Aix-en-Provence, entre fontes e plátanos

        Quando reservei o voo Córsega-Marselha na volta da minha viagem à ilha do Mediterrâneo, não tive dúvida e na mesma hora elegi Aix-en-Provence como base para passar três dias agradáveis na Provença. Sim, a região merecia uma estadia muito maior, mas este era o tempo de que dispunha antes de voltar à labuta no Rio de Janeiro. A cidade encantadora já estava na minha lista de lugares a visitar há tempos, e aproveitei a ocasião. 

            Aix (como é comumente chamada) fica a 25 quilômetros do Aeroporto de Marselha, e um ônibus faz a conexão de meia em meia hora até a rodoviária de Aix. O mesmo ônibus faz no trajeto  um pequeno desvio para pegar os passageiros do TGV, cuja estação não segue o padrão habitual europeu e fica longe da cidade - não confundir com a estação ferroviária tradicional, convenientemente situada no centro.

Calçadão da Cours Mirabeau

        A marca registrada da cidade são os plátanos que embelezam as maiores ruas do centro. O cartão postal mais conhecido, com uma fila dupla dos plátanos, é a Cours Mirabeau.  Durante o verão as copas dos plátanos se tocam, cobrindo a via e formando um corredor verde.  Pena que, tendo estado lá já no início do outono, tenha encontrado as árvores bem menos frondosas. A avenida larga corta o centro em dois e sedia vários cafés, além de um dos mercados típicos da Provença toda manhã de quinta e sábado, ocasião em que o tráfego de veículos é proibido para dar lugar às barracas dos vendedores. Fiquei impressionado ao saber que a rua reta de mais de 40 metros de largura foi inaugurada no final do século XVII, época onde os centros das cidades ainda eram basicamente constituídos de becos insalubres e estreitos.

Mercado na Place de Richelme

          O nome Aix-en-Provence deriva do latim Aquae Sextae, sendo fundada pelo cônsul romano Sextius Calvinus em 123 a.C. Como curiosidade, uma das duas denominações com que seus habitantes são conhecidos vem daí: aquisextains. E a presença da palavra "água"  no nome da cidade já denuncia uma de suas características, presente desde os tempos romanos: as várias fontes espalhadas, algumas bem simples e antigas, outras enormes e rebuscadas.

A fonte da Place Rotonde

        O passeio pelas inúmeras ruas estreitas de pedestres do centro entre a Cours Mirabeau e a Prefeitura é uma das atividades imperdíveis em Aix. Caminhar entre os prédios centenários fica ainda mais prazeroso ao se topar com uma fonte numa esquina qualquer, e não é à toa que Aix-en-Provence recebeu a alcunha de "Cidade das Mil Fontes". Algumas dessas fontes estão cercadas por bares com mesas ao ar livre onde os jovens que cursam as universidades de Aix se reúnem à noite, dando vida à cidade velha após o anoitecer.

A Prefeitura e a torre do Campanário

          Falando em Prefeitura, a praça onde está a sede da administração municipal é uma das mais bonitas da cidade, contando com sua própria fonte. O prédio da Prefeitura data de 1655, e a praça é ainda enfeitada pelo Campanário, 150 anos mais antigo, que apresenta um relógio astronômico na sua fachada. Abaixo do relógio, quatro estátuas de madeira se revezam, representando as estações do ano (clique e amplie a foto acima, para ver uma delas). Quando cruzamos a passagem sob o Campanário, uma surpresa: o largo que vem a seguir, o Forum des Caldeurs, é repleto de restaurantes com mesas sob toldos.

A Fonte dos Quatro Golfinhos. Ao fundo, a Igreja de Saint Jean de Malte.

         A fonte que achei mais bonita foi a Fonte dos Quatro Golfinhos, de 1667, no meio do cruzamento de duas ruas.  Em estilo barroco, fica no  Quartier Mazarin, uma parte do centro ao sul da Cours Mirabeau com arquitetura completamente distinta da área mais antiga.

Uma das vielas do Quartier Mazarin

          Como toda cidade turística que se preza na Provença, Aix está ligada à vida de um pintor francês - o pós-impressionista Paul Cézanne nasceu, viveu e morreu na cidade, e o seu ateliê pode ser visitado. Um dos seus cafés favoritos, onde costumava prosear com seu amigo Émile Zola, era o Les Deux Garçons, que em meio à decoração antiga oferece até hoje refeições em plena Cours Mirabeau.

              Um ótimo local para se apreciar algumas de suas obras é o Museu Granet, que possui uma coleção eclética de esculturas e pinturas de gênios como Picasso, Manet, Matisse, Van Gogh e Giacometti.  O acervo do museu está espalhado por dois prédios a pouca distância um do outro. O prédio principal está situado numa rua pitoresca do Quartier Mazarin, junto à Igreja de Saint Jean de Malte, o mais antigo templo católico da Provença, erguido no século XIII. Ainda não sabendo o nome do templo ao lado, me surpreendi ao entrar no museu e me deparar com uma Cruz de Malta sobre o portão. Depois verifiquei que a edificação sediou a Ordem dos Cavaleiros de Malta. Efetivamente, uma das casas (auberges) que formavam a Ordem na época era a da Provença, e até achei a ala que representava os cavaleiros provençais uma das mais bonitas da inesquecível  Cocatedral de Valletta, conforme contei no post sobre a capital de Malta - aliás, para mim uma das coisas mais legais à medida que você vai conhecendo lugares é estabelecer conexões com visitas anteriores a atrações  localizadas a muitos quilômetros de distância.

O Museu Granet com a característica Cruz de Malta sobre a porta

              Além das exposições permanentes, o Museu Granet organiza mostras temporárias. Quando visitei Aix estava sendo exibida a mostra "Ícones Americanos", com obras do acervo do Museu de Arte Moderna de San Francisco, o SFMoMA. Capitaneando a mostra, a  pintura célebre feita por Andy Warhol em 1963 retratando a atriz Elizabeth Taylor no auge da sua fama e beleza. Propagandas sobre o evento estavam espalhadas por toda a cidade, com muitas flâmulas pregadas na Cours Mirabeau, numa proliferação algo exagerada. Naquela semana o apelido de Aix bem poderia ser  alterado para "a cidade das mil Elizabeths"...

As flâmulas da exposição, em série na Cours Mirabeau

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