Não é à toa que esta ilha leva o nome de uma montanha, que por sinal é conhecida simplesmente por "o Pico" e domina sua porção ocidental. Trata-se do ponto culminante de Portugal, com 2.351 metros de altitude. Quando as nuvens deixam, seu cume pode ser avistado de praticamente todos os pontos da ilha. Pico é a segunda maior ilha dos Açores, com 447 km² de superfície, mas é escassamente povoada, contando com apenas 15.000 habitantes. Seu apelido, “ilha cinza”, deriva da coloração da montanha e das pedras de origem vulcânica que formam muros e casas por todo o seu território.
Pico fica situada entre as ilhas de Faial e São Jorge, o que permite acesso fácil desde ambas. A partir de Horta existem excursões de dia inteiro que percorrem os pontos de interesse da ilha. Há uma barca que vence os oito quilômetros que separam Horta de Madalena em meia hora, com horários mais ou menos espaçados de duas horas. Como todas as ilhas açorianas, Pico também possui um aeroporto, o que significa que o roteiro pode ser invertido, pernoitando-se em Lajes ou Madalena e fazendo uma excursão ao Faial.
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Casa de pedra vulcânica em Cachorro e um poço de maré |
Sem dúvida esta é a ilha açoriana cuja origem vulcânica é mais aparente. Sua característica marcante são os chamados "mistérios", extensas áreas de solo vulcânico originário das lavas derramadas por erupções da montanha do Pico, presentes em diversos pontos da costa. Resultado de erupção em 1718, a mais famosa destas áreas é
Cachorro, uma região onde, além do solo, muros, casas e poços são revestidos por este tipo de pedra vulcânica escura, com as casas típicas servindo de base para adegas. Intrigantes são os chamados poços de maré - dada a escassez de água devido ao tipo de solo e à falta de rios, a solução no passado foi cavar poços de água salobra perto da costa que enchiam somente em maré alta, através de infiltrações oriundas do mar.
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Os Arcos do Cachorro com as ondas explodindo sob as rochas |
A maior atração da região são os
Arcos do Cachorro, formações rochosas extravagantes à beira-mar que formam grutas e buracos por onde a água entra com toda a fúria, produzindo uma ressaca forte. Quem quiser se arriscar pode passear por caminhos em meio às rochas. O nome do lugar provém de uma destas formações, que realmente lembra a forma de uma cabeça canina.
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Estátua homenageando o baleeiro em São Roque, em frente à antiga fábrica de farinha de baleia |
No passado o sustento da população picarota (como são chamados os habitantes) vinha de duas atividades econômicas: a primeira era a caça à baleia, ainda mais atuante que na vizinha Faial, e que foi extinta há quarenta anos. Nas cidades de
Lajes do Pico e
São Roque existem museus dedicados à história da atividade. O de Lajes, Museu do Baleeiro, inclui um bote de caça com arpões e é considerado o mais completo dos Açores no tema. Lajes, o primeiro núcleo de povoação da ilha, é hoje o principal ponto de partida de excursões de avistamento de cetáceos na região e possui arquitetura colonial que vale a visita.
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A arquitetura pitoresca na praça principal de Lajes do Pico |
A segunda atividade dominante era a produção de vinho Verdelho, com os vinhedos pacientemente cultivados pelos camponeses sobre o difícil terreno vulcânico. Este vinho, também produzido na Madeira (acesse aqui o post sobre os vinhos madeirenses), era bastante apreciado no exterior e o principal objeto de exportação dos Açores. Entretanto a produção diminuiu bastante graças a uma praga de fungos ocorrida no século XIX, que provocou forte emigração da população para o Brasil e Estados Unidos. Tempos depois, se iniciou o cultivo de uma variedade de uva americana, que hoje produz o vinho de cheiro, de qualidade considerada inferior e usado em cerimônias religiosas na festividade do Espírito Santo. O vinho de cheiro tem sua exportação para a Europa proibida, sob a alegação de supostos malefícios à saúde causados pela presença de uma substância chamada malvina na sua composição.
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Os vinhedos de Criação Velha, com Horta e a Ilha do Faial do outro lado do mar |
A região de
Criação Velha, produtora de Verdelho nos arredores de Madalena junto à costa, é reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. O surpreendente aspecto dos vinhedos é bem diferente do habitual, pois as vinhas são cercadas por muros de basalto formando quadrados chamados de currais. O objetivo destes currais é proteger as plantações dos ventos carregados de sal, ajudando também a aquecê-las contra o frio. Se colocados em linha reta, a extensão destes muros alcançaria centenas de quilômetros. Dá para imaginar o trabalho árduo que foi necessário para erguer esta barreira. No meio do vinhedo, o moinho do Frade domina a região e detém uma boa vista de toda a área. De quebra se vê também a cidade fronteira de Horta, do outro lado do canal marítimo.
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O Moinho do Frade cercado pelos vinhedos |
O interior montanhoso da ilha, com algumas lagoas a uma altura de 900 metros, propicia trilhas excelentes para caminhadas, sendo a escalada do Pico a mais difundida. Na realidade, a majestosa montanha é melhor apreciada das ilhas vizinhas, situadas a poucos quilômetros, especialmente no inverno quando seu cume fica nevado. Na própria Ilha do Pico, a vista a partir de Lajes também não decepciona. No interior, a atividade econômica predominante é a leiteira - o queijo de São João, vendido na vila costeira de mesmo nome, redondo e de consistência pastosa, é muito saboroso.
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Vaca picarota na Lagoa do Capitão, a maior da ilha |
Devo dizer que, apesar de ter valido muito a pena conhecer Pico, na comparação entre as duas ilhas gostei mais do Faial. Creio que a própria excursão a Pico contribuiu para o fato. A condução pela guia da Aerohorta foi algo burocrática, e a divisão do tempo pelas paradas infeliz, incluindo algumas comerciais que roubaram tempo precioso da permanência posterior em Lajes; isto no dia seguinte ao excelente tour pelo Faial.
Um outro fator que estranhei foi a ausência de um núcleo urbano dominante. Ao ser perguntada sobre qual dos três municípios - Madalena, Lajes e São Miguel - era a capital da ilha, a guia foi taxativa, dando uma resposta curiosa: "Não existe capital".
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Igreja na vila de São Matheus, no caminho entre Madalena e Lajes, considerada uma das mais bonitas do Pico |
A partir do próximo post, exploramos a ilha de São Miguel, a maior e mais populosa dos Açores, e principal destino turístico do arquipélago.
* Este é o quarto da série de sete posts sobre os Açores, Portugal. Para visualizar os demais, acesse: Açores, um paraíso perdido no Atlântico.
Postado por Marcelo Schor em 01.08.2012