Ponta Delgada, a porta dos Açores
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Ponta Delgada, a porta dos Açores



A Praça Gonçalo Velho, com as Portas da Cidade e a torre da Igreja Matriz

         São Miguel é a maior, a mais populosa e a mais conhecida das ilhas açorianas. Devido  ao seu solo fértil, com grande variedade de cultivos, sua alcunha colorida é a “ilha verde”. É também a que tem o maior número de atrações, bastante diversificadas, desde o casario de Ponta Delgada até os vapores fumegantes de Furnas, chegando àquela que considerei a mais bela de toda a jornada, Sete Cidades. Ainda tive sorte, pois a minha visita coincidiu com o feriado do Dia dos Açores e as festividades do Espírito Santo, com eventos e procissões religiosas em diversas localidades no domingo de Pentecostes.  Passei quatro noites em Ponta Delgada e poderia tranquilamente estender a estadia em mais uns dois dias sem me entediar, pois lugares interessantes para se conhecer não faltam em São Miguel.

         Ao contrário do Faial e da Ilha do Pico, São Miguel está situada no grupo oriental dos Açores, um pouco mais perto de Portugal. Na realidade é uma junção de duas ilhas, cada uma com seu vulcão e fundidas há bastante tempo por uma das gigantescas erupções. Tem uma população de 132.000 habitantes, distribuídos por 746 km². Pode ser considerada a mais desenvolvida das ilhas açorianas, e aquela que contém o sotaque mais estranho do português, com o som da letra U pronunciado como em francês. Seria uma herança dos franceses presentes nos primórdios de colonização da ilha?

Abacaxis em crescimento na estufa de Fajã de Baixo
          A ilha foi a primeira a ser descoberta em 1427 junto com a vizinha Santa Maria pelo navegador português Gonçalo Velho, em viagem patrocinada pelo Infante Dom Henrique. As primeiras plantações eram de trigo e cana, além da pecuária leiteira, presente até hoje. A partir de 1640, São Miguel se tornou o principal centro de comércio açoriano, ultrapassando Terceira. O cultivo de laranjas dominou então a ilha, trazendo um período de grande prosperidade. Na segunda metade do século XIX pragas e a concorrência soterraram o cultivo, sendo substituído por plantações de chá, tabaco, abacaxi e beterraba, além do crescimento da pesca.

          As plantações de abacaxi são um caso à parte, sendo um dos principais pontos de interesse turístico. Concentram-se principalmente em Vila Franca e Fajã de Baixo, nas cercanias de Ponta Delgada.  Como o clima dos Açores não é quente o suficiente, os ananases são cultivados em estufa, com uma produção que já foi de 2.000 toneladas exportadas para a Europa. As estufas são grandes construções retangulares brancas com teto de vidro em diagonal para aquecimento pelo sol, sendo separadas pelas fases de plantio da fruta, que leva dois anos até a colheita. Para que os ananases floresçam simultaneamente, fumo é queimado a cada noite dentro das estufas, sendo estas arejadas somente na manhã seguinte. Por estas características diferenciadas, o ananás açoriano tem um sabor especial  e único.
          
A Câmara Municipal de Ponta Delgada, com a estátua de São Miguel em frente

          Ponta Delgada, a capital micaelense e sede do Poder Executivo nos Açores, é a maior e mais desenvolvida das cidades açorianas, e a reboque, a mais cosmopolita e sofisticada. É o centro econômico e universitário do arquipélago, abrigando ainda o porto mais movimentado. Apesar de alguns edifícios mais altos na periferia da cidade, seu centro está relativamente intocado pela modernidade.  Aqui já encontramos inconveniências ausentes nas outras ilhas - alguns mendigos, por exemplo, que curiosa e ironicamente me abordavam em inglês: "Money, please".
      
Estreita rua do centro com casario típico. À esquerda o Hotel do Colégio, e ao fundo, a Igreja do Colégio. Repare na largura ínfima da calçada.
           O extenso centro é bastante agradável para se percorrer e está repleto de construções brancas em estilo português característico, com portas e janelas com moldura em pedra, conforme mostram as fotos do post. Esta homogeneidade do casario confere um aspecto peculiar e equilibrado à cidade. O marco zero de Ponta Delgada é a Praça Gonçalo Velho, onde se localizam as Portas da Cidade e a  Igreja Matriz. Gonçalo Velho foi também o primeiro donatário da ilha e sua estátua adorna a praça. As Portas, formadas por três arcos de basalto, são o símbolo de Ponta Delgada. Foram erigidas em 1783 e originalmente se situavam na murada do porto, junto ao mar. Nesta época tinham função cerimonial, com autoridades cumprindo o ritual de passar sob as portas, como fez D. Pedro I (em Portugal, D. Pedro IV). Já a Igreja Matriz, dedicada a São Sebastião, foi reformada em estilo barroco no século XVIII e conta no seu interior com jacarandá brasileiro.

O Campo de São Francisco

         Próxima à praça, a Câmara Municipal chama a atenção, tendo sido residência de um comerciante abastado até o início do século XX. O sino da foto data dos anos 1600, sendo o mais antigo nos Açores, apesar de a torre só ter sido edificada cem anos depois. A outra praça, o Campo de São Francisco, sedia o mosteiro de mesmo nome e fica em frente ao Forte de São Brás, construído em 1557 à beira-mar para defesa da cidade contra os corsários, e que sedia o Museu Militar, um dos dois de Ponta Delgada. Um monumento aos marinheiros que perderam a vida na Primeira Guerra Mundial ladeia o muro do forte. O museu principal, Carlos Machado, recomendado em todos os guias, fica localizado num antigo convento, mas se encontra fechado para obras.
  
O Monumento aos Marinheiros Mortos na Primeira Guerra Mundial, junto ao muro do Forte São Brás
         É interessante notar que algumas das construções mais antigas possuem aberturas no telhado - durante o período de produção de laranjas, um serviçal se posicionava ali e avisava ao dono assim que avistasse as escunas de transporte da fruta para a Europa se aproximando ao longe no mar. As laranjas eram então colhidas das árvores para serem embarcadas bem frescas quando as embarcações atracassem.
   
A orla de Ponta Delgada

            A orla da cidade foi recentemente modernizada e ampliada com a inauguração do complexo de Portas do Mar há quatro anos. O projeto incluiu a construção de uma nova marina e um píer com terminal para transatlânticos de cruzeiro avançando no mar. Interligando o cais à cidade há uma edificação que, do lado de dentro, abriga salas de exposição; do lado de fora, vários restaurantes que se tornaram point da juventude à noite; e acima, possui um terraço e arquibancada com visão panorâmica voltada para a cidade. O projeto acertou em cheio ao não interferir na vista homogênea das construções da orla, surpreendentemente livre de edificações modernas, mas senti falta de previsão para área verde junto ao mar. Quem conhece o Funchal, na Madeira (uma cidade que guarda muita semelhança com Ponta Delgada, conforme mostrado em post passado), sabe como um jardim amplo e bem cuidado pode embelezar um panorama histórico à beira-mar...
    
Grupo local comemorando o Dia de Autonomia dos Açores no espaço cultural no interior do Complexo Portas do Mar
         Como nas demais ilhas, uma das atividades turísticas mais disseminadas em Ponta Delgada é o avistamento de baleias e golfinhos. Diversas operadoras possuem barcos que saem da marina nova duas vezes por dia. Olheiros vigiam a costa com binóculos e os barcos já saem se direcionando à área onde encontrarão os cetáceos. O passeio dura três horas e custa em torno de €45.
      
A Praça Gonçalo Velho numa desértica noite de sábado

         Continuando a explorar São Miguel, no próximo post conheceremos a sua mais famosa atração, as lagoas de Sete Cidades.

* Este é o quinto da série de sete posts  sobre os Açores,Portugal  .Para visualizar os demais acesse: Açores, um paraíso perdido no Atlântico.



  Postado por  Marcelo Schor  em 06.08.2012  



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