Rumamos agora ao segundo país do nosso percurso pelo Sudeste asiático, a Malásia. Partimos de autocarro de Singapura, rapidamente atravessamos a fronteira e, após 3 horas de auto-estrada ladeada por uma luxuriante floresta equatorial (estamos a poucos graus de latitude da linha do equador), chegamos à cidade que outrora foi ocupada pelos portugueses. Depois de termos deixado as nossas mochilas no hostel, demos uma volta pela parte da cidade eleita património cultural da UNESCO, em 2008, e que hoje é a "chinatown" do sítio.
Logo aqui notamos que o carácter da cidade, que se revela nas características dos seus habitantes, religião, arquitectura e gastronomia, resulta de uma mistura cultural assente na presença e influencia de diferentes povos ao longo dos séculos, à semelhança do resto do país. Desde os chineses, passando pelos portugueses, holandeses e ingleses, muitos foram aqueles que passaram por estas bandas e ficaram. Isto vê-se, por exemplo, no facto de Malaca ter a mesquita mais antiga do país e um dos mais antigos templos hindus (ambos construídos sob o domínio holandês), assim como as ruínas da primeira igreja cristã do país.
Depois de almoçarmos no "Geographer's Cafe" (porque terá sido?!), dirigimo-nos ao centro histórico, em redor da praça central (dominada por uma torre de relógio), e caracterizado por uma alta densidade de pequenos museus. Resolvemos visitar o museu de História e Etnografia, instalado na antiga residência do governador holandês, que abarca os diferentes períodos históricos da cidade. Depois de neste termos seguido a história da presença portuguesa, passamos aos locais mais emblemáticos e dirigimo-nos à porta de Santiago, "A Famosa", única parte sobrevivente da fortaleza construída pelos portugueses e demolida pelos ingleses.
Numa colina logo ao lado, encontram-se as ruínas da igreja de Nossa Senhora da Colina (chamada de S. Paulo pelos holandeses), mandada construir por um capitão português em 1521, visitada várias vezes por S. Franscisco de Xavier e local onde este foi enterrado (tendo o seu corpo sido transladado para Goa alguns meses após a sua morte) e que oferece hoje vistas únicas da cidade. Descendo, passamos pelo museu marítimo e naval, onde tivemos tempo de visitar uma réplica (em tamanho natural) da celebre "Flor do Mar", a caravela que se afundou na costa de Malaca em 1512.
Ao jantar, aventuramo-nos num restaurante preferido pelos locais (fazem fila!), onde pudemos apreciar umas espetadas (de galinha, camarões, lulas, etc), cozinhadas por nós, na nossa mesa, num molho à base de leite de coco e ananás. Apesar das minhas reticências, devo admitir que não estava nada mau e que foi muito curioso experimentar algo novo.
Não queria acabar esta crónica sem deixar uma reflexão pessoal. No museu que visitamos pudemos ver a história do meu país (ou deveria dizer, da minha nação), não do nosso ponto de vista, mas do ponto de vista "dos outros". Através de uma série de pinturas com uma legenda explicativa e várias réplicas e recriações, acompanhei a história da presença portuguesa, começando pela conquista por Afonso de Albuquerque, que liderou a invasão portuguesa em 1511 (curiosamente a fazer 500 anos esta semana), abrindo as portas a 129 anos de domínio português que chegou ao fim com a derrota face aos holandeses. Isto levou-me a ter sentidos mistos.
Por um lado, senti orgulho por um período da história em que os portugueses revelavam AUDÁCIA, lançando-se ao desconhecido (ou quase), notoriamente em contradição com os tempos actuais, em que parecemos um povo vencido e resignado. Só posso imaginar quão fantástica seria a sensação de se ser os primeiros ocidentais a pisar novas terras, a conhecer pessoas tão diferentes de nós... ISSO ninguém pode tirar à história deste pequeno país a beira mar plantado!
Por outro lado, pude reparar, com tristeza, que os portugueses não ficaram bem vistos por estas bandas. Desde o inicio, revelaram uma cobiça desmesurada, sendo disso paradigmático o episódio da "Flor do Mar", com Afonso de Albuquerque a bordo, e que se crê ter afundado por excesso de peso em "produtos". Acrescente-se a isso uma arrogância e intolerância perante os locais e os seus costumes, revelados, por exemplo, no radicalismo evangélico perante as práticas religiosas "hereges", levando à demolição de todas as mesquitas e palácios muçulmanos, e o uso de trabalho escravo na construção da fortaleza. Mas talvez aquilo que veio a ser mais determinante para o futuro, revelaram uma falta de diplomacia politica e comercial em todos os quadrantes, antagonizando aqueles que poderiam ser aliados locais, mas que durante décadas derramaram sangue contra os invasores e que acabariam por se aliar aos holandeses contra nós. A verdade é que revelaram, apesar da ousadia e valentia, uma notória FALTA DE ESTRATÉGIA (ou, como se diz agora, um fio condutor politico e comercial) que viria a ser fatal. Afinal, parece que os portugueses de ontem e de hoje não são assim tão diferentes...
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