No horário marcado uma van passou pelo meu hotel e seguiu rumo a Cirkewwa, coletando turistas em mais dois hotéis pelo caminho. No porto, mais excursionistas se juntaram a nós e fomos então divididos pelo idioma. Meu grupo, em inglês, foi obviamente o mais numeroso, com predominância de americanos, britânicos e canadenses. Embarcamos no ferry e passamos ao largo de Comino. Esta é a terceira ilha do arquipélago, com apenas quatro habitantes (são quatro mesmo, não é erro de digitação) e lá fica uma das atrações mais badaladas de Malta, a Lagoa Azul. Pelas fotos que vi, a lagoa é realmente bonita, mas quem quer visitá-la perde praticamente o dia inteiro, pois os barcos que saem de Sliema permanecem em Comino por quatro horas.
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A lagoa em Dwejra e a entrada do túnel que o barco atravessou |
Após uma travessia de 25 minutos, o ferry aportou em
Mġarr (lê-se
imdjar), onde embarcamos em um ônibus e seguimos para a maior atração natural de Gozo - a
Janela Azul, em inglês Azure Window. Localizada em Dwejra (pronunciada
duéira), é um rochedo de calcário em forma de arco sobre o Mar Mediterrâneo. Por toda a costa da área, a terra acaba abruptamente no mar, formando uma penhasco alto.
Ao chegarmos, fomos direcionados para o cais junto à lagoa verde situada num fosso enorme no paredão, causado pelo desabamento de cavernas subterrâneas há milhões de anos. Lá tomamos um barquinho ao custo de €4. O barqueiro conduziu a embarcação por um túnel de 60 m de comprimento e saiu no mar, se aproximando da Janela para que pudéssemos apreciá-la. Em seguida, antes de retornar à lagoa, entrou em algumas cavernas no paredão da costa, onde a água tem um coloração azul intensa, difícil de descrever. Foi um passeio ótimo, facilitado pelo mar calmo, e com duração pequena, na medida certa.
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O paredão rochoso de Dwejra |
Soltando do barco, fui conhecer a Janela Azul por cima, pela terra. O cenário foi mostrado na série de TV Game of Thrones e é realmente arrebatador. A má notícia é que quem deseja ver a Janela ao vivo deve se apressar, pois o arco pode não durar muito mais. Pedaços grandes de pedra vêm se desprendendo nos últimos tempos (o mais recente em 2012), tornando a abertura cada vez maior. A previsão é que o topo do rochedo desmorone de vez nos próximos anos, desfazendo o arco e obrigando os gozitanos a renomearem o lugar.
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As cavernas na base do paredão junto ao Mar Mediterrâneo |
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A Janela Azul vista por baixo a partir do barco |
A próxima parada foi no
Centro de Artesanato de Fontana. Costumo achar essas paradas em lojinhas um porre, mas esta até que foi interessante. Os vendedores e artesãos estavam vestidos nos trajes gozitanos dos séculos passados, e além das lembrancinhas típicas, incluindo rendas e bordados com a Cruz de Malta, havia uma feira de produtos alimentares, com geleias e queijos com direito a prova. O queijo típico de Gozo, o
ġbejna, é normalmente apresentado em rodelas pequenas, sendo feito de leite de ovelha e coalho.
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Os sorridentes atendentes do Centro de Artesanato em Fontana, vestidos em trajes típicos |
Chegou a hora do almoço, surpreendentemente rápido, na vila costeira de
Xlendi. Sobrou tempo para passear até sua minipraia, onde poucos banhistas aproveitavam o dia de sol. Xlendi está situada numa enseada ladeada por rochas áridas, que me fez recordar as praias das ilhas gregas.
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A praia de Xlendi |
Rumamos então para conhecer
Victoria, a maior cidade de Gozo. Já a havíamos atravessado outras duas vezes naquele dia para ir a Dwejra e Xlendi, o que me faz crer que todos os caminhos na ilha levam a Victoria. A capital recebeu este nome do governo britânico no século XIX em homenagem ao 60º aniversário de coroação da Rainha Victoria, mas até hoje os malteses preferem usar a sua denominação anterior, Rabat (por sinal, nome que também designa tanto a cidade que cerca Mdina quanto a capital do Marrocos). Os mapas costumam apontar os dois nomes.
Ao soltarmos do ônibus, recebemos da guia um pedido para deixarmos nossas coisas somente no compartimento superior sobre as poltronas. O motivo? Enquanto estivéssemos andando por Victoria, o ônibus se transformaria num veículo escolar, levando as crianças de volta a suas residências. Diante do espanto dos excursionistas, a guia informou que este é um procedimento padrão em Gozo. Ideia excelente, aproveitaram um tempo ocioso dos ônibus de turismo para prestar um serviço comunitário importante.
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A entrada da Cidadela em Victoria |
Passamos pela pequena praça principal, rodeada por ruelas com casario antigo, antes de subir à
Cidadela. Maior atração de Victoria, a Cidadela
é um enclave murado erguido no alto do morro e serviu de refúgio aos moradores em muitas ocasiões no passado, quando Gozo era assolada por ataques piratas. O pior deles ocorreu em 1551, quando quase toda a população gozitana de 5.000 pessoas que estava refugiada na Cidadela foi transformada em escravos pelos corsários do turco Dragut. Como consequência, as muralhas foram reprojetadas e reforçadas pelos Cavaleiros de São João, além de providenciarem a construção de fortes na ilha de Malta para prevenir novos ataques por lá.
A praça de entrada da Cidadela é dominada pela sua catedral barroca. Não pude tirar fotos do lugar, pois estava totalmente desfigurado pela praga que já tinha dado as caras em Birgu: obras em curso, com a presença de caminhões e guindastes. Do pátio ao qual chegamos após passar por uma rua medieval dá para se ter uma vista soberba da ilha, alcançando até o mar. Apesar de os guias de viagem enaltecerem Victoria e a Cidadela, a cidade meio que me decepcionou, pois esperava algum diferencial. Em termos de atrativos medievais, considerei Mdina e a Cottonera muito mais cativantes.
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Viela medieval na Cidadela de Victoria |
A última atração do tour é disparada a mais antiga: os
Templos de Ġgantija (lê-se
djigantía) remontam a 5.500 anos atrás, sendo portanto anteriores às Pirâmides do Egito. O nome - gigante em maltês - parece se referir às pedras enormes que os compõem, que segundo uma lenda teriam sido depositadas por homens gigantes. Na realidade, são dois templos megalíticos. Patrimônios da Humanidade pela Unesco, os templos estão dispostos lado a lado e são de épocas diferentes. Foram construídos com câmaras no formato de trevos de quatro folhas e cercados por uma parede única de pedras, que resistiu melhor à passagem do tempo.
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Vista das paredes externas dos Templos de Ggantija |
Este foi o único sítio arqueológico que visitei em Malta, além do Museu de Arqueologia em Valletta. Malta é famosa pela sua arqueologia e os sítios mais conhecidos na ilha principal são Tarxien,
Ħa
ġar Qim e o templo subterrâneo de Hypogeum, ao qual só se tem acesso com visita marcada. Se você curte este tipo de atração (não é o meu caso), reserve pelo menos mais um dia na sua estadia no país.
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A entrada de um dos dois templos de Ggantija |
A volta até o hotel em Valletta no final da tarde foi muito mais cênica que a ida. A van tomou o caminho do litoral nordeste de Malta e passamos pelas praias dos resorts onde os turistas europeus se hospedam no verão escaldante, como St.Paul's Bay (onde São Paulo teria naufragado) e Bu
ġibba. Um fecho de ouro para uma boa excursão.
Encerro a série sobre Malta no próximo post falando das cidades costeiras de Marsaxlokk e Sliema.
* Este é o sétimo post da série sobre Malta. Para visualizar os demais, acesse Malta, na encruzilhada da História. Postado por Marcelo Schor em 26.10.2014