A inesquecível Dubrovnik
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A inesquecível Dubrovnik


O Porto Velho de Dubrovnik, de onde saem os passeios de barco

         Minha primeira viagem à Europa foi feita quando ainda era um jovem universitário. Visitei Dubrovnik numa manhã fria de inverno, permanecendo lá somente por poucas horas. Eram os últimos anos da Iugoslávia socialista e a cidade estava resplandescente numa manhã de sol que sucedeu inúmeros dias de viagem com céu cinzento e desolador. Apesar das ruas praticamente vazias,  me encantei com a cidade medieval e sua muralha totalmente preservada. Prometi a mim mesmo voltar algum dia, para conhecer com  calma aquele lugar que parecia adormecido, mas que certamente era vibrante em outras épocas do ano. 

Vista marítima da parte nova de Dubrovnik. À direita, as muralhas. O grande prédio ao centro é o Hotel Imperial.

           A guerra estourou em 1991 e foi com pesar imenso que acompanhei pela TV as cenas de destruição do centro histórico de Dubrovnik pelos bombardeios sérvios (mais detalhes no próximo post). Com isto, a intenção de voltar foi sendo adiada. Até que, mais de duas décadas depois, finalmente retornei. E o longo período decorrido só serviu para reforçar a constatação de que Dubrovnik é uma das cidades mais bonitas do planeta. Desta vez com mais tempo para percorrê-la, a conheci por quatro óticas diferentes, todas sublimes: pela terra, andando pelas suas ruas até cansar; pelo mar, num passeio de barco que acompanhou sua costa; pelo ar, ao subir por teleférico até o mirante de onde se descortina toda a cidade e os arredores; e a melhor de todas, contornando a cidade histórica pelos dois quilômetros da sua muralha medieval, com vistas sensacionais para o mar e o casario antigo.

As pitorescas ruas de Dubrovnik

          Dubrovnik, chamada de Ragusa no passado, tem uma história singular que serviu como modelo para a necessidade da independência que os croatas perseguiam há séculos e só recentemente atingiram - a cidade foi uma república livre durante a maior parte da sua existência. O núcleo começou com a ocupação de uma ilha no século VII por greco-romanos oriundos da vizinha Epidauros que buscavam refúgio dos saques eslavos - fuga semelhante à que causou a invasão do Palácio de Diocleciano relatada no post sobre Split. Os eslavos se estabeleceram no continente em frente. O canal entre terra e ilha foi aterrado séculos depois e a cidade de Ragusa nasceu da simbiose entre as culturas romana e eslava. Após 150 anos de domínio veneziano, foi fundada a República Ragusina,  uma cidade-estado independente, com Senado próprio encabeçado por um Reitor nomeado pela elite local. Com inúmeros acordos costurados com os vizinhos, garantindo uma paz esperta e duradoura, Ragusa prosperou como entreposto comercial marítimo, sendo também pioneira em vários aspectos sociais. No seu apogeu no século XVI, a República abrangeu uma boa parte do sul da Dalmácia e atraiu toda a sorte de artistas. Então veio a tragédia: um forte terremoto devastou a cidade e sua população em 1667. Grande parte de Ragusa teve que ser reconstruída, num traçado mais moderno, formando as joias arquitetônicas que hoje apreciamos quando passeamos por suas ruas. O período de independência acabou com a invasão napoleônica de 1808, e após a queda de Napoleão, Dubrovnik se integrou às suas irmãs dálmatas sob o domínio austro-húngaro. Split e Zadar passaram a ser os  centros políticos e econômicos do sul da Croácia, perdendo Dubrovnik sua  importância de outrora.

O Portão Pile sob a muralha com a estátua de São Brás

       Hospedamo-nos em Dubrovnik no Hotel Imperial, um dos hotéis mais antigos da cidade, inaugurado em 1897 e frequentado pela nobreza da época. O hotel  bem conservado hoje integra a cadeia Hilton e ainda retém o antigo requinte no seu lobby e corredores. O prédio imponente está muito bem localizado a poucos passos do portão ocidental e principal da cidade histórica, o Portão Pile.

O pátio entre os portões interno e externo do Portão Pile. No alto, o caminho sobre a muralha.

A Fonte Onofrio junto ao Portão Pile

       O Portão Pile é uma das quatro saídas da cidade medieval existentes sob a muralha, que a rodeia completamente. O portão na realidade é duplo, com um pátio e escadaria entre seus portões externo e interno, sendo alcançado por uma ponte construída em 1471 sobre o antigo fosso, que era levantada diariamente ao anoitecer. Normalmente é o ponto de início dos tours guiados pela cidade murada, completamente fechada ao tráfego de veículos. Sua entrada externa é adornada pela estátua de São Brás, protetor da cidade. O Portão dá acesso direto à Stradun, mais conhecida como Placa (pronunciada platsa), a rua principal que ocupa o lugar do antigo canal.

A Placa e a torre do Mosteiro Franciscano

        Assim que saímos do portão e entramos na cidade histórica, chama a atenção à direita a Fonte Grande de Onofrio, construída em 1444. Local de abastecimento da água trazida de doze quilômetros de distância, a fonte circular era parada obrigatória  para os visitantes da cidade, que só podiam adentrá-la após se lavarem. A fonte perdeu a sua parte superior no  terremoto de 1667 e hoje resta um buraco no lugar. À sua frente está o Mosteiro Franciscano, cuja torre dizem ter influenciado o desenho da catedral e mosteiro de Hvar (compare as construções acessando aqui o post sobre Hvar).

A Placa e a Praça da Lógia

           A Placa é a rua principal e a mais larga da cidade medieval, com cerca de 300 m de extensão; liga o portão de Pile à Praça da Lógia, onde se situam os palácios administrativos da sua época áurea. Seu pavimento instalado no século XVI é de calcário e brilha com a luz solar, realçando ainda mais a limpeza impecável do calçamento. Desta rua que fica entupida de turistas no verão saem as vielas laterais cheias de degraus que levam aos recantos mais calmos e residenciais da cidade, na sua parte elevada. Na Placa já se nota uma das características que confere o charme inegável às ruas dentro da muralha: a uniformidade das edificações, com fachadas de pedra nua com janelas pintadas de verde e portas em forma de arco, resultado de uma planificação cuidadosa na reconstrução pós-terremoto. Curiosamente, a cozinha fica instalada com frequência no último andar das casas, uma prevenção contra incêndios na época. Outra característica pitoresca, também regulamentada, é a proibição nas ruas de letreiros sobre as portas que atrapalhem a visão das fachadas, como é costumeiro na maioria das cidades mundo afora. Aqui, o nome da loja ou restaurante é colocado nas lamparinas que iluminam a rua, dispostas junto às paredes. A regra porém não estava respeitada na Praça da Lógia, onde dois cartazes com anúncios enfeavam o prédio da Torre.

O Palácio Sponza e a Torre do Relógio

       De qualquer forma, a Praça da Lógia (ou Luža em croata) é um dos locais mais encantadores de Dubrovnik, especialmente ao entardecer, quando a multidão despejada pelos cruzeiros marítimos já se foi e em seu lugar aparecem dezenas de andorinhas sobrevoando o largo. Ponto de encontro da população de Dubrovnik, reúne várias construções históricas:
  • a Torre do Relógio, uma edificação do século XV de 30 metros de altura com um sino que é ladeado por duas figuras gêmeas de bronze que o tocam.
  • o Palácio Sponza, do século XVI, já teve múltiplas finalidades, tendo sido alfândega e casa da moeda, entre outros. Hoje abriga os Arquivos do Estado, com uma coleção variada de manuscritos. Seu pórtico no térreo chama a atenção com suas seis colunas e frequentemente acolhe apresentações de grupos de cantores. Curiosamente, cada andar de janelas retrata um estilo, gótico e renascentista. A estátua entre as janelas do segundo andar novamente homenageia São Brás.
  • a Igreja de São Brás, construída em 1733 em estilo barroco, também contém uma estátua do santo, desta vez segurando um modelo da cidade em sua mão esquerda. Pela localização estratégica e tamanho, muitos turistas confundem esta igreja com a Catedral, situada após o Palácio do Reitor, que contém o relicário de São Brás.
  • a Coluna de Orlando, no centro da praça. O pedestal contém uma pequena estátua em um de seus lados (infelizmente oculto na foto abaixo), o dito Orlando, cujo tamanho do braço direito era a medida oficial de comprimento da República Ragusina, o cúbito, medindo 51,2 cm.
  • o Palácio do Reitor, sede oficial do governo da República onde se instalava o Reitor. Seu mandato durava um mês, período no qual o governante não podia deixar o palácio, exceto a trabalho. Isto é que se pode chamar de dedicação ao cargo! O prédio foi reconstruído após o terremoto nos mesmos estilos do Palácio Sponza e seu átrio sedia concertos no verão. Hoje as instalações do Palácio abrigam o Museu Histórico Cultural, onde se destacam pinturas que pertenceram à nobreza ragusina.
A coluna de Orlando no centro da Praça da Lógia, já lotada de turistas no final da manhã
A entrada do Palácio do Reitor

       Algumas quadras adiante da Praça da Lógia, há uma escadaria inspirada na Praça de Espanha em Roma. As escadas dão acesso à igreja barroca de Santo Inácio de Loiola, que possui o sino mais antigo de Dubrovnik, datado de 1355. A área da cidade entre a igreja e a muralha que dá para o mar aparenta ser muito mais antiga, com ruas tortuosas e estreitas. O casario é menos uniforme e cuidado, provavelmente sendo anterior ao terremoto. Há poucos turistas passeando por lá, por isso a região é ideal para aqueles que não gostam do burburinho encontrado nas ruas principais da cidade histórica.

Escadarias inspiradas em Roma levam à Igreja de Santo Inácio
   
         Junto ao Palácio do Reitor se encontra a passagem sob a muralha que dá acesso ao Porto Velho, de onde saem os barcos que fazem passeios pela baía de Dubrovnik (o porto novo onde atracam os navios e ferries fica longe, a quatro quilômetros). Embarcamos em uma destas lanchas para fazer um minicruzeiro de quarenta minutos de duração, que passou pela costa das cidades antiga e nova, voltando rente à ilha de Lokrum. Esta ilha também é ligado a Dubrovnik por barcos que saem do porto e no verão suas praias se enchem de banhistas. O passeio foi interessante para visualizar a cidade sob novos ângulos, dando uma ideia excelente da grande extensão dos muros e do panorama da cidade com a montanha ao fundo. A melhor parte foi não ter nos custado nada, estando incluído no tour guiado por Dubrovnik - uma boa surpresa, já que este passeio marítimo não constava do roteiro impresso da excursão.

Vista da costa oriental de Dubrovnik a partir do Porto Velho

A Fortaleza de São João, parte integrante da muralha, vista no passeio de barco, com o porto ao fundo à direita

          Explorados mar e terra, no próximo post veremos Dubrovnik de cima, subindo no seu teleférico e caminhando sobre a muralha.

       
* Este é o décimo primeiro post da série sobre os países da extinta Iugoslávia. Para visualizar os demais, acesse Atravessando os Bálcãs: Croácia, Eslovênia e Bósnia


 Postado por  Marcelo Schor  em 04.10.2013 




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