A inigualável Machu Picchu
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A inigualável Machu Picchu



A clássica vista de Machu Picchu a partir da Cabana do Guardião

       Finalmente chegou o dia de conhecer a atração mais ansiada do roteiro: Machu Picchu - aprendi a pronúncia correta derivada do quéchua, onde os dois 'c' são pronunciados: matchu pikchu, significando "montanha velha". Às 6h15min o guia passou no hotel de Aguas Calientes para irmos para o ponto do ônibus que nos levaria às ruínas. O hotel onde estava hospedado, o El Mapi, fica bem perto desta parada. Uma cortesia interessante do hotel é que, com a diária vencendo ao meio-dia, eu não precisaria voltar para apanhar minha mochila; eles se encarregariam de levá-la à estação ferroviária no horário marcado, onde a pegaria. Não sei se os demais hotéis também praticam este oferecimento, mas achei a mordomia bem legal.

Primeira visão da ainda vazia e enevoada Machu Picchu

          A essa hora da manhã havia uma fila pequena para embarque no ponto de ônibus. O primeiro ônibus deixa Aguas Calientes às 5h20min. Antes de entrar no veículo, comprei uma garrafinha de água mineral para carregar durante a visita. Logo o ônibus saiu e começamos a subir a montanha pela Estrada Hiram Bingham, uma rodovia construída em 1947 que sobe 400 metros com 13 curvas fechadíssimas. Como Machu Picchu fica a "apenas" 2430 metros de altitude, bem mais baixo que as demais atrações da região, os efeitos do soroche são reduzidos. Dois meses após a minha visita, a estrada seria fechada por vários dias em janeiro  devido a um deslizamento de pedras, época de chuvas na região que podem se tornar torrenciais.

Detalhe de parede remanescente 

         Machu Picchu difere das demais ruínas nas cercanias de Cusco pelo fato de nunca ter sido descoberta pelos espanhóis. Enquanto as fortalezas do Vale Sagrado foram saqueadas e destruídas pelos conquistadores, Machu Picchu seguiu incólume ao longo dos séculos, permanecendo esquecida no meio da floresta. Só seria descoberta em 1911; durante uma visita às montanhas peruanas o explorador americano Hiram Bingham (que dá nome à estrada de acesso e ao trem mais luxuoso que parte de Cusco), após ouvir comentarem sobre o local, se interessou e convenceu um camponês a levá-lo até as ruínas. Dá para imaginar o estado de êxtase que o arqueólogo experimentou quando contemplou a cidade perdida. Como não podia deixar de ser, Bingham se tornou muito famoso com a descoberta e na década de 1920 se elegeu governador do estado de Connecticut e também senador.

O Bairro Comum, onde morava a população

          Um fato que me surpreendeu foi saber que Machu Picchu foi fundada provavelmente sob o reinado de Pachacútec, que governou o Império Inca entre 1438 e 1471. O próprio imperador utilizava Machu Picchu como local de descanso. Como sua população deve ter abandonado a cidade para fugir dos conquistadores espanhóis na década de 1530, a cidade teve uma vida útil de menos de cem anos! Estabelecida como centro religioso e agrícola, Machu Picchu diferiu das  ruínas do Vale Sagrado pela ausência do viés militar (mesmo porque, estando num local mais ermo, não poderia cumprir uma função de vigilância adequada).

Área do Templo do Condor 

        O ponto final do ônibus fica bem em frente ao portão do complexo, onde apresentei o tíquete de entrada, que custa 126 soles e estava incluso no meu pacote. Atenção: aqui fica o único banheiro de toda a área. O ingresso permite entradas ilimitadas durante o dia e Machu Picchu está aberta a visitação até as cinco da tarde. Quando chegamos, a neblina cobria tudo e havia pouquíssima gente circulando pelas ruínas. Achei bem legal, pois o clima de mistério resultante combinava bastante com o local, famoso pelo misticismo. A névoa foi se dissipando ao longo da manhã, me permitindo descobrir aos poucos os segredos dessas ruínas.

A colina repleta de terraços gramados

           A primeira visão que obtive após chegar no coração das ruínas foi, digamos, rústica - algumas lhamas pastando placidamente no gramado que divide as ruínas em dois grandes blocos, os setores religioso, dos templos, e comum, das moradias da população. Segundo li, as lhamas foram colocadas no local pela administração como aparadoras naturais da grama... Ao longo do dia, cruzamos várias vezes com os animais que caminhavam pelas ruínas sem se importarem com a turistada em volta.

Vista da Praça Sagrada e, mais acima, do pátio da Intihuatana

         Como ainda estava enevoado, o guia deixou a subida aos terraços-mirantes para mais tarde. Percorremos praticamente todas as ruínas, nos detendo naquelas mais interessantes. Os aspectos marcantes da arquitetura inca aparecem com toda força -  o encaixe perfeito das pedras sem a necessidade de argamassa, os templos com nichos trapezoidais e janelas estrategicamente construídas para deixar passar a luz solar no solstício, a presença constante de elementos representativos dos três animais sagrados da cultura inca - o condor  (o mundo celestial), o puma (o mundo presente, concreto) e a serpente (profundezas das trevas). Machu Picchu é o ápice desta arquitetura pelo seu estado de conservação excelente e localização espetacular, e por isso, deve ser deixada por último nas visitas às ruínas das redondezas de Cusco, sob pena de o viajante achar as demais pouco interessantes.

O Templo do Sol
Outra visão do Templo do Sol, agora de baixo para cima. Repare no encaixe dos blocos de construção com a rocha.

       Como Machu Picchu ficou escondida durante quase quatro séculos, muitas das funções das suas edificações são apenas presumidas, o que só aumenta o clima de mistério. Logo no início do setor religioso fica o Templo do Sol, que se distingue das demais ruínas em prédios retangulares por ter um formato semicircular, parecendo uma torre (e daí deriva seu nome alternativo, Torreão). Este aspecto se destaca ainda mais quando notamos que foi construído em cima de uma rocha polida enorme, com as paredes se adaptando ao formato da pedra.  Além das janelas de solstício, conta com outra abertura curiosa - a janela da serpente, por onde os répteis eram introduzidos.
     
A Praça Sagrada, entre o Templo Principal (abaixo na foto) e o Templo das Três Janelas (acima)

           À medida em que a névoa ia se dissipando, fomos passando pelas demais áreas , conhecendo suas fontes, casas e pátios, como  a Praça Sagrada, ladeada pelo Templo das Três Janelas e pelo Templo Principal, que se supõe ser o mais importante de Machu Picchu pelo seu tamanho e pelas pedras maiores.  Subindo uma escadaria, alcançamos a Intihuatana. Estrategicamente situada num ponto mais elevado, a rocha servia como relógio solar, cumprindo uma função importante no planejamento da agronomia inca.
     
Uma das paredes do Templo Principal
   
        Ao término do circuito na parte baixa de Machu Picchu, as ruínas já estavam lotadas de gente. Subimos a longa escadaria de degraus altos e irregulares ao lado do Templo do Sol observando as casas reconstituídas com tetos de sapê dispostas ao longo da murada. Chegamos então à Cabana do Guardião, uma casinha onde ficava o posto de vigilância, ladeadas por terraços de onde se tem a vista clássica que ilustra todos os folhetos sobre Machu Picchu. É de lá que se pode apreciar melhor todo o conjunto que forma esta joia arquitetônica inca. Foi ali no alto, que após cerca de 1h30min de tour o guia se despediu e me deixou contemplando o belíssimo cenário das ruínas em meio à floresta no sopé da enorme montanha Huayna Picchu, circundadas pelo rio Urubamba centenas de metros abaixo. Fiquei sentado sozinho num terraço um pouco afastado da cabana, e foi aí que me bateu o encantamento pelo lugar, mencionado pela maioria dos turistas entrevistados em reportagens. Permaneci uma meia hora só apreciando a paisagem das ruínas.

Os terraços agrícolas na subida à Cabana do Guardião

           Com relação à questão do guia, conforme relatei no último post tive inexplicavelmente um guia à minha disposição nesta visita a Machu Picchu - havia outros guias da mesma empresa nas ruínas, sempre seguidos de um séquito de turistas - seria a questão do idioma? Se me perguntassem se gostei desta experiência do guia-com-um-único-turista, responderia com um sonoro não. Na realidade, este guia foi o mais fraco dos quatro que me conduziram ao longo do pacote. Além do mais, eu havia lido muito sobre Machu Picchu nos dias anteriores à viagem e já sabia praticamente tudo que ele mencionou. Quando me entedio em visitas guiadas durante city tours, simplesmente me afasto do grupo e vou conhecer a cidade por conta própria, mas nessa ocasião, onde por motivos óbvios eu era o alvo de todas as explicações, este procedimento se tornou impossível. E foi portanto com alívio que me vi finalmente sozinho no alto dos terraços. Como só teria que tomar o ônibus de volta na hora do almoço, ainda me sobrou um tempo considerável para percorrer novamente as ruínas, agora de acordo com o meu bel-prazer. 

Contemplando Machu Picchu dos terraços de acesso à Cabana do Guardião

       Há alguns passeios que podem ser feitos para complementar a visita a Machu Picchu: o primeiro é seguir a partir da Cabana do Guardião a Trilha da Ponte Inca, um caminho sem grande dificuldade, mas que não é indicado para quem sofre de vertigem ou medo de altura, pois o caminho estreito ladeia o precipício. O segundo é a escalada de Huayna Picchu, 360 metros mais alto. E você deve ter adivinhado corretamente: o nome quer mesmo dizer "montanha nova".  Esta trilha já é uma subida bem mais difícil, e com apenas duas partidas pela manhã com um número limitado de pessoas. Como meu trem partiria no meio da tarde, nem pensei em fazer estes passeios. Huayna Picchu teria sido decepcionante, já que seu cume esteve enevoado durante toda a minha visita.

Poses na Cabana do Guardião (cuja parede aparece à esquerda) diante da garganta do rio Urubamba 

           Após tomar o ônibus de volta, almocei em Aguas Calientes no restaurante Toto's, junto à rodoviária e ao rio Urubamba. Mais uma refeição em esquema de bufê já incluído no pacote. Meu nome constava de uma lista na porta do restaurante. A comida estava gostosa, mas nada fora do normal. Quem deseja permanecer em Machu Picchu para a parte da tarde só tem duas opções - ou carrega um lanche ou almoça no restaurante do Hotel Sanctuary Lodge, colado ao portão de entrada do complexo.

Os diversos níveis das ruínas muito bem conservadas

         Às 14h30min embarquei de volta para Ollantaytambo pelo trem da Inca Rail, com um traslado em seguida até Cusco por carro. Dividindo a minha mesa no trem viajava um casal chileno com a filha adolescente, com caras cansadas. Conversando, contaram que haviam acordado de madrugada em Cusco para passar o dia em Machu Picchu, num bate-volta. Penso que este esquema realmente é muito cansativo - viajar de van até Ollantaytambo, pegar o trem, embarcar no ônibus em Aguas Calientes, subir e descer as infindáveis escadas de Machu Picchu e depois fazer todo o caminho inverso, tudo num único dia. Para complicar, foram pegos pela greve que assolava a região há alguns dias e tiveram a van em que viajavam desde Cusco apedrejada pelos grevistas, quase perdendo o trem (ouvi os guias da Viajes Pacífico cochichando entre si sobre esta greve desde o dia anterior). No dia seguinte, no avião de retorno ao Brasil  vim a saber que o trem no qual voltei de Aguas Calientes foi o último daquele dia que saiu no horário. Os seguintes tiveram grandes atrasos causados pela intervenção dos grevistas. 


* Este é o último post da série sobre o Peru. Para visualizar os demais, acesse Rumando ao Peru, a Terra dos Incas.


 Postado por  Marcelo Schor  em 09.05.2014 



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