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A rua principal do centro histórico de Berna, a Kramgasse, com a estátua do urso em armadura e o Zytlogge ao fundo |
Encantadora logo à primeira vista, Berna é uma daquelas cidades que são muito mais do que aparentam. Com um núcleo histórico grande e totalmente preservado, nem parece ser um centro administrativo que é capital da Suíça - provavelmente Zurique e Genebra pareçam mais adequadas. Mas há uma razão histórica, pois Berna foi um dos cantões mais poderosos do país até a chegada de Napoleão no início do século XIX, e portanto quando foi escolhida como sede do Parlamento em 1848, não houve qualquer contraindicação.
Berna foi fundada em 1191 pelo duque Berchtold V. Conta a lenda que a cidade recebeu seu nome em homenagem à primeira caça do duque após a fundação, um urso (Bär em alemão). Por sinal, o urso é o símbolo da cidade e aparece de diversas formas, desde sua representação em estátuas até o animal propriamente dito, num parque que é uma das maiores atrações para os visitantes. Isto sem falar na bandeira e no brasão de armas do cantão, onde o urso aparece ameaçador, com a língua de fora, da mesma forma que ocorre na bandeira de outro cantão que visitei, Appenzell.
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O Brasão de Armas de Berna |
Estando numa localização central, em meio a várias bases turísticas na Suíça, Berna é uma cidade que pode ser facilmente conhecida em um passeio bate-volta desde Zurique ou Interlaken, ambas a menos de uma hora de viagem por trem. Outra alternativa é a que usamos: indo de Zurique para Lausanne, deixamos nossa bagagem no locker da estação ferroviária e saímos para conhecer Berna, voltando no meio da tarde para tomar o trem rumo à Riviera Suíça. Aliás, a estação ferroviária, localizada numa das extremidades do centro histórico, impressiona pelo tamanho exagerado para uma cidade de 140.000 habitantes (a quarta em população na Suíça), mas totalmente de acordo com o status de capital do país. A estação conta com um escritório de turismo bem aparelhado, ótimo para pegar mapas e dicas das atrações.
Seu centro histórico, situado numa península formada pela curva do rio Aare, é tão conservado que fez com que Berna se tornasse um dos Patrimônios Históricos da Humanidade na Suíça. É formado por ruas com prédios de arenito, obrigatório por lei nas construções da cidade. Todos os edifícios possuem arcadas no térreo, muitos remontando ao século XV. Os quarteirões seguem o padrão de cidades medievais na Suíça: muito longos e estreitos. Já as ruas transversais não são estreitas devido a um motivo: as muralhas da cidade foram sendo movidas para oeste à medida que houve a expansão do casario ao longo dos séculos e em seu lugar nasceram espaços mais amplos, arejando o espaço urbano. Por fim, a última muralha foi removida, dando origem à atual estação ferroviária.
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O rio Aare - foto cedida por Vinicius Buccazio |
Há algumas coisas em que Berna é campeã em quantidade: arcadas enfeitadas com bandeiras, torres imponentes com relógios e fontes com estátuas no meio da rua, num total de onze. Todos estes elementos acabam contrabalançando os prédios cinza, dando um colorido único a Berna e tornando a cidade muito agradável aos nossos olhos.
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A Torre da Prisão em Berna |
A rua principal do centro, que atravessa a península, sai direto da estação ferroviária e vai trocando de nome ao longo do trajeto. Seguindo por ela, logo chegamos à Bärenplatz (Praça dos Ursos), em mais uma referência ursina. O largo sedia um mercado diário e fica em frente à imponente Torre da Prisão, uma das raras partes das muralhas que sobreviveu. Como o nome indica, o prédio serviu como prisão por 250 anos até 1897.
A Bärenplatz dá ainda acesso ao
Parlamento, uma construção de 1902 em estilo renascentista, com sua praça contendo 26 jorros d'água, um para cada cantão suíço.
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O Parlamento Suíço visto de ponte sobre o rio Aare |
Seguindo mais um quarteirão pela rua principal, a Kornhausplatz reserva uma surpresa com uma visão nada agradável: a Fonte do Ogro ou Kindlifresserbrunnen. Muito menos simpático do que o ogro adorado pela criançada nos desenhos animados, este monstro suíço aparece na estátua de 1544 devorando um bebê indefeso. Há várias explicações para esta cena dantesca em plena praça pública, mas nenhuma me pareceu muito convincente.
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A Fonte do Ogro |
Prosseguindo ainda pela rua principal, chegamos à torre mais famosa de Berna, a Zytglogge, ou simplesmente Torre do Relógio. Também remanescente de um antigo portão de muralha, construído em 1218, esta torre é o ponto focal de Berna - todas as distâncias no cantão são medidas a partir dela. Tendo também servido como prisão, a torre foi reconstruída como o restante da cidade após o grande incêndio de 1405, que devastou Berna. O bonito e enorme relógio é 125 anos mais recente. Abaixo dele aparece um intrincado relógio astronômico interligado ao relógio principal, que mostra a fase atual da lua, a posição solar no zodíaco e outros dados astrológicos. A cada quatro minutos antes da hora cheia uma multidão se reúne embaixo da torre para ver o pequeno show do carrilhão situado ao lado do relógio astronômico. A performance é composta por movimentos pequenos em figuras como um arlequim, um galo e um homem com uma ampulheta representando Cronos, o deus grego do tempo. Claro, complementando o conjunto, não poderia faltar uma roda de ursos que forma o carrilhão propriamente dito. Sinceramente, já vi carrilhões bem mais atraentes na Europa... Para quem se interessa por horologia, existe um tour guiado pela torre, onde a atração são os mecanismos do relógio.
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A Torre Zytglogge |
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Detalhe da torre do Zytlogge com o relógio astronômico e o carrilhão - foto cedida por Vinicius Buccazio |
Paramos para almoçar no restaurante Harmonie, um dos mais tradicionais em Berna. O Harmonie funciona há exatos 100 anos num prédio bem perto do Zytglogge, e é especializado em comida típica suíça como a fondue de queijo e a batata rösti, aqui ainda mais calórica, coberta com ovos fritos e pedaços de bacon.
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A Rathausgasse |
Satisfeitos com a refeição, seguimos alguns metros pela rua principal Kramgasse até chegar ao edifício do apartamento onde residiu
Albert Einstein, no número 49. O genial físico morou por dois anos em Berna e foi ali que formulou a Teoria da Relatividade. O apartamento foi restaurado com a mobília da época, contendo uma retrospectiva da vida e do trabalho de Einstein.
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Vista a partir da torre da Catedral de Berna - foto cedida por Vinicius Buccazio |
Um pequeno desvio no caminho leva à
Catedral protestante, cuja torre é a mais alta da Suíça, com 100 metros. O topo da sua torre é alcançado após se vencer 344 degraus de uma escada em espiral, mas a vista é recompensadora. Nos fundos da Catedral, o terraço também tem ótimas vistas para o rio Aare, que em Berna continua tão verde como na sua passagem por Interlaken.
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O casario junto ao rio Aare |
A rua principal termina no fim da península numa ponte sobre o rio Aare, a Nydeggbrücke, que dá acesso ao
Parque dos Ursos, à beira do rio
. Depois de ver tantas versões inanimadas, chegou a hora de apreciar os ursos ao vivo. Esta atração foi evoluindo ao longo dos anos. Quando estive em Berna pela primeira vez, há muitos anos, eram três ursos dispersos num feio fosso de cimento; notava-se alguns grafites no muro protestando contra o espaço exíguo que ocupavam. Já na segunda, quando estava com minha família, foi uma decepção total: uma placa avisava que o urso remanescente havia falecido na semana anterior, e o fosso estava vazio. Atualmente, os protestos surtiram efeito - o espaço foi totalmente reformulado e ampliado há poucos anos. Dois ursos pardos vivem em condições bem melhores que seus antecessores, numa área gramada de 6.000 m², interligada ao antigo fosso, com os visitantes percorrendo uma passarela para avistá-los.
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O Parque dos Ursos com a Nydeggbrücke ao fundo - fonte: myswitzerland.com |
Do Parque dos Ursos, uma caminhada de alguns minutos leva ao
Rosengarten, um jardim de rosas situado no alto de um morro e que por isso conta durante a manhã com uma vista sensacional da curva do rio e do casario da cidade antigo.
Após visitar esse minizoológico, pegamos um bonde (que, não custa lembrar, é coberto pelo Swiss Pass) para retornarmos à estação ferroviária e seguirmos viagem.
* Este é o décimo primeiro post da série sobre a Suíça. Para visualizar os demais, acesse A saborosa Suíça. Postado por Marcelo Schor em 08.01.2015
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