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Lima: o legado da Cidade dos Reis

A Plaza Mayor de Lima

Quando planejei minha viagem ao Peru, considerei Lima como um aperitivo para o que viria a seguir nas montanhas peruanas. Não tinha grandes expectativas, ao contrário de Cusco e Machu Picchu. Não é que gostei de Lima? É claro que não podemos comparar os atrativos, mas a cidade merece sim uma parada para conhecê-la.

Lima é uma cidade enorme com nove milhões de habitantes, concentrando 1/3 da população peruana. Como era de se esperar de uma metrópole de um país em desenvolvimento, é uma cidade cheia de contrastes, contando com bairros nobres e outros bastante humildes, como pudemos comprovar no caminho desde o aeroporto.

O Palácio do Governo peruano

A primeira característica que constatei também logo no traslado do aeroporto para o hotel foi o seu trânsito caótico. Inúmeros cruzamentos com tráfego pesado sem semáforo e os motoristas metendo os carros na frente dos outros tirando fino. Quando alguém exagerava (para os padrões limenhos), o motorista do outro carro xingava pela sua janela em alto e bom som – vi a cena duas vezes em dois dias. Diante disso, de vez em quando passava um carro com algum amassado na lataria. Impressiona também a quantidade de táxis, que além da ausência do taxímetro também não possuem qualquer padronização de pintura. Vários são autênticas latas velhas, possivelmente táxis piratas, e eu teria sérias dúvidas em embarcar nesses veículos mais caquéticos. O problema é que Lima não tem metrô e para vencer as grandes distâncias o aconselhável é mesmo encarar um táxi, sempre negociando o preço da corrida antes.

A segunda característica, uma surpresa muito agradável, foi constatar a limpeza das ruas. Mesmo no centro da cidade, pouco lixo no chão. Considerando que dá certo em Lima, por que não pode funcionar no Rio? É tudo uma questão de hábito e de educação...

A fonte central da Plaza Mayor, inaugurada no século XVII

A última característica, a névoa densa que cobre Lima durante a maior parte do ano (chamada de garúa), só deu as caras enquanto eu estava na orla. No centro da cidade, o sol brilhou! À beira-mar em Miraflores o céu estava tão encoberto que o turista desavisado fica tentado a carregar um guarda-chuva. Utensílio inútil – chove pouquíssimo em Lima. Em novembro a temperatura estava bem agradável, na faixa dos 20 graus, mas no verão, quando o céu clareia, a capital pode ficar bem quente, e não há chuva para minorar o desconforto.

O Palácio do Arcebispo

Lima foi uma das primeiras cidades fundadas na América do Sul em 1535, pelo próprio conquistador espanhol Francisco Pizarro, com o nome de Ciudad de los Reyes (Cidade dos Reis) - somente séculos mais tarde o nome seria trocado para Lima. Após sete anos se tornou a capital do Vice-Reino do Peru e atingiu o seu apogeu no século XVII, se tornando a cidade mais importante da América Espanhola. Um tremendo terremoto em 1746 arrasou a cidade, obrigando à sua reconstrução, dessa vez com muitas mansões e ruas largas. Já mais recentemente, nos últimos 50 anos, houve uma imigração em massa desde o interior, o que fez com que Lima se transformasse na quarta maior região metropolitana em população da América do Sul.

A maior parte das atrações históricas de Lima se encontra no seu centro, Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 1988. Para conhecê-las embarquei no city tour incluso no pacote poucas horas depois de aterrissar. Esperava que o passeio privilegiasse os prédios históricos do Centro, e felizmente estava certo. É verdade que, como todo city tour, o percurso foi corrido, com pouco tempo em cada atração. Se voltar a Lima, certamente vou dedicar um tempo maior para caminhar no Centro.

A Catedral de Lima

A grande atração do Centro é a Plaza Mayor, antes chamada de Plaza de Armas. Aqui é o marco zero de Lima e impressiona saber que a praça foi planejada por Pizarro e portanto existiu desde a fundação. Em volta dela estão situados os principais prédios governamentais e históricos de Lima. A praça é muito bonita e agradável, e dali saem as ruas principais de pedestres do Centro, com muitas casas coloniais. Era uma quinta-feira à tarde e a praça estava lotada de gente.

Balcões de madeira negra enfeitam os vários prédios importantes em volta da praça e conferem um aspecto diferente à paisagem. Estes balcões são característicos da arquitetura colonial peruana e estão presentes em outras construções do centro histórico.

O belo interior da Catedral de Lima

Percorrendo as calçadas da praça no sentido horário temos:

Palácio do Governo - o imenso prédio que ocupa toda a face norte da praça foi erguido no terreno em que se situava o palácio residencial de Pizarro, onde ele foi assassinado em 1541. Ou seja, é a sede do governo peruano desde sempre. O atual Palácio Presidencial foi construído na década de 30 após um incêndio ter destruído o edifício anterior. Há uma troca de guarda ao meio-dia.
Palácio do Arcebispo - é a residência do Arcebispo, colada à Catedral, com destaque para as sacadas lembrando o estilo mourisco. O local foi designado por Pizarro já na fundação de Lima como sede episcopal. O prédio atual foi inaugurado em 1924 no estilo neocolonial.
Catedral - a igreja levou mais de 200 anos para ser concluída, construída sobre o terreno de um antigo templo inca. Pizarro trouxe a primeira tora usada na parede (já tinha ouvido falar em pedras fundamentais, mas tora fundamental foi a primeira vez...). Seu desenho foi baseado na Catedral de Sevilha. Vários terremotos adiaram a sua inauguração, e outros mais derrubaram a catedral parcialmente, tendo o último ocorrido em 1940. Além do seu interior com estrutura em madeira folheada a ouro, a catedral conta com dois outros atrativos: a tumba de Francisco Pizarro e o Museu de Arte Religioso, com pinturas e esculturas do século XVII.
Palácio Municipal - sede da Prefeitura, sua fachada amarela em contraste com as janelas negras é a mais chamativa. Foi construído em 1944 também no estilo neocolonial. Ao seu lado se encontra um irmão quase gêmeo, o Palácio da União.

O Palácio Municipal

A meia quadra da Plaza Mayor, a Casa Aliaga nem chama muito a atenção na rua Jirón de la Unión, a não ser pelos habituais balcões negros, mas dizem ser a casa mais antiga das Américas. O terreno, onde existia um santuário inca, foi doado por Pizarro à família Aliaga, à qual a mansão pertence há 18 gerações. A construção sobrevive há séculos por ter sido erguida com material resistente a terremotos. A casa muito bem preservada é hoje um museu, com a família vivendo num anexo. Seu interior luxuoso resguarda a atmosfera colonial e a decoração inclui azulejos de Sevilha, além de espelhos, pinturas e mobília da época. Não cheguei a visitar a casa, pois deve-se agendar com antecedência.

Um dos dois pátios do Convento de Santo Domingo

Para compensar, visitei o belo Convento de Santo Domingo, um exemplo magnífico de arquitetura colonial, a duas quadras de distância. O convento conta com dois pátios decorados com azulejos e possui uma das bibliotecas mais antigas do continente. Chama a atenção o segundo andar da construção, com varanda e teto em madeira. Como quase não chove em Lima, a madeira não apodrece e é usada na parte exterior das construções limenhas por muitos anos. Curiosamente foi fundada em 1551 no local a primeira universidade das Américas, a Universidade de San Marcos.

Em várias destas construções da Plaza Mayor e seu entorno podemos apreciar pinturas da Escola de Cusco, como foi chamada a corrente que mesclava arte sacra com aspectos locais retirados da flora e da fauna. O objetivo deste sincretismo exótico era converter mais facilmente os incas ao catolicismo.

Outro ângulo do Convento de Santo Domingo, destacando-se as paredes azulejadas

Nas cercanias do Centro, no caminho para Miraflores pela Avenida Arequipa, se encontra o Parque de la Reserva, conhecido pelo Circuito Mágico da Água. As atrizes principais deste show são treze fontes coloridas que protagonizam espetáculos com música e luz. Algumas pessoas soltaram no Parque no final do city tour para aguardar o início do espetáculo à noite, mas confesso que não me animei muito. Tinha acordado bem cedo para o voo desde o Rio e estava cansado; além disso, tinha assistido alguns dias antes ao show das fontes do Hotel Bellagio em Las Vegas, e achei que poderia ser repetitivo. Quem foi, gostou.

O próximo post é dedicado a Miraflores, o bairro mais famoso da orla de Lima, onde me hospedei.

* Este é o segundo post da série sobre o Peru. Para visualizar os demais, acesse Rumando ao Peru, a Terra dos Incas.

Publicado por Marcelo Schor em 20.03.2014

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