Skagway, o faroeste em pleno Alasca
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Skagway, o faroeste em pleno Alasca


Rua de Skagway e seus prédios com fachadas antigas


     Nossa primeira parada em terras alasquianas, Skagway, era uma velha conhecida minha das histórias em quadrinhos, por coincidência de um personagem Disney, meu favorito na infância. De acordo com a "Saga do Tio Patinhas", uma série excepcional escrita por Don Rosa e publicada pela Editora Abril em 2003, foi em Skagway que o pato quaquilionário desembarcou em 1897 ainda pobre. Lá ele teve seu primeiro encontro com um de seus arqui-inimigos, Porcolino Leitão, que o roubou de suas parcas economias. Sem desanimar, Patinhas rumou para os vales do Klondike, onde deu o troco em Porcolino e ficou rico com as pepitas de ouro que achou, dando início à sua imensa fortuna.

O Disney Wonder ancorado no cais de madeira de Skagway

        Na vida real, este foi o sonho de milhares de pessoas que aportaram em Skagway da noite para o dia nesse ano de 1897 após a divulgação da descoberta do ouro nas terras do Klondike, uma região do Yukon no Canadá. Para chegar até lá tinham que subir a montanha por uma trilha difícil e descer pela correnteza do rio Yukon, num trajeto de mil quilômetros. Tal volume de exploradores ávidos pelo ouro se explica pela grande recessão que os Estados Unidos enfrentavam na época. A chamada "corrida do ouro" durou pouco tempo, mas o suficiente para deixar sua marca na região. Skagway ganhou o apelido de "Portão de Entrada do Klondike" e  teve um pico de 20.000 habitantes no final do século XIX. Virou uma cidade sem lei, com um cenário digno de filmes de faroeste, repleta de bares (mais de 80!), bordéis, duelos e execuções sumárias - qualquer homem podia ser acusado de um crime pela manhã e estar morto ao anoitecer. 

Estátua comemorativa do centenário de Skagway mostra cena de 1897 - um nativo tlingit guia um candidato a garimpeiro na subida do White Pass

       Com o fim da corrida do ouro, Skagway se manteve graças à construção da ferrovia para o  Yukon. Nesse ponto é uma exceção no sudeste do Alasca, pois é uma das raras localidades que está interligada por terra ao resto do continente (hoje também por rodovia). Quase cem anos depois, na década de 80, a cidade em decadência encontrou seu nicho no turismo e as casas foram restauradas com a fachada que tinham na época áurea (e aí a palavra reflete seus dois sentidos, o dourado e o figurado). Hoje a cidade muito bem preservada faz parte do Klondike Gold Rush National Historical Park, junto com o desfiladeiro de White Pass.

Skagway na início do século passado, conforme foto no Centro de Visitantes

        Skagway é a cidade mais setentrional do Inside Passage do Alasca e fica no extremo da série de canais; para chegar até lá o navio percorre um  fiorde extenso, o Lynn Canal. São 145 quilômetros por água desde Juneau. O nome exótico da cidade vem da palavra tlingit skagua, que tem o significado apropriado de 'lugar onde o vento norte sopra'. É um dos locais mais secos do sudeste do Alasca, mesmo assim a chuva parava e recomeçava. A cidade, que hoje conta com somente 920 habitantes fixos, é inundada por milhares de turistas que descem dos cruzeiros no verão. Felizmente ainda era primavera e a cidade estava vazia, num ambiente mais condizente com uma cidade no estilo do Velho Oeste.

O início da Broadway diante do Centro de Visitantes

         A primeira impressão ao desembarcarmos foi positiva: a vista obtida do navio com o vale da cidade se estreitando rumo ao interior era bonita, com os picos nevados e enevoados ao fundo. Ademais, o cais de Skagway é todo em madeira, o que contribui para aumentar o aspecto rústico da cidade. Foi em Skagway que cometemos o erro de planejar nossa excursão para o meio da parada do cruzeiro, ao meio-dia. Como o Disney Wonder  aportou muito cedo, decidimos usar a manhã para andar pela cidade e conhecer suas atrações. Voltamos no final da manhã para o navio, onde almoçamos e então iniciamos a excursão com o trem que nos levaria pela rota dos garimpeiros, subindo a garganta do White Pass rumo ao Yukon. Para nossa sorte, o navio facilitou nossa vida e ancorou bem em frente à cidade - pelo que nos informaram na alta temporada há possibilidade de transatlânticos nem aportarem por falta de lugar, ficando ao largo do fiorde.

Antigos vagões e locomotiva da ferrovia com um removedor de neve enfeitam a frente do Centro de Visitantes

         Assim que descemos nos dirigimos direto ao Centro de Visitantes, no início da rua principal, a Broadway. O centro, além de fornecer todas as informações sobre a cidade, ainda conta com todas as suas atrações gratuitas, como seu museu, onde podemos acompanhar a história de Skagway através de fotos antigas e painéis. Impressiona a montagem (foto abaixo) de um garimpeiro carregando uma penca de mantimentos no início da sua jornada para o Klondike, pois com a morte de vários deles no caminho, foi estabelecida pelo Canadá uma quota mínima de víveres para se levar, correspondendo a um ano de mantimentos. Só para se ter uma ideia, dos 100.000 aventureiros que partiram, 30.000 alcançaram o Klondike e só 4.000 acharam ouro.

O interior do Museu do Centro de Visitantes

      Há ainda um filme de 30 minutos sobre a Corrida do Ouro e também um tour a pé pela cidade que sai do Centro de Visitantes. Gratuito, é guiado por um ranger a cada hora cheia. Fiz o tour de 45 minutos e obtive algumas informações curiosas relatadas pelo guarda florestal, principalmente em relação ao gângster que em 1898 se intitulou dono da cidade, Soapy Smith (afinal toda vila de faroeste tem que ter um vilão desses, não?). Soapy reinou sem rival por seis meses até ser morto num tiroteio por um comerciante local que também morreu na confusão. O guarda nos contou que essa versão local de Al Capone aparentava ter duas facetas, a que se aproveitava da ingenuidade dos candidatos a garimpeiro que chegavam e aquela que ajudava eventualmente a população necessitada, que assim o apoiava. Prova da sua desenvoltura foi o telégrafo fictício que montou para enganar suas vítimas, cujos fios iam para lugar nenhum - Skagway só foi interligada ao resto do país anos depois. 

A casa de fachada mais exótica na Broadway, com 8833 pedaços de madeira trançada

O bar Mascot na Broadway

      A Broadway e ruas transversais estão repletas de casas com fachadas interessantes, incluindo um dos antigos bordéis, onde moças à janela vestidas com roupas de época provocam os transeuntes, simulando os acontecimentos de cem anos atrás. O mais engraçado é que estes turistas "assediados" e suas esposas entravam na brincadeira e respondiam à altura. Os lampiões e postes antigos completam a aura que nos remete aos tempos passados.  Outro lugar que deve ser visitado é o The Mascot Bar, com entrada também gratuita, cujo salão reproduz o ambiente do bar no início do século passado. Para os compristas de plantão, a maioria dessas casas da Broadway hoje abriga lojas de suvenires e joalherias, um comércio algo apropriado para uma cidade que fez fama com ouro.

O interior do The Mascot - aposto que na época não devia haver essa limpeza imaculada...

       No próximo post, embarcamos no trem que segue a trilha dos garimpeiros e atravessamos o desfiladeiro Canadá adentro até chegarmos à Ponte Suspensa do Yukon.

* Este é o terceiro post da série sobre o cruzeiro ao Alasca. Para visualizar os demais, acesse  Navegando pela costa do Alasca. 


  Postado por  Marcelo Schor  em 07.08.2015 




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