Existem datas cuja infâmia perdurará por séculos, e uma delas é 8 de Agosto de 1444. Nesse dia, em Lagos, Portugal, fez-se a primeira venda de escravos vindos de África, dando início a um processo que duraria 4 séculos (o comércio de escravos foi abolido por Napoleão em 1815, mas só terminou efectivamente em 1848), e no qual se estima que tenham sido traficados 20 milhões de pessoas. Destas, pensa-se que mais de um quarto terão morrido durante as viagens de barco transatlânticas.
A escravatura sempre existiu na história da humanidade, intimamente associada à história da guerra, e África não era excepção. Os reinos locais praticavam-na quando os portugueses chegaram à foz do rio Senegal em 1443, tal como tinha sido feito desde tempos imemoriais. Mas, a escala monstruosa do comércio que se seguiu, e da tragédia humana a ele associada, foi algo de verdadeiramente inédito, e um dos principais marcos da globalização daqueles tempos. E não há que enganar: nós, portugueses, fomos os primeiros a fazê-lo e a dar início ao pesadelo de tantos.
Mas um dos grandes paradoxos da vida humana é que há sempre o outro lado da moeda. Não existe o mal ou bem absolutos, com avaliação igual para todos que o olham. Alguém escreveu que o desenvolvimento de um povo se dá sempre à custa do subdesenvolvimento de outro(s). A relação entre os continentes europeu e africano são o exemplo mais flagrante disso. A exploração das gentes africanas (e sul-americanas), e das suas terras, foi o alicerce em que se baseou o crescimento da Europa ocidental, ditando o lado para onde pesou a balança do poder mundial durante séculos.
A ilha de Gorée é uma pequena ilha ao largo da cidade de Dakar e é hoje, devido ao seu papel na história do comércio de escravos, uma das principais atracções turísticas da cidade. Quando os portugueses chegaram, em 1444, à península da actual Dakar, não fundaram nenhuma cidade, mas sim um entreposto comercial na ilha Gorée. Por volta de 1530, o comércio de escravos sofreu um aumento brutal quando a necessidade de mão-de-obra para as terras no Brasil nas mãos dos portugueses era ponto essencial na produção do império. Mas nesta altura, a hegemonia portuguesa na costa ocidental africana já estava posta em causa por franceses, ingleses e holandeses. Na primeira metade do século XVI, os barcos franceses atacaram e apreenderam constantemente as cargas portuguesas, e por volta de 1650 Portugal tinha sido praticamente expulso das terras que tinha "descoberto" para o mundo. Em 1617, os Holandeses tomaram Gorée e o negócio continuou como sempre, apenas mudando de mãos negreiras.
Embarcamos num ferry carregado de locais e turistas, e após 20 minutos atracamos no pequeno porto da ilha. Hoje, e à chegada, é difícil imaginar o passado desta ilha. Em termos arquitectónicos, é uma agradável surpresa. O grau de conservação do estilo colonial é bastante bom, e as águas transparentes e as casas coloridas com o sol da manhã recebem-nos de braços abertos.
Mas não há como escapar ao passado... Na ilha podemos visitar um velho forte francês (reconstruído), que alberga hoje um pequeno museu sobre a história da ilha, onde se pode observar textos e figuras alusivas ao diferentes períodos correspondentes aos diferentes impérios governantes. E se já houve momentos em que me senti orgulhoso com a coragem da expansão portuguesa (como, por exemplo, quando visitei o forte português no estreito de Ormuz), desta vez senti vergonha em ser português...
Na parte mais alta da ilha, pode também visitar-se os restos de um bunker da segunda guerra mundial, ao qual se chega passando pelos mais variados "estabelecimentos comerciais" de artistas locais que vendem o seu artesanato. Claramente, a ilha vive hoje essencialmente do turismo.
O símbolo maior da ilha e da sua história é a "Mansão dos Escravos", uma casa holandesa conservada da época (construída em 1776), cuja estrutura reflecte a maior fonte de riqueza da época: no piso térreo, por baixo dos aposentos da família, podemos ver as divisões destinadas a homens, mulheres e crianças, que aqui esperavam para ser transportadas para barcos ao largo da costa. Famílias inteiras eram aqui separadas, sendo cada elemento mandado para sítios tão longínquos e afastados entre si, como os EUA, Brasil ou Cuba. Das primeiras casas, construídas pelos portugueses a partir de 1536, já não restam vestígios... Mas a memória perdura. As divisões são pequenas, tal como a casa, mas por aqui estavam sempre em trânsito cerca de 200 pessoas. Os corredores escuros e a porta da casa que dá directamente para o mar, e para a "viagem da qual nunca ninguém regressou", constituem uma visão fortíssima daquele passado. Cheia de simbolismos, foi desta mesma porta que o Papa João Paulo II, em visita em 1992, pediu perdão a África. Classificada como Património da Humanidade em 1978, pode fazer-se uma visita virtual desta evocativa mansão no sítio da UNESCO: http://webworld.unesco.org/goree/en/index.shtml.
E depois de almoçarmos junto ao cais, regressamos a Dakar. Do passado, saltamos para o presente. Para uma cidade onde convivem lado a lado os grandes hotéis e restaurantes e a delinquência e pobreza. E de repente senti que o tempo passa, mas no essencial tudo se mantém. Porque a verdade é que o negócio mudou, mas os negociantes permaneceram. Após o fim do comércio de escravos, tanto ingleses (na Gâmbia) como franceses (no Senegal) reorientaram os seus negócios para a exploração de terras e seus recursos, muitas vezes apoiados numa política agressiva de expansão territorial. As companhias comerciais renovaram caras e nomes, e procuraram novas fontes de rendimento. África tinha e continua a ter muito por onde escolher...
E, ainda hoje, se podem encontrar no Senegal os mesmos interesses, os mesmos protagonistas. As grandes empresas, antes coloniais, hoje multinacionais, mudam ao longo dos anos de pensamento estratégico, adaptam-se, mas mantêm-se sempre na vanguarda do comércio. Desde a agro-indústria até à madeira, passando pelo incontornável petróleo, reinventam-se e expandem-se para novos territórios. Para mal das suas gentes, África continua a ser terra de riquezas e de grilhetas.
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