“Um país, no fundo, é sempre uma coisa muito pequena: compõe-se de um grupo de homens de letras, homens de Estado, homens de negócio e homens de clube, que vivem de frequentar o centro da capital. O resto é paisagem, que mal se distingue da configuração das vilas ou dos vales. É a gente sonolenta da província.”
Eça de Queiroz, “O Francesismo” (1887), Últimas Páginas
Se, por um lado, a capital de um país é normalmente o centro urbano mais populoso e mais importante em termos económicos e políticos, como aplicado magistralmente ao nosso Portugal na frase citada do imortal Eça, também é verdade que, do ponto de vista de um viajante, a capital de um país é muitas vezes o último sítio a visitar.
Particularmente no caso de países sub-desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, a capital, e o seu modo de vida e suas gentes, têm características que são completamente distintas do resto do país, e o Senegal não é excepção. Mas são a 'paisagem e a gente sonolenta da província' que atraem o olhar do viajante, procurando uma autenticidade que normalmente se perdeu na selva urbana. O Viajar entre Viagens já percorreu países de lés a lés sem visitar a sua capital, como por exemplo a Guatemala.
Quando chegamos ao Senegal, o avião pousou no aeroporto de Dakar, dormimos no bairro de N'Gor e na manhã seguinte fomos para a estação de táxis. Daí seguimos para a aventura de conhecer o país e as suas gentes. No final, regressamos à capital, com um olhar enriquecido pelas experiências vividas nos últimos 10 dias. E ainda bem que o fizemos nesta ordem.
Por todo o país, convivemos com os locais, apanhando os mesmos transportes, frequentando os mesmos mercados, respirando o mesmo pó, e só encontramos pessoas com uma vida dura e pobre, mas disponíveis para ajudar e, muitas vezes, com um sorriso nos lábios. Percorremos paisagens belas e variadas, desde a savana e floresta do sul até ao deserto do norte, passando pelos braços de água do delta do Saloum.
Uma cidade é uma cidade, onde quer que ela se encontre. O centro de Dakar podia ser o centro de uma cidade de um qualquer país em vias de desenvolvimento, de um qualquer continente. Aqui podemos encontrar os bons restaurantes, os supermercados, o conforto de um apartamento, mas tudo isto não é o Senegal. Não é aquilo que o distingue dos outros, não faz parte da sua identidade.
É verdade que as duas principais atracções turísticas de Dakar (Goreé e N'Gor) fazem parte do imaginário de quem visita o Senegal e constituem parte da identidade do país, mas também é verdade que estão ao largo da cidade e rodeadas de água! Mas também é verdade que, até aqui, e talvez devido à proximidade da cidade grande, se está a perder a autenticidade das suas gentes, pescadores por natureza, cedendo o seu lugar à indústria do turismo.
Nos dois dias que estivemos em Dakar, não deixamos ainda assim de visitar os 'highlights' da cidade, tais como o bairro de Yoff, passando pela mesquita da Divinidade e o Monumento da Renascença Africana, assim como os mercados de Kermel e de Sandaga. Fizemos a pé a zona marginal, passando pelo palácio presidencial. Jantámos, juntamente com expats e elite local, no excelente restaurante do Instituto Francês. Até o ritmo nocturno do mbalax senegalês não nos escapou, uma vez que dormíamos por cima de uma das discotecas mais in da cidade!
Mas não foi (só) isto que trouxemos do Senegal... Agora em Portugal, penso naquele país e nas suas gentes e lembro-me dos meninos de rua que espreitavam o nosso táxi quando parávamos, lembro-me do cheiro do mato, lembro-me das aldeias de palhotas, lembro-me dos pássaros e peixes do delta, lembro-me dos pescadores em Saint Louis e Djifer, lembro-me das dunas do deserto, lembro-me das mulheres com roupas coloridas, lembro-me da terra vermelha, lembro-me...
É por estas razões que sinto que Dakar, apesar de ter sido o ponto final da nossa aventura pelo Senegal, foi também o início de uma aventura pela África subsariana. Nas viagens, como na vida, não existe o 'adeus'; é só um 'até logo'.
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