Zagreb, última parada na Croácia
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Zagreb, última parada na Croácia


A Praça e Igreja de São Marcos no início da manhã, entre o Palácio do Governador à esquerda e o Parlamento à direita

      Zagreb é a única metrópole da Croácia, com quase um milhão de habitantes (23% da população do país), sendo sua capital administrativa, cultural e econômica. É o tipo de cidade cuja primeira impressão não é muito boa, ainda mais para quem acabou de se maravilhar com as belezas da costa do Adriático. Porém, à medida que tomamos contato, Zagreb vai conquistando o viajante pelos seus detalhes, alguns muito curiosos. E trata os turistas com mimos como o livreto excelente "Step by Step", disponível gratuitamente nos hotéis em vários idiomas, onde cada atração é esmiuçada.

Uma das ruas características da cidade antiga, com a Catedral em obras ao fundo

          Acabei conhecendo a cidade melhor devido a um entrave técnico. A excursão de que participei não incluía a maior atração natural da Croácia, os lagos Plitvice; como o roteiro terminava em Zagreb, resolvi esticar minha permanência para poder visitar os lagos famosos. Para quem quer conhecer Plitvice em um passeio de um dia, Zagreb é o melhor ponto de partida, a duas horas de viagem. A pesquisa prévia de tours com reserva pela internet constatou preços exorbitantes para uma só pessoa e o agendamento de um tour pela recepção do hotel também se mostrou infrutífero. O meu plano B era ir a Plitvice por conta própria, já que há vários ônibus saindo de Zagreb pela manhã (consulte o site www.akz.hr, da própria rodoviária), mas acabei desistindo por uma única razão: chovia bastante em Plitvice nesse dia. Para minha raiva, a previsão para o dia seguinte apontava um sol glorioso, mas aí eu já estaria a caminho de Amsterdã!

          Restou-me então passear por Zagreb neste dia adicional. Como a cidade não tem o fluxo de turistas de uma Dubrovnik ou Hvar, deu para perceber algumas características peculiares dos croatas, como a sua altura elevada (não é à toa que o basquete é o esporte mais popular após o futebol), a beleza e elegância das mulheres e a relativa sisudez dos habitantes locais no atendimento em lojas e restaurantes.

A rua Tkalciceva

          A capital da Croácia surgiu a partir de dois povoados em colinas fronteiras separados por um rio, a eclesiástica Kaptol, estabelecida em 1094, e a laica Gradec. As duas povoações frequentemente se estranhavam e entravam em combate, tanto que uma ruela da cidade velha, que ocupa o lugar de uma antiga ponte, tem o singelo nome de "Ponte Sangrenta". Com o passar dos tempos, Zagreb se unificou e o riacho foi aterrado em 1899, dando origem à Tkalčićeva, hoje a multicolorida rua principal de pedestres da cidade velha, repleta de restaurantes e boutiques.

A Praça Ban Jelacic. Os garotos à direita disputavam uma animada partida de queimado.

            O centro nevrálgico da cidade é a Praça Ban Jelačić, situada no sopé das duas colinas e cercada por construções do final do século XIX. A praça é o local para onde convergem as linhas de bondes azul-vivo e onde acontecem as grandes concentrações, como ocorreu no último dia 1º de julho, quando uma multidão saudou a adesão da Croácia à União Europeia (apesar de que, dado o momento econômico crucial da Croácia e da UE, esta entrada esteja sendo vista com certo ceticismo pelos zagrebinos com os quais conversei). É o ponto de encontro da galera local, que marca embaixo do "rabo do cavalo", uma alusão à estátua do próprio Ban Josip Jelačić, o governador (ban) que incentivou o fortalecimento da autonomia croata no século XIX diante dos Habsburgo. Inaugurada pouco depois da sua morte, a estátua sintomaticamente apontava a espada para o norte, na direção do Império Austro-Húngaro. Após a Segunda Guerra Mundial, quando Tito assumiu a República da Iugoslávia, a estátua foi retirada, provavelmente por representar tão bem o nacionalismo regional. O monumento retornou de forma triunfal em 1991 com a independência da Croácia, agora com a espada providencialmente virada para o sul. 

Uma vista diferente do casario alto de Gradec a partir da rua Tkalciceva

            Uma das partes mais antigas da cidade, Gradec (pronunciada grádets), se situa na colina mais alta, e pode ser acessada por três maneiras a partir da Praça Ban Jelačić: por uma escadaria, por um funicular  ou seguindo pela rua Radićeva até alcançar o Portão de Pedra, porta de entrada de Gradec. Diante do Portão se situa a estátua de São Jorge sobre o dragão morto. O engraçado é que da primeira vez que passei pela estátua, nem reparei que era o santo, pois pelo ângulo que tirei a foto, o bicho mitológico mais parecia um peixe. Quanto ao Portão, é na realidade um pequeno túnel curvo. Lá repousa em um nicho gradeado a pintura da Virgem Maria, padroeira da cidade, que sobreviveu a um incêndio em 1731 e desde então é objeto de adoração por fiéis, contando inclusive com alguns bancos para oração dentro do próprio Portão.

São Jorge, o dragão morto e o Portão de Pedra ao fundo

        O Portão de Pedra dá acesso ao local onde estão situados os poderes executivo e legislativo da Croácia, a Praça de São Marcos. Dominando a praça, a igreja de mesmo nome foi construída no século XIV e reerguida bem modificada após terremotos e incêndios. Símbolo de Zagreb, o templo conta com um telhado muito original com as telhas nas cores da bandeira da Croácia - azul, vermelho e branco. O telhado contém um escudo que representa as três áreas que formaram o país: a antiga Croácia, com o tradicional quadriculado vermelho e branco; a Dalmácia, com três cabeças de leão; e a Eslavônia, com uma marta correndo. Aliás, a marta é um mamífero tão representativo do país que seu nome em croata, kuna, acabou batizando a moeda local. Outro escudo apresenta o brasão zagrebino.

A bandeira da União Europeia hasteada orgulhosamente ao lado da bandeira croata no Palácio do Governador

          De cada lado da Igreja, dois palácios ficam frente a frente: o Palácio do Governador (Banski Dvori) é hoje a sede do governo com o escritório do primeiro ministro, enquanto que o Sabor, um prédio em estilo clássico, abriga o Parlamento. Apesar de que ainda faltassem 40 dias para a entrada da Croácia na Comunidade Europeia, a bandeira azul com estrelas douradas já estava hasteada em ambos os prédios governamentais.

A Praça de Santa Catarina. À direita da igreja, um mirante com vista para Kaptol

          Descendo a rua que sai em frente à Igreja, chegamos a outra Praça, de Santa Catarina, situada junto ao funicular na beira da colina e portanto possuindo uma boa vista para o centro e Kaptol. Nesta praça, além da igreja homônima barroca erguida no século XVII por jesuítas, fica localizada a Torre Lotrščak, a única remanescente das fortificações de defesa no século XIII. Pontualmente ao meio dia, um canhão no alto da torre dispara um tiro, hábito que acontece há 136 anos.  Ainda junto à praça encontrei um dos museus mais insólitos com que já me deparei: o Museu dos Relacionamentos Partidos, que conforme o nome denuncia, foca em histórias de amor com final infeliz, apresentando depoimentos contundentes e até engraçados, acompanhados de objetos alusivos.

Fim de expediente para os feirantes do mercado Dolac

         Subindo as escadarias curtas por detrás da Praça Ban Jelačić, já em Kaptol, alcançamos o Dolac, o mercado popular ao ar livre com suas barraquinhas vermelhas que tomam o terraço todas as manhãs. Prosseguindo, chegamos à Praça Kaptol, diante da Catedral. A Catedral data do século XII, mas foi reconstruída em estilo neogótico com suas duas torres, uma atualmente em obras, após um terremoto de 1880, e está cercada pelo Palácio do Bispo e por muros construídos em 1473 para enfrentar a invasão otomana, incluindo torres de vigilância circulares. Ainda na praça uma linda fonte apresenta a Virgem Maria no alto de um pedestal com quatro anjos aos seus pés, que representam  a humildade, fé, esperança e inocência.

A bonita Praça Kaptol com três dos quatro anjos na fonte
     
        A cidade se expandiu para o sul no século XIX, uma região com ruas em formato de xadrez contendo prédios marrons no estilo pesado da Europa Central. Quebrando a monotonia, esta parte do centro é envolvida por oito praças que formam um U (haja praça!). O conjunto é conhecido como Ferradura Verde. As praças são separadas por prédios monumentais que abrigam museus e teatros, dos quais o exemplo mais vistoso é o Teatro Nacional, onde são exibidos óperas e balés.

O Teatro Nacional de Zagreb

        A região entre a Ferradura Verde e a Praça Ban Jelačić tem ruas de pedestres e guarda alguns atrativos. Numa esquina fica a estátua de Nikola Tesla, o físico conhecido pela pesquisa da corrente alternada e que é considerado pelos seus conterrâneos o maior croata de todos os tempos (não sei se Marco Polo entrou na disputa; ele teria nascido na ilha de Korčula, perto de Hvar).

A estátua de Tesla numa esquina do centro de Zagreb

         Perto dali, uma enorme bola dourada é a ponta de um projeto sui-generis: trata-se de uma obra de arte que representa o sol, chamada de "Sol Aterrado". Todos os nove planetas do sistema solar também estão representados em escala de tamanho e distância em comparação com o o nosso astro rei. Enquanto uma pequena esfera pregada na fachada representa Mercúrio a uma quadra de distância, uma bola muito menor mostra Plutão, já na saída de Zagreb - obviamente o projeto foi implantado antes de rebaixarem Plutão a mero planetoide. É por surpresas deste tipo que Zagreb não é a cidade desinteressante que imaginei quando li algumas resenhas na internet antes de viajar...

O Sol Aterrado no meio do calçadão


* Este é o décimo quinto post da série sobre países da extinta Iugoslávia. Para visualizar os demais, acesse  Atravessando os Bálcãs: Croácia, Eslovênia e Bósnia


 Publicado por  Marcelo Schor  em 05.11.2013 



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