Mdina, a Cidade Silenciosa
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Mdina, a Cidade Silenciosa


A entrada de Mdina, com a ponte sobre o fosso que a separa da vizinha Rabat

     Mdina, ou L-Imdina como ocasionalmente aparece nos mapas, é a antiga capital de Malta. As denominações pelas quais também é conhecida já incitam nossa imaginação - Città Vecchia (Cidade Velha), Città Notabile (Cidade Notável) e especialmente Cidade Silenciosa, devido ao pequeno número de habitantes que vivem dentro de suas muralhas, menos de 300. Com tão poucos moradores, Mdina é uma autêntica cidade-museu, que parou de se desenvolver há muito.

O Portão Principal de Mdina, visto do lado de dentro da muralha
      
       Sua origem remonta a milênios atrás nos tempos dos fenícios, tendo a cidade atingido o apogeu durante o domínio romano, quando ganhou a denominação de Melita (que aliás provavelmente originou o nome Malta). Os árabes chegaram no ano 870 e refizeram as muralhas da cidade, cercando-a completamente e separando-a da vizinha Rabat, reduzindo então seus limites aos atuais. Melita se transformou então em Mdina ("cidade" em árabe), e o nome permaneceu após a saída dos árabes de Malta em 1250. Mdina, até então a única cidade murada da ilha, entrou em decadência com a chegada dos Cavaleiros da Ordem de São João e a consequente transferência da capital para Birgu. Como eu costumo escrever nos posts, sorte dos turistas, pois cidades antigas importantes que entraram em decadência costumam significar arquitetura conservada nos dias de hoje.

Vista aérea de Mdina, com o Portão Principal à esquerda e a Catedral à direita - fonte: commons.wikimedia r.muscat

       Quando verifiquei que Mdina ficava localizada no interior da ilha, imaginei que a viagem até lá seria em meio aos campos malteses, apreciando a paisagem semiárida e mediterrânea de Malta. Me enganei redondamente, o trajeto na linha de ônibus 51 foi feito quase inteiramente em limite urbano, mostrando uma conurbação enorme em torno de Valletta. Não é à toa que, apesar de a população de Valletta ser de apenas 6.900 habitantes, 195.000 habitantes residem na sua área metropolitana, constituindo 47% da população maltesa.

As ruas medievais de Mdina

         O ônibus me deixou em Rabat, a poucos passos do portão de entrada de Mdina. Só a visão da muralha da cidade já fornece um contraste com Rabat, bem mais moderna. Passar pelos portões da muralha  é realmente voltar séculos no tempo. Com o tráfego restrito a veículos de moradores e de serviços, seus becos estreitos com o casario de pedra tradicional são um convite à contemplação. Como cheguei cedo pela manhã, pude atestar o apelido de "Cidade Silenciosa"; como dá para perceber pela maioria das fotos, as ruelas estavam bem desertas. Os grupos de turistas só chegaram quando a manhã já avançava. Ao anoitecer, a cidade também fica muito bonita com as vias iluminadas pelos lampiões. Se só tivesse um fim de semana disponível em Malta, certamente dividiria meu tempo apenas entre Valletta e Mdina.

Outra rua típica de Mdina

            Mdina faz parte da história do cristianismo, pois foi nesta região que São Paulo teria se estabelecido após sua embarcação naufragar no ano 60. O apóstolo teria residido numa gruta hoje localizada em Rabat, denominada Gruta de São Paulo, e convertido o governador romano Publius, iniciando a tradição católica de Malta. Lembrei-me da morada anterior dos Cavaleiros de São João, Rodes. Lá, na cidade de Lindos, existe uma Baía de São Paulo, onde o apóstolo também teria aportado. Coincidência?

O casario de Mdina

        A rua principal e eixo que atravessa a cidade amuralhada é a Triq Villegainon. Seu nome é uma homenagem a Nicolas de Villegaignon. Ele mesmo, o almirante francês que tentou estabelecer uma colônia no Rio de Janeiro e foi derrotado por Estácio de Sá em 1555. Villegaignon era sobrinho do Grão-Mestre Villiers (que trouxe a Ordem de São João para Malta), tendo defendido as águas maltesas durante vários anos antes de rumar para o Brasil. Tudo depende da perspectiva: quando ouvimos falar do cara na escola no ensino fundamental, ele aparecia como um vilão, quase um pirata; em Malta, é reverenciado como herói. 

A Praça da Catedral de São Paulo

            Ao se caminhar pela Triq Villegaignon, na metade do percurso chegamos à Praça da Catedral, que, claro, é dedicada a São Paulo. A Catedral foi erguida no terreno onde se localizava o palácio do governador romano. Única em Malta até a fundação de Valletta, teve que dividir seu status com a Cocatedral de São João construída na nova capital no século XVI. Seu prédio barroco é porém mais novo que o da cocatedral, pois um terremoto em 1693 destruiu muitas edificações em Mdina, e a Catedral teve que ser reconstruída. A fachada segue o padrão maltês para igrejas, com duas torres, cada uma com seu campanário e um relógio branco abaixo dele. O chão da Catedral também segue o modelo de Valletta, todo em mármore formado por tumbas com desenhos. A diferença está nos seus ocupantes, aqui na sua maioria prelados. A Catedral conta ainda com um mural em sua cúpula retratando o naufrágio de São Paulo em Malta, pintado pelo mesmo artista responsável pela redecoração da Cocatedral, Mattia Preti. Ao seu lado no fundo da praça, fica o eclético Museu da Catedral, cuja coleção abrange lápides romanas, pratarias, pinturas e até gravuras de Rembrandt.
   
Detalhe do prédio da Catedral com o Museu da Catedral à direita

       A Triq Villegaignon sedia algumas das edificações mais bonitas de Mdina, das quais a mais elegante e antiga é o Palazzo Falson, do século XIII. O outro palácio mais conhecido, o Palazzo Vilhena, fica junto ao portão de entrada. Ambos hoje abrigam museus, mas resolvi não conhecê-los por dentro e preferi vagar pelas vielas pitorescas da cidade. Por sinal, a pracinha no final da Triq Villegaignon, junto à muralha, fornece uma ótima surpresa: um mirante com vista privilegiada dos arredores de Mdina, já que a cidade foi construída sobre um platô. Enfim pude obter um panorama amplo dos campos malteses!

A Rotunda de Mosta e seu domo gigante

         A quatro quilômetros de distância de Mdina, a cidade de Mosta possui uma única atração: sua igreja, chamada de Rotunda, cujo domo com 40 m de diâmetro era até pouco tempo considerado o terceiro maior domo sem suporte no mundo, atrás somente da Catedral de São Pedro em Roma e da Basílica de Santa Sofia em Istambul. Há poucos anos inauguraram uma igreja na ilha vizinha de Gozo que agora disputa essa primazia com Mosta. O prédio exótico em Mosta foi projetado baseado no Panteão romano, e realmente nos faz lembrar dele.

          A Rotunda é famosa por um acontecimento impressionante ocorrido em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. Trezentas pessoas estavam na igreja quando ocorreu um ataque aéreo italiano. Uma bomba penetrou no domo, quicou no chão mas não explodiu, o que foi considerado um milagre. Uma réplica da bomba está hoje exposta no seu interior. Fui a Mosta somente para conhecer a igreja e para apreciar o teto do domo, magnificamente decorado e com uma abertura no topo. Ao me aproximar da entrada, dei com os burros n'água - as portas do templo estavam fechadas! Decepcionado, não me restou alternativa a não ser dar meia volta e pegar o ônibus de volta a Valletta...

O interior da Rotunda, que não pude conhecer - fonte: commons.wikimedia

          Uma surpresa no trajeto de volta foi notar na rua que corta a cidade de Birkirkara a presença de um aqueduto de pedra longo e baixo, acompanhando grande parte do trajeto.  É o aqueduto Wignacourt, construído pelo Grão-Mestre de mesmo nome em 1615 para trazer água de Rabat para a capital, conservado até os dias atuais. Achei curioso seus arcos dispostos por nove quilômetros estarem servindo de estacionamento para carros naquele trecho, cada arco abrigando exatamente um automóvel sob suas curvas.

         No próximo post rumo para Gozo, a segunda ilha do arquipélago de Malta (mas já adianto que não fui visitar a Rotunda concorrente...).

* Este é o sexto post da série sobre Malta. Para visualizar os demais, acesse Malta, na encruzilhada da História.


 Postado por  Marcelo Schor  em 18.10.2014 



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