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Minha primeira impressão de Ketchikan, tomada do convés do navio: uma cidade entre o canal e a floresta |
Depois de ter andado de camelo em Lanzarote e de helicóptero rumo ao Grand Canyon, mais um transporte não muito comum me aguardava em Ketchikan: o hidroavião, que me levaria até os Misty Fjords.
Na realidade as outras opções disponíveis de excursões opcionais em Ketchikan, onde o Disney Wonder aportaria por oito horas em sua última parada, não fizeram a minha cabeça. Havia um tour de pesca de salmão, além de visitas a totens e shows de lenhadores, sendo que os dois últimos eu poderia encontrar a curta distância do navio. Não acho graça em assistir a disputas entre lenhadores, mas os americanos adoram - a arena onde aconteciam ficava situada no quarteirão do cais, e dava para ouvir do convés do transatlântico os urros da torcida. Desta forma acabei optando pelo passeio de hidroavião (poderia ter feito também por catamarã, muito mais demorado). Apesar de bem caro, com custo de 269 dólares, parecia ser emocionante e cênico. Meu irmão e família, cautelosos, preferiram não me acompanhar na empreitada, e escolheram somente caminhar pela cidade durante a parada do navio.
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Hidroavião manobrando no terminal |
A excursão estava marcada para sair do navio quinze minutos após sua atracação, às 11h15min. O tempo ultranublado me fez pensar que iriam cancelar o passeio, mas na hora marcada nos chamaram e embarquei no ônibus rumo ao terminal da empresa de hidroaviões, nas cercanias da cidade. Perguntaram meu peso para poder efetuar a divisão dos lugares de forma a favorecer o equilíbrio do avião, como já tinha acontecido com o helicóptero em Las Vegas. Mas se daquela vez tive que me contentar com um lugar inglório no meio do banco traseiro, afastado das janelas, agora tinha sido premiado - me coube o assento de copiloto, bem na frente! Parte da diversão no voo foi acompanhar os instrumentos em plena operação, coisa que nunca tinha tido oportunidade de fazer.
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Sentado junto ao piloto, observo sua perícia na condução do monomotor |
Ao chegarmos ao terminal, divisamos os vários hidroaviões, que são muito comuns no Alasca graças à facilidade que traz o pouso na água. São chamados até de "bush planes" - the Bush é o nome da vasta região quase desabitada que ocupa o centro e norte do Alasca, onde muitas vezes esses aviões pequenos são a única forma de transporte rápido para o resto do estado. Logo fomos divididos e chamados para o embarque. Sobe-se no hidroavião por uma cordinha com três degraus e aí o assento premiado já me deu trabalho - para chegar até o lugar de copiloto, tive que me contorcer entre as poltronas para alcançá-lo, já que a porta junto ao meu assento dava direto na água.
Nosso hidroavião decolou com o piloto e cinco passageiros a bordo. A decolagem foi tranquila no canal Tongass com águas ainda calmas. Pusemos os fones de ouvido para sufocar o barulho do motor e ouvir os comentários do piloto. Sobrevoamos então o canal e a cidade em direção aos fiordes, passando pelo nosso navio ancorado no porto, onde àquela hora minha família já estava saboreando o almoço.
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O voo sobre o canal Tongass, com a vista de Ketchikan e do Disney Wonder, à direita |
Os Misty Fjords são um conjunto de fiordes, canais glaciares estreitos e cercados por montanhas que deságuam no oceano, situados a leste de Ketchikan. A área, intocada pelo homem e parte integrante da Tongass National Forest, também é abundante em lagos. A forma mais usual de se conhecê-los é exatamente através de tours aéreos que saem de Ketchikan. Como o próprio nome indica, nevoeiros são muito comuns por lá.
Assim que decolamos, começou a chover, mas a vista para baixo não ficou muito prejudicada, pois o avião voava abaixo das nuvens e suas asas no teto impediam que a água atingisse as janelas laterais. A aeronave acompanhou a costa por alguns minutos antes de adentrar a região de fiordes, quando passou a sobrevoar os canais, florestas e lagos. Um cenário lindo, que certamente deve ficar muito mais atraente sem a névoa densa, quando o sol resolve dar as caras.
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Em meio à nevoa e à chuva, o avião sobrevoa a entrada dos fiordes |
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A visão dos fiordes |
Depois de 40 minutos de voo, o avião amerrissou num dos inúmeros canais (ou seria um lago? não prestei a devida atenção). À volta, só montanha e floresta. Quando li na brochura que o avião pousaria por cerca de quinze minutos, pensei que haveria alguma plataforma flutuante ou porto onde pudéssemos esticar as pernas. Que nada! Tivemos que nos equilibrar no próprio flutuador do avião, uma pessoa atrás da outra. Segurando na parede do avião e morrendo de medo de cair naquela água gélida, nem me atrevi a fotografar as margens completamente cobertas pela floresta. O piloto tirou uma foto minha, numa situação meio cômica: entre nós havia outros dois passageiros em cima do flutuador, e para que eu pudesse aparecer ao lado do hidroavião, eles tiveram que se abaixar. O esforço deles foi em vão, a foto ficou horrível. Depois foi a minha vez de me abaixar para que ele pudesse fotografar a turista atrás de mim.
Ficamos plantados sem nos mover por alguns minutos em meio à natureza e ao ar frio e puro, contemplando um silêncio assustador, pois não se ouvia um pio de pássaro. Voltamos então para dentro do monomotor e iniciamos o trajeto de retorno. A volta foi mais direta, durando 25 minutos. Ao desembarcar, recebi um certificado registrando minha aventura para a posteridade.
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Sobrevoando um lago no retorno |
Em seguida ao retorno por ônibus, almocei no navio e desembarquei novamente para conhecer a cidade. Nada de a chuva cessar, não é a toa que Ketchikan, além de Capital Mundial do Salmão (atestado numa placa de boas vindas), também é conhecida como Capital da Chuva no Alasca , título mais do que merecido para um local cujo volume médio anual pluviométrico é de mais de 4.000 mm.
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... E ganhei um certificado pela aventura aérea |
Ketchikan está situada numa ilha, possui 13.000 habitantes espalhados por sua área e teve origem bem diferente das suas vizinhas que conhecemos nos dias anteriores. A cidade mais meridional do Alasca sempre esteve ligada à pesca do salmão, e o núcleo urbano foi iniciado com o estabelecimento de uma fábrica de salmão enlatado em 1885. A pesca, a indústria do salmão e a extração da madeira se tornaram as atividades econômicas dominantes. Já hoje a atividade principal é mesmo o turismo, seguido pela indústria da pesca. Um aspecto curioso é que Ketchikan, imprensada entre a água e as montanhas cobertas por florestas, tem um número impressionante de escadas de madeira, que servem de acesso aos quarteirões mais interiores e elevados.
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A Creek Street acompanhando o Ketchikan Creek |
Rumei a pé então para a atração mais famosa da cidade, a Creek Street. Trata-se da antiga "zona da luz vermelha", onde se situavam os bordéis da região, desativados em 1954 quando a atividade foi declarada ilegal. As casas pitorescas foram erguidas ao longo de um caminho construído sobre pilares de madeira acompanhando um riacho, e hoje abrigam lojas de suvenires. Na casa mais conhecida, Dolly's House, há um museu que mostra como era o interior destes estabelecimentos. Divertida é a frase pregada na sua fachada verde: "Dolly's House - where both man and salmon ran upstream to spawn" (em português, onde homem e salmão subiam a correnteza para procriar). Como a frase denota, dependendo da época o calçadão se enche de gente que fica observando os salmões avançando em direção da foz ou da nascente do riacho. Também engraçado é o nome da escadaria que é uma espécie de prolongamento da Creek Street, a Married Man's Trail. Era por ali que os homens de família davam sua escapulida rumo às estripulias noturnas nas casas da Creek Street.
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A Creek Street com seu mais famoso estabelecimento à direita |
Ketchikan é a cidade com maior número de totens em todo o mundo. Há totens espalhados por muitos lugares, inclusive no Centro de Visitantes da cidade, que conta com três deles, e até no meio da rua. A mais famosa aglomeração de totens, o Totem Heritage Center contém 33 desses artefatos indígenas, dos quais vários são originais do século XIX resgatados de povoados tlingits. O THC fica um pouco afastado, a 800 metros da Creek Street. Separado dos totens por uma ponte, o Deer Mountain Tribal Hatchery é um criadouro mantido pelos tlingits, que solta mais de 300.000 salmões anualmente no riacho. Quem visita um pode conhecer o outro através de um ingresso integrado. Para os comodistas, há um ônibus shuttle gratuito que circula pelas atrações principais da cidade, incluindo os totens em seu trajeto.
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Um totem numa esquina de Ketchikan |
No meu caso porém o início de resfriado com o qual acordei já tinha se transformado em uma dor de garganta insistente após o passeio até os fiordes. Como a chuva persistia e já tinha visto totens suficientes em Vancouver, desisti de visitar os totens e salmões e resolvi voltar ao navio antes da hora. A gripe forte adquirida nesse dia acabou me acompanhando até o final da viagem. Conformado com a situação, ao caminhar pelo cais para reembarcar, passei por uma estátua interessante, The Rock, que retrata sete tipos do passado da região, incluindo dois mencionados aqui, o aviador e o pescador de salmão. No fim das contas, pelo menos acabei vendo um salmão, se bem que feito de bronze...
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A estátua no cais, com destaque para o pescador; o aviador está de costas atrás dele. |
P.S.: Quando mostrei as fotos da viagem aos meus amigos, alguns perguntaram como eu tive coragem de andar num avião pequeno daqueles, ainda mais em dia chuvoso. Não senti receio, confiando em que não havia registro de acidentes sérios e que a manutenção dos aviões obedecia a critérios rígidos de segurança, ainda mais nos Estados Unidos. Pois bem, apenas 19 dias após meu passeio, em 25 de junho passado, um hidroavião fazendo o tour dos Misty Fjords com oito turistas de um cruzeiro bateu na montanha, matando todos os seus ocupantes. Pelo menos enquanto não divulgarem as causas da tragédia, não posso indicar o passeio.
No próximo post, a cidade onde o cruzeiro se iniciou e terminou - Vancouver.
* Este é o sexto post da série sobre o cruzeiro ao Alasca. Para visualizar os demais, acesse Navegando pela costa do Alasca.
Postado por Marcelo Schor em 04.09.2015
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