Marsaxlokk e Sliema, os dois extremos de Malta
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Marsaxlokk e Sliema, os dois extremos de Malta


Os luzzus em Marsaxlokk

         Uma atividade tradicional nas vilas mediterrâneas à beira-mar é a pesca. Em Malta não poderia ser diferente e o porto onde se pode melhor conferir o ir e vir dos pescadores é Marsaxlokk, na costa sul da ilha. Com um nome que faz alusão ao vento ("Porto do Sirocco", numa referência ao vento forte seco que sopra vindo do deserto do Saara), a cidade bem pitoresca com 4.000 habitantes exala a atividade da pesca por todos os lados.

         Para chegar a Marsaxlokk, embarquei no ônibus 81 em Valletta e após 40 minutos de viagem, saltei no ponto do início do cais. Para se voltar a Valletta há uma pegadinha: o ponto não fica na praia e sim numa rua paralela.

Estátuas no cais de Marsaxlokk em homenagem à atividade da pesca

         Sem dúvida, a atração principal em Marsaxlokk não é sua paisagem natural ou sua arquitetura, mas sim os barquinhos multicoloridos que são o veículo de trabalho dos pescadores locais, os luzzus (pronuncia-se como em italiano). Assim como um outro barco típico maltês, a dgħajsa, o luzzu remonta aos tempos do domínio fenício na ilha, e resiste bem a tempestades, existentes na área graças ao Sirocco. Sua característica mais marcante além do colorido vivo tem também origem fenícia: os olhos pintados na proa do barco, chamados de Olhos de Osíris, que visam a obter proteção para os pescadores em suas saídas marítimas. A única evolução ao longo dos séculos foi a locomoção - os remos foram substituídos por motores. Sempre há algum barco na calçada do cais sendo reparado ou repintado pelo dono, e um em particular tinha os olhos pintados de tal forma que parecia um cãozinho abandonado pedindo abrigo.

Os olhos de Osíris no luzzu em reparo na calçada do cais

         Outra grande atração de Marsaxlokk é a sua feira junto ao cais. Aos domingos, o número de barracas é enorme, com a venda de peixes e frutos do mar. Sendo o maior centro pesqueiro de Malta, muitos restaurantes no cais oferecem peixe em seu cardápio. Um longo almoço no domingo saboreando os pescados é uma tradição local. Visitei a cidade numa sexta (meu voo saía no sábado, portanto o domingo estava fora de cogitação); mesmo assim, havia um mercado que vendia todo tipo de souvenir maltês no cais junto à igreja da cidade. Por sinal, essa igreja antigamente possuía um dos dois relógios da sua fronte sempre mostrando a hora um pouco anterior à meia-noite, mais uma superstição maltesa para afastar os maus espíritos.
  
          Uma curiosidade é o fato de Marsaxlokk ter alcançado fama mundial em 1989, quando foi palco do encontro entre os presidentes americano George Bush e soviético Mikhail Gorbachev para selar o fim da Guerra Fria entre as duas potências. O encontro aconteceu num navio ancorado diante de Marsaxlokk, mas então o imprevisto aconteceu: uma das piores tempestades que já assolou Malta, danificando vários barcos. O evento passou para a história na imprensa maltesa como "a Conferência do Enjoo".

O cais de Marsaxlokk com a Igreja de Pompeia e a feirinha

           A alguns quilômetros a oeste de Marsaxlokk fica uma grande atração natural de Malta, a Gruta Azul (é, os malteses têm uma certa fixação por batizar locais turísticos com a cor do mar - Lagoa Azul, Janela Azul e por aí vai...). A Gruta é uma caverna junto a um arco natural num paredão rochoso na costa de Malta, a que se tem acesso por barcos que saem do porto de Wied Iż-Żurrieq. Quem leu meu último post sobre Gozo deve ter tido uma sensação de déjà-vu, pois a descrição é muito semelhante à da Janela Azul que eu havia visitado no dia anterior. O tempo de trajeto dos barcos aqui é de vinte minutos. A semelhança foi o maior motivo para eu ter decidido não visitar a gruta, mas houve outra razão a considerar: o acesso por transporte público é feito somente pela linha 201, que sai de um local infeliz, o aeroporto, e  os sites que abordam o transporte em Malta alertam os turistas contra pegar esta linha, pois é constituída por micro-ônibus subcontratados que vivem superlotados devido aos poucos horários, e aí deixam de parar no ponto do porto, cheio de turistas. Se você quiser visitá-la, é melhor usar o ônibus hop on/off, que também passa por lá.

A Strand em Sliema

         Já a região costeira mais famosa de Malta tem um perfil radicalmente diferente. Sliema, localizada defronte a Valletta, foi vila de pescadores no passado, mas muito pouco sobrou dessa época. A área de Sliema e St. Julian's é conhecida pelo seu ar moderno, bons restaurantes e vida noturna agitada, que ocorre especialmente na vizinha Paceville. Sede de muitos hotéis, é o local (fora as praias do norte da ilha) onde muitos turistas que visitam Malta preferem se hospedar. Fui passear pela região após ter conhecido os lugares históricos malteses e o contraste é gritante. Enquanto a maioria desses lugares contém uma atmosfera única que só poderia encontrar em Malta, Sliema é cosmopolita e poderia muito bem estar na costa da Espanha, por exemplo, mesmo porque em Sliema imperam edifícios de aparência ocidental ao invés das simpáticas construções maltesas de pedra.

Outra vista da Strand e da baía de Marsamxett em Sliema

          Para ir a Sliema desde Valletta, peguei o barco que sai do cais de Marsamxett e atravessa a baía em menos de dez minutos, proporcionando vistas deslumbrantes de Valletta. Sliema também fica numa península e portanto tem uma avenida costeira de cada um dos seus lados. A Strand dá para a baía de Marsamxett e aqui se encontram os terminais de barcos; já a Triq It-Torri acompanha as curvas da costa do Mar Mediterrâneo, se estendendo até a vizinha St. Julian's. Meu programa ali foi andar no calçadão da Triq It-Torri, uma caminhada bem agradável pela orla marítima que é hábito dos habitantes a cada entardecer ensolarado. Alguns poucos banhistas tomavam sol nas rochas que formam a praia ao longo da avenida - as praias de areia ficam longe, no norte da ilha.

A "praia" da Triq It-Torri junto ao Mediterrâneo,  com a torre que dá nome à avenida à direita da foto

         Nessa noite, após voltar para Valleta (desta vez por ônibus, a paisagem na rota é muito bonita, contornando a marina), estava sem muita fome por ter almoçado bem e tarde. Passei por uma loja da Pizza Hut e resolvi pedir uma pizza margherita individual, pensando que seria idêntica à de quatro pedaços pequenos que sempre comi no Brasil e em outros cantos do mundo. A atendente me trouxe uma pizza enorme, dividida em oito pedaços. Completamente espantado (e meio desesperado, o que eu ia fazer com tanta pizza??), perguntei se ela não havia se enganado no tamanho. A resposta foi única: "Não, esta é mesmo nossa pizza individual. Afinal, nós malteses adoramos comer!".

* Este é o último post da série sobre Malta. Para visualizar os demais, acesse Malta, na encruzilhada da História.


  Postado por  Marcelo Schor  em 06.11.2014 



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