Malta, na encruzilhada da História
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Malta, na encruzilhada da História



Um barco típico maltês, a dghajsa,  ancorado em Senglea com a capital Valleta ao fundo

       “Do ponto de vista geográfico, Malta está situada na beira da Europa, mas sob o aspecto histórico, está no seu centro”. Com esta declaração impactante, a guia que nos mostrava a Sacra Enfermaria, um dos pontos turísticos de Valletta, encerrou nossa visita. Fiquei a pensar que ela estava com toda a razão e é impressionante como este lindo país e arquipélago situado no meio do Mediterrâneo foi palco de vários acontecimentos importantes ao longo dos séculos. 

O arquipélago de Malta

          Ao ouvir a menção a Malta, muita gente se indaga onde fica exatamente. O arquipélago de Malta está situado no mar Mediterrâneo, a 90 quilômetros ao sul da Sicília (há transporte por barco entre as duas ilhas) e a 315 da Tunísia, país da costa norte africana. Três das suas ilhas semiáridas são habitadas, Malta, Gozo e Comino, das quais Malta é a maior, mais populosa e onde está localizada a capital Valletta. A superfície do país totaliza 316 km², o que o faz um dos menores da Europa, embora um dos mais densamente povoados, com 453.000 habitantes. Malta é um país membro da União Europeia desde 2004 e também da Commonwealth, e adota o euro como moeda. A religião dominante é a católica, se originando da época em que São Paulo por lá aportou. É um destino turístico muito procurado pelos europeus, especialmente os ingleses, mas ignorado pelos brasileiros – não ouvi o português nas ruas uma vez sequer – o que é uma pena, pois Malta é um dos lugares mais interessantes que já visitei. Ultimamente tem suscitado um interesse maior ainda por servir de locação para o seriado Game of Thrones. Como a série é pródiga em apresentar cenários exóticos e antigos, Malta foi uma escolha perfeita. 

O cais de Marsamxett iluminado pelo sol da tarde em Valletta

         A história de Malta é bem conturbada, tendo sua localização estratégica resultado em um número alto de invasores ao longo do tempo, o que só torna essa história mais fascinante. Ruínas de templos espalhadas pelo arquipélago indicam civilizações que habitaram a ilha há 7.000 anos. Após o governo de fenícios, cartagineses, romanos, normandos, bizantinos e árabes,  o rei espanhol Carlos V vendeu Malta em 1530 aos Cavaleiros de São João, que estavam sem sede há oito anos desde sua expulsão de Rodes pelos otomanos. O preço? Um falcão maltês por ano, que foi pago religiosamente pelos Cavaleiros enquanto governaram a ilha! Após novo embate com os otomanos  em 1565, seguido da fundação da capital Valletta, Malta floresceu sob a égide dos Cavaleiros. A época áurea durou 268 anos, até a invasão por Napoleão, que saqueou a ilha após os Cavaleiros terem batido em retirada. Os malteses pediram então ajuda aos ingleses, que em 1800 expulsaram os franceses e estabeleceram o domínio britânico. Neste período, Malta se transformou numa base naval estratégica, especialmente após a inauguração do Canal de Suez. Foi bombardeada sem dó pelas forças do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial. Somente em 1964 Malta se tornou um país independente (os festejos do cinquentenário acontecerão este mês de setembro em Valletta!), mas veio a crise econômica com o fechamento da base naval inglesa. Só recentemente a economia voltou a ser impulsionada, especialmente após a entrada na União Europeia, sendo o turismo um de seus focos.

O Palácio do Grão-Mestre, sede do poder maltês há mais de quatro séculos

          Passei cinco dias ensolarados no arquipélago, que reúne paisagens bonitas, muita história e uma cultura diferenciada, além de um estilo arquitetônico soberbo apesar de simples. Só não espere praias maravilhosas na ilha principal – as que ficam entulhadas de europeus no verão não têm muita graça. A temperatura no meio de maio estava perfeita para passeios, dos 17 aos 26 graus, e além do mais em maio tem início a época de pouca chuva, que dura até o início de setembro.  A localização de Malta bem perto da África faz com que receba o vento quente africano, o Sirocco, e nos meses de alta temporada, julho e agosto, os 40° C podem ser facilmente alcançados.

A Triq Il-Merkanti ou Merchant Street, uma das ruas principais de Valletta

           Utilizei a Air Malta, a companhia aérea nacional, para chegar e sair da ilha, em voos desde Londres e para Zurique. A Ryanair e a Easyjet têm voos para Malta de vários aeroportos europeus a preços mais baratos, mas infelizmente os horários dos voos não coincidiam com o meu planejamento. Atualmente é meio difícil chegar a Malta com conexão imediata desde o Brasil, mas a situação deve melhorar, pois a revista de bordo da Air Malta anunciava um acordo de codeshare com a Air France para os próximos meses. Achei a Air Malta uma companhia razoável; ambos os voos foram pontuais, mas com distância mínima e desconfortável entre as fileiras, além de comida insossa na classe econômica (pelo menos ainda servem comida, a Aer Lingus nem água oferece nos voos para a Irlanda, só pagando). Em Heathrow já tive uma demonstração da pouca presença de brasileiros em Malta – a atendente estava em dúvida se brasileiros precisavam de visto para entrar em Malta (claro que não é necessário para estadias de menos de três meses, uma vez que Malta pertence à União Europeia), e me reteve por 20 minutos até conseguir a informação preciosa, mesmo com meu passaporte estando recheado de carimbos de entradas em países europeus. Testei minha paciência ao limite na hora.

Uma ruela da cidade antiga de Mdina

       Quando iniciei o planejamento da minha estadia em Malta, apareceu a questão do local de hospedagem. A maioria dos turistas se hospeda na área de Sliema e St.Julian's, região com aparência mais americana, com muitos restaurantes e vida noturna, e portanto com frequência mais jovem. Preferi ficar na capital Valleta, cidade cheia de atrações a visitar e com transporte fácil por ônibus para todos os cantos da ilha, já que seu terminal rodoviário é o hub central de Malta. Ainda por cima me hospedei no ótimo hotel Phoenicia, muito bem localizado a poucos passos do terminal. Decisão acertadíssima, me encantei pela paisagem ocre de Valletta, e não perdia uma ocasião nos finais de tarde para caminhar mais um pouco por suas ruas. Agora, um aviso: se você acha imprescindível sair à noite, esqueça a hospedagem em Valletta – a cidade vira um deserto após o anoitecer e é melhor então ficar na região de St.Julian's.  Outro problema é a pouca quantidade de hotéis na capital.

As cidades de Birgu e Senglea vistas dos jardins de Upper Barrakka em Valletta

          Já ao embarcar no ônibus no aeroporto de Luqa, comprei o passe semanal por módicos €6,50. O passe é uma mão na roda, dá direito a viagens ilimitadas por sete dias. Durante a minha estadia, usei e abusei dos ônibus (cuja denominação em maltês achei engraçada: xarabank). Peguei o horário das saídas e itinerários no excelente site maltabybus.com. Os ônibus se provaram pontuais, na maioria dos casos vazios e fáceis de usar, com um letreiro luminoso no interior indicando a próxima parada, complementado por anúncio sonoro em maltês. A exceção foi exatamente o ônibus que liga Valletta à área de Sliema, lotado e fora do horário. Li alguns relatos que falavam na falta de educação dos motoristas de ônibus, mas não presenciei nada que os desabonasse. Em resumo, uma ótima opção na primavera; no verão provavelmente se torna desconfortável devido ao calor. Além do mais, as viagens chegavam a ser divertidas diante das barbeiragens dos motoristas de carro, que viviam bloqueando as ruas estreitas de mão dupla. Uma outra alternativa para o deslocamento é usar os ônibus hop on/off que circulam pela ilha e cujo tíquete custa €17,00. 

Os barcos coloridos no porto de Marsaxlokk

         Um ponto que suscita dúvidas é o idioma. O maltês, a língua semítica falada por todos, tem as palavras básicas derivadas do árabe com acréscimos vindos do italiano, o que faz com que tenha uma sonoridade ímpar. Comparando-o aos demais idiomas semíticos, tem uma vantagem importante, pois é o único escrito em caracteres latinos, mas retém alguns sons e caracteres desconhecidos para nós, fazendo a pronúncia dos nomes das localidades não soar como se pensa. Felizmente, pelo fato de ter sido colônia da Inglaterra, o inglês é a segunda língua oficial, apesar de falado com um acento que nos parece um pouco estranho, e todos os malteses o usam no trato com os turistas. Uma outra herança britânica que pode complicar a vida de quem aluga carro é a adoção da mão inglesa.

A Janela Azul na ilha de Gozo

         Em cinco dias deu para conhecer Malta bem, e ficaria tranquilamente por mais dias. Há atrações de todos os tipos, desde templos megalíticos e cidades históricas muradas moldadas pelos Cavaleiros até as formações rochosas esculpidas pela natureza, como a Janela Azul na ilha de Gozo. Basicamente meu roteiro foi o seguinte:

Dia 1: chegada à tarde e caminhada por Valletta.
Dia 2: as três cidades da Cottonera, com a tarde reservada para continuação do passeio por Valletta.
Dia 3: a cidade antiga de Mdina e Mosta; à tarde, Sliema/St.Julians.
Dia 4: excursão de dia inteiro a Gozo.
Dia 5: Marsaxlokk e mais Valletta.

Os campos cultivados de Gozo vistos da Cidadela na capital Victoria

        Nos próximos posts você vai conhecer em detalhes as atrações deste arquipélago algo misterioso, e, garanto, não vai se decepcionar.

Posts publicados na série:
  • Valleta, a capital dos Cavaleiros de Malta
  • Explorando Valletta - parte I
  • Explorando Valletta - parte II
  • As Três Cidades maltesas
  • Mdina, a Cidade Silenciosa
  • Excursão à Ilha de Gozo
  • Marsaxlokk e Sliema, os dois extremos de Malta

 Postado por  Marcelo Schor  em 03.09.2014 




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