Era uma vez um reino onde uma linda princesa de olhos azuis se apaixonou por um jovem pastor. O rei, pai da princesa, interessado em seu casamento com um rico príncipe, proibiu o namoro. Durante a despedida os dois pombinhos choraram tanto que suas lágrimas formaram dois lagos. Dos olhos cor de esmeralda do pastor surgiu a Lagoa Verde, enquanto as lágrimas da princesa se transformaram na Lagoa Azul. Esta singela lenda molda a maior atração dos Açores: as Lagoas de Sete Cidades.
Sete Cidades foi recentemente eleita uma das sete maravilhas naturais de Portugal, junto com o Pico na Ilha do Pico. Trata-se de uma gigantesca cratera vulcânica com cinco quilômetros de diâmetro, situada no extremo oeste da ilha de São Miguel e formada há 22.000 anos - a última erupção na área data de mais de quinhentos anos atrás. A cratera (ou caldeira, no linguajar açoriano) impressiona não só pelo tamanho, mas também pela sua profundidade, sendo suas escarpas cobertas por florestas. Dentro da caldeira ficam as duas lagoas e a vila de Sete Cidades à margem da Lagoa Azul. Há outras crateras menores nas redondezas que abrigam outros três lagos, entre os quais a linda Lagoa de Santiago, bem perto da Lagoa Verde.
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A diferença de cores entre as lagoas vista da Cumeeira |
O que torna a paisagem tão exuberante e diferente? Primeiro, a diferença de cores entre as duas lagoas, apesar de se comunicarem por um canal estreito; segundo, a perfeita visão do formato da cratera, com o contraste entre as águas e as escarpas verdejantes das altas paredes, além da paisagem das plantações à beira da lagoa.
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Vistas obtidas do alto da Cumeeira, com a Lagoa Azul em primeiro plano |
Para conhecer este paraíso visual, embarquei numa excursão de meio dia em veículo off-road. A estrada de Ponta Delgada a Sete Cidades já passa por paisagens bonitas, com estradas cercadas por criptomérias, coníferas japonesas de grande altura semelhantes ao pinheiro. No caminho pudemos também apreciar alguns animais silvestres como o milhafre, a ave de rapina que, ao ser confundida com o açor, nomeou o arquipélago. Na subida para Sete Cidades se pode descortinar a planície costeira do norte da ilha e aparecem alguns lagos pequenos cercados pela floresta, como as Lagoas da Empadada.
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Margem das lagoas de Sete Cidades |
Para obter o maior impacto visual na chegada à caldeira, o veículo subiu por uma estrada de terra bastante irregular até alcançar a estradinha que faz a circunferência de toda a cratera sobre a Cumeeira, os morros que separam a lagoa do mar e formam a parede da caldeira. São visões impressionantes, como comprovam as fotos acima. Este trecho não consegue ser feito por um carro tradicional. Em seguida, descemos e repetimos o círculo agora às margens do lago para então rumarmos para a Vista do Rei, o mirante tradicional que aparece nos cartões postais e que é acessado por estrada asfaltada. Não foram cansativas tantas voltas em torno das lagoas? De maneira nenhuma, a cada momento um ângulo novo se descortinava para as ávidas câmeras.
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Vista da planície costeira norte da ilha, obtida do Mirante da Espadada. Bem ao fundo na costa está Ribeira Grande |
Já que falamos da costa norte de São Miguel, lá fica a maior surpresa positiva da viagem: a cidade de
Ribeira Grande. Pouco comentada nos guias de turismo, resolvi conhecê-la embarcando num ônibus comum intermunicipal a partir de Ponta Delgada (este é um dos poucos itinerários em que há ônibus de hora em hora interligando localidades de São Miguel). Acabei pegando um ônibus "parador", que passou por várias vilas humildes e interessantes na costa, em viagem de uma hora. Aí aconteceu um fato inusitado: no meio do trajeto embarcaram várias senhoras que começaram a conversar. Mesmo que quisesse, eu não conseguiria acompanhar a conversa; o sotaque do português era tão carregado que pareciam estar falando francês.
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Ribeira Grande, com a Prefeitura em destaque junto ao Jardim do Paraíso |
Ribeira Grande é a segunda cidade em população na ilha, com 13.000 habitantes. É cidade irmã da gaúcha Porto Alegre, por aqui terem nascido muitos imigrantes que se dirigiram para o Rio Grande do Sul. Situada à beira-mar, possui vários prédios históricos, como a belíssima
Prefeitura, uma construção do século XVI, a
Igreja Matriz, dominando a cidade no alto de uma escadaria, e o
Teatro Ribeiragrandense, além de uma imponente ponte de oito arcos do século XIX. Mas o que mais me cativou na cidade foi a solução arquitetônica encontrada para embelezar o cânion formado pelo ribeirão que a cruza - um jardim em diversos níveis, muito bonito e bem cuidado , chamado de
Jardim do Paraíso.
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O Jardim do Paraíso avançando até a Ponte dos Oito Arcos |
Como em Portugal continental, a religião predominante nos Açores é a católica, e as festas religiosas têm grande significado no calendário da população. A festividade mais importante do arquipélago é a Festa do Espírito Santo, comemorada em todas as ilhas e cujo ápice acontece no sétimo domingo após a Páscoa. Era justamente o dia em que visitei Ribeira Grande. Esta tradição remonta a origens portuguesas do século XIII. Durante toda a semana, por diversas vilas pelas quais passei, as ruas estavam enfeitadas com bandeirinhas, na preparação para o evento. No final da tarde, além de distribuição de pão e vinho aos necessitados, uma procissão varou as ruas de Ribeira Grande rumo à Igreja Matriz, com uma banda tocando música na retaguarda do cortejo. Esta procissão é tradicional em várias cidades e não deu outra: à noite, assisti à passagem de nova procissão no centro de Ponta Delgada, com as pessoas também paramentadas em trajes para a ocasião.
Quanto à lenda do início do post, um comentário mordaz ouvido na excursão: provavelmente o jovem pastor deve ter esquecido logo a princesa, já que a superfície da Lagoa Verde é mais de quatro vezes menor que a da Azul...
No próximo e último post da série, conheceremos as exóticas Furnas, onde ainda se saboreia o prato mais tradicional dos Açores.