Esta foi a minha terceira visita à Côte d'Azur, e em todas usei Nice como base na região. Tendo conhecido as cidades à beira mar da área, como Cannes, Mônaco e Saint Tropez, ainda considero Nice como minha favorita. Um lugar eclético, com atrações para todos os gostos, onde se pode contemplar desde a beleza da sua orla até a elegância de suas construções arquitetônicas. Uma combinação mágica com astral alto que me faz sentir bem. E a cada visita há sempre uma surpresa. Além do mais, Nice tem um certo quê de Rio de Janeiro. Aliás, uma coincidência une as duas cidades a beira-mar - Nice tem o merecido apelido em occitano de "La Bella", que é também o título do seu hino não oficial, tal qual nossa muito conhecida "Cidade Maravilhosa".
Desta vez usei milhas e me hospedei no Hotel Mercure Promenade, com uma localização estupenda, em plena Promenade des Anglais colado ao Jardim Albert I. O bom hotel quatro estrelas tem uma singularidade: ocupa somente os andares mais baixos do prédio, cujos pavimentos superiores abrigam o Hotel Méridien, com portaria no outro lado do quarteirão, voltada para o Jardim. Uma vantagem adicional é que o ônibus do aeroporto passa na porta (na ida, o ponto fica a alguns quarteirões, na volta a parada é exatamente em frente ao hotel).
Usei e abusei dos pés nos dois dias de andanças pela maior cidade da Côte d'Azur. Com exceção de vários museus, uma grande parte das suas melhores atrações se concentram na própria orla ou bem perto dela, sendo plenamente possível conhecê-las num roteiro a pé.
Comecemos pela rua mais famosa de Nice, a
Promenade des Anglais, a avenida que acompanha a praia. Desde o início do século XIX os ingleses acorriam em massa para Nice durante o inverno britânico e a primeira versão da promenade foi proposta e bancada por volta de 1820 como forma de valorizar o balneário que frequentavam. A Promenade acompanha a praia, cuja denominação vai se alterando ao longo do trajeto. Convém não se decepcionar com a falta de areia - a praia em sua maior parte é formada por pequenas pedras, mas a disposição organizada das espreguiçadeiras e barracas nas praias pagas forma um cenário curioso . Registre-se que os trechos reservados às praias públicas são poucos.
Passear pelo calçadão ladeado por palmeiras é um dos programas mais bacanas de Nice, apreciando a paisagem do mar em várias tonalidades de azul e as edificações da belle époque espalhadas pelo caminho, que rememoram o tempo em que Nice era frequentada pela nobreza europeia. Num domingo, como foi o meu caso, a multidão de caminhantes, banhistas e jovens em patins e skates contribuem ainda mais para o colorido especial do calçadão. A Promenade adquire ares especiais no afamado Carnaval nicense, quando acontece o desfile chamado de Batalha das Flores, em que personagens fantasiados lançam flores ao público a partir de carros alegóricos.
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Hotel Negresco |
Nos cinco quilômetros de extensão da Promenade, o prédio mais bonito sem dúvida é o do
Hotel Negresco, construído em 1912 pelo romeno Henri Negrescu. O hotel é um marco de Nice, sendo reconhecido à distância pelo seu grande domo com janelas em forma de escotilha, e constitui um monumento histórico nacional. O luxuoso Negresco está para Nice assim como o Copacabana Palace para o Rio, tendo hospedado nos seus mais de cem anos de existência muitos soberanos e personalidades artísticas. Ao lado do Negresco uma mansão imponente em estilo neoclássico não chama muito a atenção por ter um jardim luxuriante a separando da praia, mas ela abriga o excelente
Museu Masséna, que retrata a história e arte da Riviera através de pinturas, esculturas, móveis e outros artefatos.
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Museu Masséna |
A Promenade des Anglais troca de nome ao alcançar o Jardim Albert I, passando a se chamar Quai des États Unis. O cenário arquitetônico também se altera; como a via passa a margear a cidade velha, as construções são mais baixas e antigas, com galerias conectando a orla às vielas centenárias.
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A Torre Bellanda com a escadaria de acesso ao Parc du Château |
Quando a praia acaba, chega-se à
Torre Bellanda, uma torre circular do século XVI que é uma das poucas partes remanescentes da cidadela. Junto à torre se situa o elevador e a escadaria para subir ao Parc du Château, mas convém refrear a curiosidade um pouco. Se você prosseguir um pouco na caminhada pela orla, chegará ao grandioso
Monumento aos Mortos em Guerras, parecendo um templo encravado na rocha. Inaugurado em 1928, o memorial presta homenagem aos 3.500 nicenses que pereceram na Primeira Guerra Mundial. Menções aos falecidos em guerras posteriores como a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Indochina foram acrescentados ao longo das décadas seguintes.
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Monumento aos Mortos |
Voltando à Torre Bellanda, para chegar ao seu topo pode-se usar as escadarias ao seu lado, ou de forma cômoda, um elevador. Como cabem poucas pessoas no apertado ascensor gratuito, achei que haveria uma fila grande naquele domingo ensolarado. Engano, havia fila sim, mas que consumiu somente alguns minutos até chegar minha vez de subir.
O topo da torre serve de entrada para o
Parc du Château, a enorme área verde situada sobre uma colina que deu origem a Nice. A cidade foi fundada no século IV A.C. por gregos de Marselha, que deram seu nome em homenagem à deusa da vitória, Nike. Só não queira encontrar o tal castelo do nome: ele já não existe mais, pois toda a cidadela até então inexpugnável foi colocada abaixo em 1706 por ordem de Luís XIV durante uma invasão - quem leu meus posts anteriores sobre St.-Paul de Vence e Antibes deve se recordar que nessa época Nice não pertencia à França, sendo até sua rival durante um período.
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Port Lympia visto do Parc du Château |
Pródigo em trilhas e lugares para piquenique, é uma ótima escolha para relaxar e fugir do rebuliço no nível do mar, contando também com playground para as crianças. O melhor do parque são os seus mirantes, com vistas para a Promenade, a Cidade Velha e, no outro lado, o
Port Lympia, a marina da cidade com iates luxuosos e de onde saem também os ferries para a Córsega. O parque conta ainda com uma cascata artificial construída no século XVIII na encosta e apresenta ainda ruínas remanescentes da cidadela, como a da antiga Catedral erigida no século XI.
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Mais uma vista desde o Parc du Château, contemplando a Cidade Velha e a praia |
O próximo destino, as ruelas da
Cidade Velha, podem ser alcançadas voltando-se pelo mesmo percurso ou por escadaria que a liga direto ao Parc du Château. A área triangular é facilmente identificável lá de cima pelo emaranhado de casas e é um prazer para se caminhar, apesar de suas ruas estarem mais cheias do que eu gostaria. A Cidade Velha é repleta de becos estreitos e lojinhas interessantes, com uma quantidade considerável de restaurantes. Ótima oportunidade para se provar as delícias da cuisine niçoise como a
socca, um crepe feito com farinha de grão de bico e azeite de oliva, ou a
ratatouille, com os obrigatórios tomate, berinjela e abobrinha misturados a ervas provençais. As placas das ruas ostentam duas denominações, em francês e no dialeto local do occitano, dando um charme a mais ao local.
Um lugar que não se deve deixar de percorrer é a
Cours Saleya, a paralela à orla que abriga um mercado de flores e frutas diariamente pela manhã e que à tarde se transforma em extensão dos restaurantes da rua, da mesma forma que acontece nas cidades da Córsega.
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Rua típica da Cidade Velha de Nice |
Um largo que me impressionou na Cidade Velha foi a
Place du Palais, que reúne frente a frente o Palácio da Justiça e a Caserne Rusca, um antigo convento do século XVIII e que hoje serve como anexo aos escritórios do primeiro. Quem puder deve voltar à noite para apreciar a iluminação que realça a fachada de ambos os prédios. A parte da Cidade Velha ao norte do Palácio é a mais tranquila, com o burburinho diminuindo consideravelmente e as ruelas se tornando mais estreitas.
Nesta parte, o melhor ponto para sentar e relaxar é a pequena
Place Rossetti, com uma fonte histórica no centro e alguns cafés, dominada pela
Catedral de Sainte-Reparate construída no século XVII. Um programa habitual é comprar os sorvetes renomados da Fenocchio e parar para apreciar a atmosfera provençal da praça, rodeada por prédios históricos em tons de ocre vermelho ou amarelo.
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Rue de la Prefecture e a Caserne Rusca diante da Place du Palais |
Uma área verde contendo jardins diversos separa a Cidade Velha do centro mais novo, cobrindo um antigo córrego. Nesse miolo se situa o que pode ser considerado o ponto turístico central de Nice, a
Place Masséna. A praça, vedada ao tráfego de veículos exceto bondes, é cercada por belos prédios de três andares em cores vivas, todos com arcadas no térreo e venezianas nas janelas, que conferem uma harmonia ímpar ao espaço.
Inaugurada por volta de 1830, a Place Masséna oferece alguns monumentos interessantes: a
Fonte do Sol apresenta cinco deuses romanos capitaneados por uma estátua de Apolo com sete metros de altura. Curiosamente os quatro cavalos que normalmente acompanham Apolo não estão à sua frente e sim sobre sua cabeça como um chapéu. Estranhei não me lembrar da fonte na minha estadia anterior e não estava enganado. A nudez de Apolo, que muitos consideravam "excessiva", feriu suscetibilidades nicenses e a estátua foi removida para longe nos anos 1970, duas décadas após sua inauguração, voltando triunfal ao seu lugar original somente há cinco anos. Ainda bem, a fonte casa perfeitamente com o formato semicircular da face sul da praça.
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Place Masséna e seis dos sete Continentes |
Além da fonte, sete estátuas elevadas de homens ajoelhados representando os continentes ladeiam a praça. Se durante o dia elas são apenas um detalhe compondo a paisagem, à noite viram protagonistas, se transformando em fontes de iluminação com variação de cores. Este é outro trabalho do escultor catalão Jaume Plensa, que já tinha me encantado com sua Crown Fountain em Chicago.
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A Fonte do Sol na Place Masséna |
Encerrei o dia no Jardim Albert I que separa a Place Masséna do mar. O jardim conta com um coreto onde eventualmente são feitas apresentações de música clássica nos fins de semana. Por sorte estava ocorrendo uma quando retornei da caminhada em pleno final de tarde de domingo e fiquei vários minutos apreciando o concerto. Música gratuita da melhor qualidade.
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Concerto no Jardim Albert I |