Uma combinação interessante é pegar o tour das 11 da manhã e em seguida assistir ao disparo do canhão, bem estrondoso.
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O Noon Gun |
O prédio grande no pátio servia como quartel da fortaleza e hoje sedia um museu que conta toda a história do exército canadense através de documentos, fotos e artefatos. Outra parte mantém os alojamentos dos soldados para visitação e há ainda um filme de 15 minutos que conta a história de Halifax como base militar. Achei a exposição interessante mas nada fora de série; o que vale mesmo é o aparato e as instalações da fortaleza em volta do prédio, chamado de Cavalier Building.
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Alguns trajes na Cidadela fugiam do figurino militar |
No próximo post, continuamos a percorrer a capital da Nova Escócia, nos detendo nas duas grandes tragédias pelas quais Halifax é conhecida mundialmente, uma delas o naufrágio mais famoso da História, o do Titanic.
Postado por Marcelo Schor em 17.10.2015