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Cusco, a Cidade Imperial inca
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A estátua do imperador Pachacútec no centro da Plaza de Armas de Cusco |
Corria o ano de 1533. Os conquistadores espanhóis chegaram à capital do império inca, Qosqo, e ficaram estupefatos com o que encontraram - uma cidade riquíssima, com ruas pavimentadas e repleta de templos, palácios e construções em pedras fabulosamente encaixadas. Os palácios reais eram vários, já que cada imperador inca tinha mandado erguer o seu em volta da praça cerimonial. Logo, todo o antigo império estaria controlado. A cidade seria tomada, seu ouro levado e seus prédios quase todos destruídos. Já sob o nome de Cusco, seria remoldada de acordo com os padrões europeus. Hoje com 400.000 habitantes, Cusco fascina pela sua herança dupla, inca e espanhola.
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A Plaza de Armas rodeada pelo Portal de Panes. Acima à esquerda, a Igreja de San Cristóbal |
O que encanta em Cusco é justamente a mescla dos estilos. Construções soberbas em estilo colonial espanhol se sucedem, muitas vezes com as fundações em pedras incas, algumas trazidas pelos espanhóis da Fortaleza de Sacsayhuamán, morro acima. Se adicionarmos as cenas dos cusquenhos descendentes de incas puxando lhamas pelas ruas estreitas do centro (e as oferecendo para fotos por trocados), está formado o caldeirão que torna Cusco uma cidade com um magnetismo tão forte, atraindo turistas do mundo inteiro.
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A Plaza de Armas e a Igreja da Companhia de Jesus |
Curiosamente, na paisagem do ponto central da cidade, a Plaza de Armas, a única lembrança inca é a estátua que domina a praça, em homenagem a Pachacútec - o imperador que consolidou o império e modelou a cidade. A cidade foi projetada com a forma de um puma e a estátua aponta para o que seria sua cabeça, a Fortaleza de Sacsayhuamán. Ocupando o espaço da antiga praça cerimonial inca, a Plaza foi palco dos principais acontecimentos da cidade, incluindo o esquartejamento do líder da rebelião indígena Tupac Amaru II em 1781 por quatro cavalos, o tornando uma espécie de Tiradentes local. A Plaza de Armas é quase toda rodeada pelo Portal de Panes, prédios com o primeiro andar em forma de arcada dando um ar ainda mais espanhol ao lugar. Parte das arcadas do Portal, hoje tomadas por lojas e restaurantes, correspondia à localização dos muros do palácio onde residia Pachacútec.
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A Catedral de Cusco |
Duas igrejas majestosas e semelhantes competem pelo título de prédio mais impactante da Plaza muy hermosa. A primeira, a Igreja da Companhia de Jesus, tem a fachada tão imponente que muitos pensam se tratar da catedral da cidade, que na realidade fica a poucos metros, na lateral da praça. Além do mais, está melhor posicionada quando se vê a cidade das montanhas (veja a foto abaixo, tirada do pátio da Igreja de San Cristóbal, três quadras ao norte ladeira acima). Erigida pelos jesuítas em 1571 no terreno antes ocupado pelo palácio do governante Huayna Qapac, foi reconstruída após o terremoto que devastou Cusco em 1650. Além da fachada tem como destaque um altar revestido de ouro e pinturas da Escola de Cusco, a arte peruana dos século XVII e XVIII que inseriu temas locais em pinturas sacras.
Já a Catedral foi erguida no terreno do antigo palácio inca de Viracocha, pai de Pachacútec, com pedras retiradas da Fortaleza de Sacsayhuamán. A igreja no estilo gótico-renascentista com interior barroco também apresenta várias pinturas da Escola de Cusco, incluindo a mais famosa de todas, uma pintura de Marcos Zapata retratando a Última Ceia com um porquinho-da-índia na travessa.
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A Plaza de Armas vista do pátio da Igreja de San Cristóbal. Ao centro, a Igreja da Companhia de Jesus e à esquerda, a Catedral |
Se você está estranhando a quantidade de palácios reais incas que havia em Cusco, existe uma explicação. O imperador era venerado pelos súditos e considerado filho do sol; quando morria, sua múmia passava a ocupar o trono e o palácio, tendo serviçais para cuidar dela e levá-la a cerimônias. O novo imperador era assim obrigado a construir outro palácio como sua residência.
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Ladeira de acesso a San Blás |
Numa encosta a algumas quadras a leste da Plaza de Armas, está o bairro de
San Blás. Antes habitado por líderes incas, o bairro conta também com arquitetura colonial sobre pedras incas. O local hoje é conhecido como reduto de artesãos, que vendem seu produtos em metal ou madeira na feira da pracinha do bairro.
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A pracinha do bairro de San Blás |
Um dos fatores que mais contribuem para o charme de Cusco são os muros com pedras incas que sustentam muitos casarões. O exemplo mais icônico é a Pedra de Doze Ângulos num muro da ladeira que une a Plaza de Armas a San Blás. Não dá para deixar de admirar a perícia inca no encaixe no muro desta pedra cortada em doze ângulos retos. O problema foi tirar uma foto, pois o local estava cheio de gente parada ouvindo explicações. O muro pertence a uma das mansões mais bonitas da cidade, o Palácio do Arcebispo, que hoje sedia um museu de arte religiosa, com mais pinturas da Escola de Cusco.
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O pátio do Convento de Santo Domingo, erguido sobre Qorikancha |
Na Avenida El Sol, a avenida mais larga do centro, que liga a Plaza de Armas ao sul da cidade, se situa o lugar onde as duas eras distintas de Cusco possam talvez ser melhor compreendidas - Qorikancha. O belo Convento de Santo Domingo foi construído pelos espanhóis sobre os escombros do antigo templo inca para soterrar de vez a crença nos deuses locais, mas sobraram resquícios suficientes para compararmos e nos admirarmos com as duas arquiteturas.
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A maquete mostrando como era o Templo de Qorikancha, circundado pelo muro dourado |
O Templo de Qorikancha era dedicado a Inti, o deus sol. Constava de quatro santuários em volta de um pátio, rodeados por um muro. O ouro estava presente em toda a parte, desde as estátuas de animais do jardim à cobertura do muro, passando pela denominação do templo - qori significa dourado em quéchua. Cerimônias eram conduzidas com a presença do governante inca em meio a nichos contendo múmias dos antigos governantes cravejadas de joias, como se estivessem ainda vivas, trazidas dos seus respectivos palácios. Era também em Qorikancha onde os imperadores se casavam. Para comprovar o seu papel como santuário principal, o templo ocupava uma posição central no vale em relação a mais de 360 huacas, como são chamados os lugares sagrados incas. Quase nada escapou à sanha dos saqueadores espanhóis, mas uma maquete reconstituindo o templo pode ser visitada numa das salas do convento.
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Os restos do Templo inca de Qorikancha no convento |
Em meio ao prédio do convento, uma pequena área sobreviveu incólume à destruição pelos conquistadores. Nela podemos admirar a perfeição da arquitetura inca, com as grandes pedras perfeitamente cortadas e encaixadas umas nas outras, sem qualquer espaço entre elas. Outras características eram os nichos em formato trapezoidal e inclinado, tudo isto facilitando a sobrevivência aos terremotos, ao contrário das construções coloniais espanholas posteriores, que teimam em vir abaixo em grandes cataclismos. Num destes nichos remanescentes ficava um enorme disco de ouro reverenciado pelos incas.
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Fachada do Convento de Santo Domingo, sobre o muro original do templo, naturalmente sem o ouro |
Cusco possui dois mercados que se sobressaem. O primeiro, o Centro de Artesanía, se localiza no final da Avenida El Sol. Lá se encontram por um bom preço as lembranças típicas da área, como roupas de lã de alpaca e artesanato. O outro é o Mercado de San Pedro, um mercado tradicional onde se vendem alimentos, incluindo alguns produtos típicos como o pão chamado chuta e frutas e especiarias locais. Na saída do mercado, havia uma travessa repleta de cuyes assados, os porquinhos-da-índia peruanos largamente consumidos pela população andina. Amontoados e praticamente tostados, os bichinhos mais pareciam ratos gigantes e me fizeram perder por completo uma vontade eventual que teria em experimentar o prato durante a minha estadia.
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A vendedora mostra uma broa de chuta no Mercado de San Pedro |
Conheci a maioria das atrações que descrevi acima durante o city tour que estava incluso no pacote. Todas se situam no centro da cidade ou bem perto, mas a grande vantagem do tour é galgar as ladeiras íngremes de Cusco em ônibus. Planejava dedicar a tarde livre do dia seguinte a caminhar pelas ruas e visitar alguns museus, mas não foi possível, graças ao famigerado mal da altitude, o soroche.
Pois é, cheguei a Cusco no meio da manhã, após um voo sem incidentes pela Taca vindo de Lima. Meu hotel era o Casa Andina Koricancha, muito bem localizado a duas quadras do templo de mesmo nome e a três da Plaza de Armas. O melhor, num trajeto plano até lá (coisa importantíssima, já que a praça é cercada por ladeiras, cuja inclinação parece se multiplicar nessa altitude). O hotel com supostas três estrelas fica num casarão colonial bem interessante, mas o quarto era bem simples; nem armário tinha, só uma arara com alguns cabides. O café da manhã também era bem fraquinho.
Reza a cartilha de prevenção do soroche, o mal da altitude, que devemos descansar nas primeiras horas de chegada para gradativamente irmos nos adaptando ao pouco oxigênio existente devido aos 3.400 metros de altitude de Cusco. Pois bem, o meu quarto não estava pronto quando cheguei e tive que esperar mais de uma hora na recepção antes de ocupá-lo. Aproveitei para beber um pouco de chá de coca. O grande problema foi que o city tour estava marcado para o início da tarde daquele dia, e por isso o meu descanso foi mínimo, já que ainda tinha que almoçar. Não deu outra, na última parada do city tour, no interior da Catedral, passei muito mal e só melhorei após aspirar oxigênio de um tubo por alguns minutos no banco da igreja. Como meu quarto era muito abafado e ruidoso (troquei na manhã do dia seguinte para um mais arejado nos fundos do hotel), me senti mal novamente à noite e estava um caco pela manhã. Resultado: preferi perder o passeio à Fortaleza de Sacsayhuamán e descansar, para me recuperar. Uma pena, as ruínas da fortaleza são muito interessantes - a fortaleza em formato de ziguezague era o bastião de defesa da capital inca. Até agora não entendi porque não marcaram o city tour para a tarde livre do segundo dia em Cusco.
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Casal dançando na praça de San Blás junto à vendedora em trajes típicos oferecendo roupas de lã de alpaca |
No próximo post, partimos para conhecer as maravilhas do Vale Sagrado.
* Este é o quarto post da série sobre o Peru. Para visualizar os demais, acesse Rumando ao Peru, a Terra dos Incas.
Postado por Marcelo Schor em 06.04.2014
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