Calvi, um pedaço da Riviera na costa corsa
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Calvi, um pedaço da Riviera na costa corsa


A marina de Calvi ao sol da alvorada, em foto tomada na subida para a Cidadela

         Minha primeira parada na Córsega foi Calvi, polo turístico principal da região da Balagne, na costa noroeste. Calvi, com 5.500 habitantes, é uma simpática cidade costeira e praiana com uma cidadela medieval sobre um promontório, um dos assentamentos mais antigos da ilha. Núcleo urbano corso mais próximo da Riviera Francesa, seu bairro da marina se assemelha em muito às pequenas cidades da Côte d'Azur, com o cais repleto de palmeiras, restaurantes e barcos de todos os tipos e tamanhos lotando sua marina.

A Cidadela de Calvi e Caserne Sampiero vistas da marina

          Cheguei a Calvi vindo de Nice num voo rápido de quarenta minutos da Air Corsica e aterrissei no minúsculo e deserto aeroporto a sete quilômetros de distância, que mais parecia uma rodoviária do interior pela ausência de serviços. Não há qualquer transporte público que ligue o aeroporto às cidades da Balagne, e eu estava preocupado com uma eventual escassez de táxis, tendo à mão o número de telefone da companhia de táxi local para uma emergência. Por sorte, minha mala foi a quinta a aparecer na esteira e fui o primeiro a pegar um táxi. Contei só outros três táxis esperando na fila. A corrida custou €20 até o hotel Le Rocher, situado bem perto da marina e da estação ferroviária - o trem é o transporte público mais usado na comunicação de Calvi com o restante da Córsega.

O busto de Colombo na encosta da praça que leva seu nome

         Ao adentrar a cidade pela rodovia, somos recepcionados por uma placa com os dizeres "Calvi, a cidade de Cristóvão Colombo". A maior praça do centro leva o nome do grande navegador e tem um busto dele. Mas o que Calvi tem a ver com Colombo? Seus habitantes alegam que Colombo teria nascido lá - na época Calvi estava sob o domínio genovês - e há até uma placa na Cidadela marcando o local em que teria nascido. Não há como corroborar a versão, assim como nunca se encontrou evidência de que Colombo tivesse efetivamente nascido na cidade de Gênova. Um fenômeno semelhante acontece com Marco Polo, há rumores de que ele teria nascido numa ilha da atual Croácia e o termo "veneziano" se aplicaria à sua nacionalidade, não à cidade de nascimento.

Um dos bastiões da muralha da Cidadela. A última foto do post foi tirada de lá.

          A história de Calvi, fundada pelos romanos no século I, difere da maioria das cidades da Córsega pelo fato de ter sido leal a Gênova ao longo de seis séculos, inclusive durante o período curto em que a Córsega foi independente no século XVIII. Dois grandes eventos marcaram a história da cidade. O primeiro foi em 1553, um ataque coordenado das tropas francesas e do turco Dragut (esse corsário já apareceu no blog, pois também assolou a ilha maltesa de Gozo), que já tinham tomado  outras cidades da Córsega. A cidade resistiu bravamente e não capitulou, ganhando dos genoveses seu lema "Civitas semper fidelis" - cidade sempre fiel. Na segunda, em 1794, a cidade foi derrotada numa batalha contra tropas inglesas aliadas ao líder da independência corsa Pasquale Paoli, acabando semidestruída; a batalha entrou para a História por ter sido aí que o lendário Almirante Nelson perdeu seu olho direito.

A vista da marina para as montanhas elevadas da Córsega

          Assim que cheguei fui passear na marina, e tive uma surpresa muito agradável com a vista. Apesar de estar situada na costa norte da Córsega, Calvi fica numa península na ponta de uma baía, e a marina fica situada na sua face sul. Desta forma, ao invés de termos o Mar da Ligúria como horizonte, vemos num cenário muito bonito a baía com montanhas altíssimas ao fundo - o Monte Cinto, ponto culminante da Córsega com 2.700 m de altura não fica muito longe de Calvi. Durante o inverno o panorama fica ainda mais atraente com os picos nevados. Para completar, se olharmos para o lado, podemos apreciar as muralhas da cidadela. Da ponta dos píeres compridos dava para bater fotos bem legais do cais e da cidade antiga encarapitada no alto do morro.

Quai Landry com seus bares e restaurantes, aparecendo a torre da igreja de St. Marie-Majeure

         A parte turística da cidade baixa é bem compacta e o comprimento da rua do cais da marina, a Quai Landry, não excede os 300 metros. A Quai Landry termina na Torre de Sal, uma torre circular do século XVI que começou como posto de vigilância e depois passou a armazenar sal. Os restaurantes se dividem entre o cais e a  rua paralela, a estreita rue Clemenceau, cheia de lojinhas. Foi na pracinha da igreja cor de rosa nessa rua que comi em dois restaurantes. No primeiro, o Chez Doumé, provei um ravioli au brocciu. Brocciu (a pronúncia é à italiana - brotxu) é o queijo típico e mais famoso da Córsega, bem mole, produzido do leite da ovelha ou cabra, combinado ao seu soro. Estava ansioso para provar o renomado queijo, mas para minha decepção, o prato na realidade era ao sugo, com o brocciu compondo somente o gratinado. Estava gostoso, mas não deu para identificar diferença em relação aos queijos que conheço. Tive que aguardar o dia seguinte para dar o veredito sobre o brocciu, em Île Rousse.  No restaurante em frente, o Santa Maria, saboreei um ótimo e tradicional escalope à milanesa com batata gratinada. Só não gostei dos toldos do Santa Maria atrapalharem completamente a visão da bonita fachada da Igreja de St. Marie-Majeure, atrapalhando a tomada de fotos.

A Torre do Sal

        A decepção em Calvi foi sua praia, uma das mais afamadas da Córsega. De areia e longuíssima para os padrões europeus, começa no fim da marina e se estende por mais de quatro quilômetros acompanhando a curva da baía. O problema é ser superestreita, imprensada pela linha férrea e uma floresta de pinheiros. Não vi muita graça na praia totalmente deserta; pode ser que no verão, cheia de gente, a impressão seja outra. O melhor é mesmo a vista sensacional para a Cidadela.

Em foto tirada do trem, a praia de Calvi diante da Cidadela

          Já a Cidadela é uma autêntica volta ao passado. O conjunto dos prédios antiquíssimos em cor uniforme, alguns com paredes rachadas ou descascando, de perto não forma propriamente um cenário bonito, mas certamente interessante, pouco tocado ao longo dos séculos. O caminho a pé mais curto é pela ladeira íngreme que sai da Praça Colombo começando pelo portão de entrada da cidadela, encimado por uma placa com o lema de Calvi legado pelos genoveses.

O Portão da ladeira para a cidadela, com a placa contendo o lema de Calvi


              A subida termina no largo principal da cidade velha, a Place d'Armes. Um prédio com uma torre redonda lateral domina a praça. É o antigo Palácio do Governo genovês, com partes construídas no século XIII; hoje é chamado Caserne Sampiero  e abriga a sede do regimento de paraquedistas da Legião Estrangeira francesa. Das muretas avistei um jipe da Legião subindo a ladeira, com os legionários usando aquele quepe característico que vemos nos filmes. Achava que a Legião estava extinta, mas hoje é uma tropa de elite constituída de estrangeiros a serviço militar da França em operações arriscadas fora do país.

A Place d'Armes com a torre da Catedral

Visão oposta da Place d'Armes, com a Caserne Sampiero à direita

     O prédio da Cidadela aberto a visitação gratuita é a Catedral. O interior claro contrasta com a aparência externa despretensiosa e desgastada. Atingida por incêndio em 1451 e danificada durante o cerco imposto por Dragut, a Catedral foi reconstruída em 1576. A estátua da Virgem à esquerda na foto abaixo é carregada em procissões pela cidade.


O interior da Catedral de São João Batista
   
         No mais, a pedida é passear pelas ruelas da Cidadela e não deixar de apreciar as vistas oferecidas nos terraços dos bastiões da muralha.

Mar da Ligúria e Ponta da Revelatta, ponto da Córsega mais próximo da França, vistas do bastião da muralha

           No dia seguinte visitei a outra cidade turística da Balagne, Île Rousse, à qual dedico o próximo post.

* Este é o segundo post da série sobre a Córsega. Para visualizar os demais, acesse  Córsega, a bela ilha no Mediterrâneo.




 Postado por  Marcelo Schor em  08.12.2015 



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