Explorando Valletta - parte II
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Explorando Valletta - parte II


O Grand Harbour de Valletta, com os arcos dos Upper Barakka Gardens no alto à esquerda

          Dos palácios aos monumentos nos jardins de Valletta, é impressionante como cada canto da cidade está vinculado à história de Malta. Se alguém quer entender verdadeiramente a essência de Malta, é fundamental conhecer a trajetória conturbada da ilha ao longo dos séculos.

As atrações mencionadas neste post e sua localização em Valletta

          Para isso, nada melhor que iniciar a estadia na capital com uma visita à Malta Experience, perto do Forte St. Elmo na ponta da península. Trata-se de um audiovisual muito bem feito que conta em 45 minutos a saga dos malteses em 7.000 anos de história. O vídeo é apresentado com áudio em vários idiomas, incluindo o português, a cada hora cheia das 11 às 16 horas. Com certeza a sua visão do povo maltês terá subido muitos pontos após assistir à apresentação; os malteses sempre trabalharam duro para vencer as adversidades da natureza, como a falta d'água, e a cobiça dos inúmeros invasores ao longo dos séculos.

O longo salão com as alcovas, reservado aos Cavaleiros na Sacra Enfermaria

       Adquiri por €15 um tíquete integrado que também dá direito a conhecer a Sacra Enfermaria, no prédio fronteiro. Numa visita guiada, percorremos o antigo hospital fundado em 1574 onde os Cavaleiros de Malta eram internados em casos de doença. O salão onde ficavam as camas tinha uma extensão impressionante de 150 metros, e lá cabiam centenas de leitos, havendo dois andares, um para os Cavaleiros e outro para a população em geral. Uma alcova na parede junto a cada leito servia como sanitário. Algumas curiosidades avançadas para a época impressionam, como o uso de utensílios feitos de prata para facilitar sua limpeza e a presença compulsória do Grão-Mestre a cada semana para ajudar nas atividades. Não custa lembrar que o nome completo da congregação dos Cavaleiros é Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, reforçando seu caráter original humanitário. No domínio britânico, o salão da Sacra Enfermaria foi usado como estrebaria. Hoje parte do prédio abriga um centro de convenções.

Lower Barrakka Gardens

          Além das suas construções históricas, Valletta é também famosa pelos seus belos jardins, dispostos junto à muralha da orla, o que proporciona sempre vistas deslumbrantes enquanto se aprecia o ambiente tranquilo. O menor destes jardins é o Lower Barrakka Gardens, situado bem perto da Sacra Enfermaria. Um monumento sob a forma de templo grego enfeita o jardim, homenageando um oficial inglês que ajudou Malta a se livrar dos invasores napoleônicos em 1800, Alexander Ball. O  jardim é um ótimo ponto para se observar a entrada do Grand Harbour, o porto de Valletta, além do Forte Rinella, do outro lado da baía. O forte do século XIX é conhecido por conter somente um único canhão gigantesco de 100 toneladas com mais de 10 metros de comprimento. Só existe um outro canhão como este em Gibraltar, que até hoje é uma possessão britânica.

O Memorial do Sino do Cerco, visto dos jardins de Lower Barrakka

        O que chama a atenção do outro lado da rua é o Memorial do Sino do Cerco, erigido em 1992, bem na curva da entrada da baía. Seu sino de bronze com 10 toneladas é tocado diariamente ao meio-dia. O memorial homenageia os malteses que perderam a vida durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo 1.540 civis vitimados pelo cerco das forças do Eixo e por seus bombardeios que castigaram a ilha (na própria apresentação da Malta Experience aparecem fotos da Valletta mutilada na guerra; mais de 75% das casas da cidade foram destruídas ou danificadas). Malta inclusive recebeu em 1942 a George Cross, uma das maiores condecorações do Reino Unido, pela sua resistência e heroísmo. No memorial, uma inscrição em latim sintetiza esta época nefasta e causa reflexão, podendo ser traduzida por "Tu lançaste tua sombra sobre minha cabeça durante a guerra - 1940-43".

        Uma réplica da George Cross pode ser encontrada no Museu Nacional de Guerra (National War Museum), que ocupa parte do Forte St. Elmo. A exposição detalha o papel de Malta nas duas Guerras Mundiais e tem como maior atração o avião Faith, o único sobrevivente dos três biplanos que tinham a tarefa impossível de defender Malta dos ataques do inimigo no início da Segunda Guerra.

O Monumento ao Soldado Desconhecido na ponta do Memorial do Sino do Cerco, com o Forte Rinella ao fundo

         O jardim mais visitado da cidade,  Upper Barrakka Gardens, fica realmente na parte mais alta das muralhas que dão para o Grand Harbour. O pequeno jardim conta com canteiros charmosos, estátuas intrigantes e até um busto de Churchill, mas todos vão mesmo até lá para desfrutar da vista, que pode ser observada de um pátio cercado por arcos de pedra.  De lá se descortina toda a baía do Grand Harbour e as cidades antigas da outra margem, Senglea e Birgu, anteriores à época dos Cavaleiros. Num pátio situado em nível inferior, uma fileira de canhões do século XIX restaurados enfeita ainda mais a paisagem. Diariamente, também ao meio-dia, os canhões são detonados

A fileira de canhões em Upper Barrakka diante do Grand Harbour e, na outra margem, Senglea

         Estive lá durante a tarde, voltei ao anoitecer do dia seguinte, quando a vista adquire uma beleza maior ainda, e por fim à noite, com as cidades antigas iluminadas. O jardim é uma das principais paradas do tour noturno de Malta, um dos tours mais conhecidos da ilha, que inclui além de Valletta a cidade de Mdina. Não fiz o tour porque, como estava hospedado em Valletta, podia apreciar metade dos pontos de parada no trajeto por conta própria e gratuitamente, sem necessitar de transporte.

A escultura Les Gavroches em meio aos arcos do Upper Barrakka 

            Saindo dos jardins, um elevador panorâmico inaugurado há um ano o liga à promenade do Grand Harbour, uma fileira de casas geminadas na orla recentemente restauradas que abrigam diversos restaurantes, uma ótima pedida para uma refeição com uma bela vista. No final de abril, o Grand Harbour é palco de um festival de queima de fogos durante algumas noites, um dos eventos mais aguardados de Malta a cada ano. A barulheira é tão grande que o Teatro Manoel evita programar apresentações nessa época.

O Auberge de Castela e Portugal

            Dominando a praça junto à entrada do Upper Barrakka, um prédio imponente chama a atenção. É o Auberge de Castela, que hoje sedia os escritórios do Primeiro Ministro de Malta. Uma coisa interessante para quem como eu já visitou Rodes é comparar as instalações dos Cavaleiros de São João nas duas ilhas. Além do Palácio do Grão-Mestre, os auberges se repetem. São as hospedarias dos Cavaleiros, separadas por cada uma das oito langues ou nacionalidades em que se dividiam - Castela e Portugal, Aragão, Itália, Inglaterra, França, Provença, Auvergne e finalmente Alemanha. Uma diferença é que em Rodes todos os auberges se concentravam numa única rua que terminava no Palácio, a Rua dos Cavaleiros, hoje a atração mais icônica da cidade medieval. Já em Valletta, como foi uma cidade planejada pelos próprios Cavaleiros, os auberges foram espalhados pelas diversas ruas.

A bela fachada do antigo Auberge da Provença à esquerda na Triq Ir-Repubblika

         Infelizmente, hoje só resta metade das oito hospedarias originais. Além do Auberge de Castela, o mais famoso é o da Provença, que hoje abriga o Museu Nacional de Arqueologia, na Triq Ir-Repubblika. Este museu apresenta coleções de artefatos arqueológicos descobertos em Malta, com destaque para a estátua da Mulher Adormecida (Sleeping Lady), retirada do Templo de Hypogeum, e a Vênus de Malta, obtida de Ħaġar Qim, e que aqui tem os dois braços mas perdeu a cabeça.

O Forte Manoel e a cidade de Sliema vistos do St.Michael Bastion, adjunto aos Hastings Gardens

         O último dos belos jardins que visitei foi o Hasting Gardens, situado no outro lado da península na costa oeste. O maior dos três parques tem também a vista como atrativo principal: é daqui que se pode melhor apreciar a espessura das muralhas que cercam Valletta, e o panorama do lado moderno de Malta, com o cenário da marina, do Forte Manoel e da cidade de Sliema, do outro lado da baía de Marsamxett (por sinal, o maltês é uma das raras línguas em que o "x" tem o mesmo som chiado do português).

         Acabei dividindo minhas andanças por Valletta em três posts, recorde até o momento neste blog para uma cidade pequena, um sinal inequívoco do quanto gostei da capital maltesa. A partir do próximo post, saímos de Valletta para conhecer outras preciosidades dispersas pelo arquipélago, começando pelas chamadas Três Cidades

* Este é o quarto post da série sobre Malta. Para visualizar os demais, acesse Malta, na encruzilhada da História.


 Postado por  Marcelo Schor  em 02.10.2014 



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