No já longínquo ano de 2002 participei de uma excursão que percorria o sul da França.No caminho entre Nice e Montpellier fizemos um breve city tour por Marselha. Achei a cidade feia e desinteressante, daquelas a que dificilmente voltamos por vontade própria. Alguns meses atrás, ao pesquisar lugares no entorno de Aix-en-Provence que valiam a pena conhecer, me deparei com a informação de que Marselha havia sido Capital Europeia da Cultura em 2013, e por conta disso, tinha sofrido uma recauchutagem completa. Resolvi dar uma nova chance à capital da Provença. E não é que a minha percepção sobre Marselha mudou radicalmente após a nova visita? Hoje a cidade está bonita, bem cuidada e com atrações turísticas que mantêm o interesse do visitante.
Fiz um bate-volta desde Aix numa quinta-feira. Pode-se escolher entre o ônibus e o trem. Com as estações ferroviária e rodoviária de Aix a poucos quarteirões de distância do Hotel Cézanne, onde me hospedei, perguntei à recepcionista qual o meio de transporte que ela indicava. Segundo ela, apesar de na teoria ter um trajeto 20 minutos mais longo, o trem era mais confiável por não estar sujeito aos engarrafamentos comuns na região de entrada de Marselha. Porém ao chegar à estação, verifiquei que só havia trem para dali a uma hora, e por isso acabei indo de ônibus mesmo. A ponte rodoviária entre as duas cidades tem intervalo de poucos minutos entre cada saída e o trajeto com trânsito livre demora meia hora.
O terminal de ônibus de Marselha divide o espaço com a estação ferroviária de St. Charles. Apesar de o Porto Velho não ficar muito longe, o mais conveniente é pegar a linha 1 do metrô e soltar duas estações adiante, em Vieux Port. Junto às máquinas de aquisição de bilhetes havia uma funcionária de plantão que me forneceu todas as informações necessárias em inglês (nota dez para o atendimento!).
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Porto Velho é o ponto central turístico de Marselha, e bota antigo nisso, remontando ao século VI a.C., quando a cidade foi fundada pelos gregos nesse local. A saída do metrô fica no início da
La Cannebière, a via mais conhecida de Marselha, cujo nome se origina do latim
cannabis, devido às plantações de cânhamo que existiam na área. Nos séculos passados a rua chegou a ser comparada à Champs Elysées parisiense, mas hoje é desprovida de qualquer atrativo. Na Le Cannebière fica também situado o escritório de turismo; bem que tentei chegar até ele para pegar alguns folhetos, mas a rua e calçadas estavam tomadas de manifestantes grevistas gritando slogans. Achei melhor esquecer os folhetos e passear pelo calçadão que circunda a marina e o porto, local de saída dos passeios de barco às ilhas próximas.
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Milo de Croton |
A poucos passos da quina do Porto Velho fica um largo longo e esteticamente atraente, o
Cours Honoré, que convida para uma parada para descansar nos seus vários bares com mesas ao ar livre. Na entrada do largo está situada uma escultura com um vigor realista e perturbador, o
Milo de Croton. Cópia da estátua esculpida pelo marselhês Pierre Puget exposta no Museu do Louvre, retrata os momentos derradeiros de Milo, herói grego que viveu no século em que Marselha foi fundada. De acordo com a lenda, para provar sua força ele tentou quebrar um tronco de árvore com as próprias mãos, mas acabou ficando com o braço preso na madeira e foi então devorado por feras que perambulavam pelo local. A estátua mostra a agonia de Milo com o braço esquerdo imobilizado, tentando se livrar do leão que crava suas garras sobre ele. O mais interessante é que de alguns ângulos pelos quais se aprecia a escultura só dois dos três elementos - o homem, a besta e o tronco de árvore - aparecem na perspectiva.
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O Hôtel Dieu, que foi o hospital principal de Marselha por 800 anos, no caminho para Le Panier |
Tomei então o rumo oeste, em direção ao bairro Le Panier. Peguei o caminho que me pareceu mais curto, pela Grand Rue, e me surpreendi com uma belíssima construção que hoje sedia o Hotel Intercontinental. Como Marselha não é nenhuma Las Vegas, deduzi que o prédio enorme devia ter sido transformado em hotel recentemente, tendo outro uso no passado. Não deu outra, se trata do
Hôtel-Dieu. Essa denominação era dada pelos franceses aos hospitais que atendiam aos carentes, geridos pela Igreja. O Hôtel-Dieu marselhês atendeu aos doentes por mais de 800 anos, tendo vivenciado tanto calamidades como a Peste Negra no século XIV quanto marcos como a primeira operação de extração de catarata efetuada na Europa, em 1748, algumas décadas antes de o prédio atual ter sido construído.
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Place de Lenche , em Le Panier |
Le Panier, o bairro antigo de Marselha, tem suas ruas estreitas situadas numa colina acima da margem norte do Porto Velho. Parcialmente destruído pelos alemães na Segunda Guerra Mundial, foi posteriormente reconstruído. O bairro vem sendo revitalizado aos poucos, e é conhecido com algum exagero como a Montmartre marselhesa, pelo número de ateliês de artistas. Entrei em Le Penier pela
Place de Lenche, que achei tão simpática que tirei uma foto. Ao pesquisar para escrever este post, descobri se tratar do provável local onde se situava a ágora grega, o local aberto onde se situavam o mercado e edificações públicas.
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A Catedral de La Major |
Após vagar pelas vielas de Le Penier persisti no rumo oeste até me deparar com a fachada lateral da gigantesca
Catedral de La Major. Com 3.000 lugares e uma cúpula de 70 metros de altura, a catedral é uma das maiores da Europa. Sede da Arquidiocese de Marselha e inaugurada em 1896, sua bonita fachada em estilo bizantino faz com que saia do lugar comum dentre os templos franceses. Aproveite que não é cobrado ingresso e visite seu interior, mais iluminado e menos austero do que de costume. Enquanto o exterior é formado por pedras trazidas da Florença, no interior se encontra o altar construído com mármore de Carrara. Só lamentei uma das torres estar coberta por andaimes, naquele aspecto de embrulho que estraga qualquer foto.
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O altar da Catedral de La Major |
Do pátio da Catedral desce a escadaria que dá acesso à esplanada dominada pela menina dos olhos da revitalização marselhesa de 2013, o Museu das Civilizações Europeias e do Mediterrâneo, o
MuCEM. A visita ao museu já vale só para apreciarmos sua arquitetura. O enorme cubo negro em estilo moderno divide o espaço das exposições com o vizinho
Forte St. Jean, ao qual passou a estar conectado por uma ponte de pedestres sobre o dique que os separa.
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Entrada do MuCEM junto à esplanada |
O Forte, construído em 1660 pelo rei Luís XIV para guardar a entrada do Porto Velho, abriga também uma mostra contando toda a sua história, e tem um portão próprio que dá para o cais. Pessoalmente sempre acho inquietante esse choque de estilos de arquiteturas completamente conflitantes. A entrada para o complexo de exposições custava €12, mas atenção - o museu fecha às terças.
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O Forte St. Jean na entrada do Porto Velho |
A tarde começou a avançar e fui almoçar. Como a bouillabaisse, a sopa de peixes típica de Marselha, passa bem longe dos meus pratos favoritos, entrei numa cantina italiana perto da Place Leche e comi um despretensioso ravioli.
Como meu objetivo vespertino era fazer o cruzeiro até a Ilha de If e ainda queria voltar a Aix-en-Provence a tempo de visitar o Museu Magret, acabei deixando de fora duas das grandes atrações turísticas de Marselha, que ficam um pouco mais distantes:
- a Basílica de Notre Dame de la Garde, situada numa colina e vista desde grande parte do centro da cidade. A fachada da Basílica segue o mesmo padrão da Catedral.
- o Palácio de Longchamp, conhecido pela sua fonte e por sediar o Museu de Belas Artes e o Museu de História Natural. Ao ver fotos do Palácio após retornar ao Brasil, me arrependi de não ter passado por lá, pois o cenário de sua fonte é muito semelhante ao da fonte do Parc de la Ciutadella, um dos meus pontos favoritos em Barcelona. Teriam os criadores catalães se inspirado na obra marselhesa, erigida duas décadas antes em meados do século XIX?
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Fonte do Palais Longchamps (fonte: commons.wikimedia- George Seguin) |
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Para comparar, a Fonte do Parc de la Ciutadella, em minha visita a Barcelona em 2009 |
No próximo post, conto como foi o passeio à Ilha de If, onde foram ambientados os capítulos iniciais de O Conde de Monte Cristo, o magnífico romance de Alexandre Dumas.
Postado por Marcelo Schor em 22.03.2016
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