Bonifacio, a cidade mais bonita da Córsega
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Bonifacio, a cidade mais bonita da Córsega


A marina e a muralha composta pelo Bastião de l'Étendard

          Não gosto de colocar adjetivos como "a mais bonita" ou "a melhor" nos títulos dos posts que escrevo, mas este caso merece uma exceção. É muito difícil existir uma localidade corsa que salte mais aos olhos que Bonifacio. Afinal, o que torna essa cidade pequena na ponta sul da Córsega uma atração tão especial? 

Vista da marina de Bonifacio

      Bonifacio entrou no meu roteiro no instante em que vi as fotos do lugar.  Sua cidade medieval  posicionada sobre um rochedo que termina abruptamente num paredão estratificado lembra a paisagem da grega Santorini, só que sem as casinhas brancas. Se adicionarmos a muralha imponente, a marina fotogênica, vistas alucinantes para tudo que é lado e praias bonitas nas redondezas, temos algo capaz de agradar a todo tipo de turista. É interessante notar que, com todos esses atrativos, Bonifacio ainda desperta pouca atenção de turistas brasileiros, ao contrário de outras cidades medievais do Mediterrâneo, como Dubrovnik e Rodes.

Localização das atrações mencionadas nos posts sobre Bonifacio

         Para chegar até lá, utilizei o único meio de transporte público disponível entre Ajaccio e Bonifacio, o ônibus, numa viagem de três horas de duração - não há ferrovias no sul da Córsega. Os dois portos se situam no mesmo lado da ilha, mas o caminho entre eles passa pelas montanhas, já que a costa da Córsega é muito recortada e as serras avançam até o mar. Desta forma o trajeto sai de Ajaccio, percorre a serra, passa pelo porto de Propriano, sobe a montanha de novo, atravessa a belíssima cidade de Sartene e desce novamente rumo a Bonifacio, parando algumas vezes para pegar passageiros. Dez minutos antes da chegada, o ônibus, que na realidade se dirigia a Porto Vecchio, deixou numa bifurcação os viajantes com destino a Bonifacio, e uma van que nos aguardava no acostamento completou o percurso. O caminho pela estrada curva de mão dupla é bonito e a estrada está bem conservada, mas havia várias obras de manutenção no esquema de "pare/siga". Foi uma oportunidade ímpar para apreciar os vilarejos pequenos que compõem o sul, menos povoado e mais rústico que a região norte.

Cais da marina, com os restaurantes e seus toldos no meio da rua

        Não custa lembrar que há outras duas maneiras de se chegar a Bonifacio: por ferry desde a Sardenha, separada da Córsega por um estreito de meros doze quilômetros de largura, e por avião, usando o minúsculo aeroporto de Figari, a 21 quilômetros. Saí de Bonifacio num voo da Air Corsica para Marselha e morri em extorsivos €59 no pagamento do táxi, já que não se conta com transporte público que ligue a cidade ao aeroporto. Antes havia uma linha de ônibus sazonal que foi extinta, mas hoje só sobrou uma linha do aeroporto para Porto Vecchio. Como táxi é artigo raro naquelas bandas, tive o cuidado de reservar um pela recepção do hotel onde me hospedei, o Roy d'Aragon, estrategicamente situado na entrada da marina, a poucos passos do local de chegada da van e do ponto de táxi.

A Montée Rastello

          Bonifacio na realidade se divide em dois setores com altura e atmosfera bem distintas: a parte baixa, formada pela marina, e a parte alta, onde está a cidade histórica, de onde se tem as vistas de cair o queixo. Parte do fascínio que Bonifacio exerceu sobre mim se deve à composição dessas duas partes num único cenário, como na foto abaixo. Na realidade, o setor que mais atrai os turistas, a cidade antiga, se assenta sobre um promontório rochoso que avança por dois quilômetros pelo Mar Mediterrâneo, ladeado pelo próprio mar e por um canal natural de 100 metros de largura cuja parte mais interior abriga o porto e a marina, chamado de Goulet de Bonifacio.

Da esquerda para a direita, o Goulet com a marina, o porto onde chega o ferry da Sardenha, a muralha e a cidade antiga

        A parte baixa, com aparência bem mediterrânea, é composta basicamente da rua do cais que contorna a marina e conta com inúmeras lojinhas de roupas e suvenires, além de vários restaurantes e alguns hotéis. A área dos restaurantes é estendida por toldos com mesas, que fazem o papel de canteiro central dividindo a rua do cais, de forma similar ao que acontece em Calvi. Quase todas as minhas refeições em Bonifacio foram feitas em restaurantes da marina, que achei mais simpáticos que os da cidade alta. Só não pude usar as mesas ao ar livre; mal eu sentava e logo alguém numa mesa ao lado acendia um cigarro, com a fumaça vindo na minha direção. Acabei desistindo e sempre comia no interior dos toldos. Como fumam os corsos!

A marina vista da entrada da cidade antiga

          Mas como o que todos os turistas desejam conhecer é a cidadela medieval, há duas formas de se alcançar a cidade alta a partir da marina: galgando a rampa para pedestres, a Montée Rastello,  ou seguindo o caminho de veículos, obviamente menos íngreme e mais longo, que também é usado pelo trenzinho que liga as duas partes da cidade. Esse trenzinho, que acabei não utilizando, era uma cópia idêntica do petit train em que havia andado em Ajaccio.

Bifurcação no final da rampa Rastello, com as famosas casas ao fundo à esquerda, além  da torre da Igreja de St. Marie-Majeure e a Porte de Gènes à direita. Em primeiro plano, a trilha para o Farol Pertusatto.

            No alto, a rampa Rastello termina numa bifurcação. À esquerda, uma trilha cênica de três quilômetros acompanha o litoral e termina na Ponta Pertusato, o extremo sul da Córsega. Lá fica situado o farol de mesmo nome. Essa trilha é um dos percursos favoritos na região para quem gosta de caminhar. À direita, nova e curta rampa escala a muralha e leva à Porte de Gènes (Porta de Gênova), que é o portão principal de acesso de pedestres à cidade antiga. É nessa bifurcação que aparece um dos cartões postais mais famosos de Bonifacio, o das casas na quina do rochedo totalmente debruçadas sobre o precipício que faz ângulo agudo com o mar, tal qual uma proa de navio. Visual inesquecível, especialmente no anoitecer, com o sol se pondo atrás das casas. Ainda junto à bifurcação se encontra outro ícone natural da cidade, a pedra do Grain de Sable (Grão de Areia), com forma vaga de cogumelo que se ergue do mar junto ao penhasco.

A Porte de Gènes

          A Porte de Gènes era originalmente uma ponte levadiça, cujo mecanismo de içamento data de 1598 e ainda existe no local, hoje não tendo qualquer função.  Passando pelas muralhas se tem acesso ao interior da cidade antiga, muito maior que as outras cidadelas que visitei na Córsega. O emaranhado de ruas estreitas é um convite a se andar a esmo, apreciando o casario. Quem curte visuais arrebatadores não deve deixar de passar pelas Places du Marché e de la Manicchela. As vistas obtidas dali para o Grain de Sable e os rochedos de calcário até o Farol Persuratto são também sensacionais.

Grain de Sable ao  centro e a Ponta Pertusato ao fundo 

       Segundo me contaram, o volume de turistas nos meses de julho e agosto é espantoso, e as ruas não dão conta, formando-se engarrafamentos de pessoas e filas homéricas nos restaurantes, a maioria com poucas mesas. Acabei tendo uma amostra dessa diferença - no primeiro dia da minha estadia a cidade antiga estava deserta, podendo eu saborear cada detalhe da arquitetura. No dia seguinte aportou um daqueles navios de cruzeiro, e hordas de turistas invadiram as ruelas. Que diferença!! Quando eles se foram, a paz e calmaria voltou a reinar.  O motorista do táxi que me levou ao aeroporto me contou que dali a uns dez dias, em meados de outubro, acabaria a média temporada e tudo fecharia na cidade devido à ausência de turistas. Com exceção de Ajaccio e Bastia, todas as cidades turísticas da Córsega sofrem com a escassez de emprego na baixa temporada, provocando o êxodo da população trabalhadora.

A Lógia da Igreja de St. Marie Majeure

              A poucos passos da Porte de Gènes se encontra a Igreja de St.Marie Majeure, a principal da cidade, construída por Pisa no século XII. Com uma torre parcialmente em estilo gótico, raro na Córsega e resultado de reforma no século XVIII, a igreja tem uma Lógia na sua frente. A varanda coberta, comum na época nas repúblicas que hoje formam a Itália, era onde os notáveis debatiam os problemas de Bonifacio.

Rua da cidade antiga de Bonifacio

                Uma curiosidade - além de certa semelhança física pela presença de uma marina aos pés de uma cidadela amuralhada, Bonifacio e Calvi dividem uma coincidência histórica: jamais fizeram parte da Córsega independente do século XVIII, se mantendo fiéis a Gênova durante o período de quatorze anos. Não encontrei em Bonifacio qualquer referência ao líder da independência, Pasquale Paoli, reverenciado em Corte e Île Rousse e lembrado até mesmo em Ajaccio. Já uma rua homenageia seu inimigo Napoleão, a Rue des Deux Empereurs; o nome se deve às casas onde se hospedaram o imperador francês (anos antes de assumir o trono) e Carlos V, separados por mais de 250 anos. Duas placas identificam as residências.

               As quadras por perto ostentam diversos arcos que cruzam as ruas, originalmente servindo como aquedutos para o escoamento da água. Antigamente nessa área algumas casas não possuíam porta no andar térreo, uma medida de proteção dos moradores contra ataques piratas. Eles entravam nas moradias pela janela, usando escadas que eram recolhidas toda noite.

Os arcos ligando os dois lados da Rue du Palais de Garde

               Saí de Bonifácio com dor na panturrilha, efeito do sobe e desce constante, não só nas rampas como também resultado de várias escadarias. Mas esses degraus não se encontravam nas ruelas da cidade antiga e sim em algumas ótimas atrações espalhadas por lá. Mas este já é assunto para o próximo post, também dedicado às belezas de Bonifacio.

* Este é o sétimo post da série sobre a Córsega. Para visualizar os demais, acesse  Córsega, a bela ilha no Mediterrâneo.

Postado por Marcelo Schor  em 29.01.2016 



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