Lituânia - das espadas de Trakai às cruzes de Šiauliai
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Lituânia - das espadas de Trakai às cruzes de Šiauliai


A ilha do Castelo em Trakai
       
        Depois de dois dias mergulhados na história movimentada de Varsóvia, iniciamos a viagem rodoviária e entramos na Lituânia, após uma longa e cansativa jornada de ônibus que atravessou os campos da Polônia, sem que houvesse maiores atrativos (muito melhor seria ter pego um voo).

         O primeiro e mais meridional dos Países Bálticos do circuito é um país com 65.000 km² de superfície e 3 milhões de habitantes, basicamente constituído de planícies com florestas e cerca de 4.000 lagos. Sua costa curta (somente cem quilômetros de extensão) é rica em âmbar, a resina fóssil muito usada em ornamentos. Os Países Bálticos são os maiores fornecedores mundiais de âmbar, e é fácil encontrar joias à venda nas lojas de Vilnius com âmbar em cores diferentes, sobressaindo o amarelo escuro.

Exemplares de âmbar expostos em museu de Vilnius
     
         Quanto à cultura, a Lituânia é uma encruzilhada de civilizações. Um dos aspectos que a distinguem das suas colegas bálticas é a fé católica. Ao contrário da Letônia e Estônia, a Lituânia não possui uma percentagem expressiva de russos na formação da população. O idioma lituano, pertencente à família báltica junto com o letão, é considerado o idioma mais arcaico das línguas indoeuropeias, sendo objeto de estudos por especialistas pela sua proximidade com o sânscrito.

         Uma grande preocupação é o êxodo da população: nos últimos vinte anos encolheu 22%, um declínio considerável. Porém o progresso mudou a vida dos lituanos das cidades maiores - o país detém por exemplo a segunda maior taxa de celulares per capita da Europa. Os habitantes do interior ainda conservam  tradições seculares e vivem de forma mais humilde, num contraste visível. Porém uma paixão nacional une todos: o basquete, cujo time sempre se manteve entre os quatro melhores em todas as Olimpíadas dos últimos vinte anos.

Estátua de Gediminas em Vilnius
     
         Quando se olha no mapa o tamanho diminuto da Lituânia, fica difícil acreditar que há seis séculos este era um dos maiores países da Europa, se estendendo do Mar Negro ao Mar Báltico (cujo nome por sinal significa ‘branco’). Os lituanos sempre tiveram espírito guerreiro, e o grão-duque Gediminas inaugurou no século XIV uma dinastia que expandiu a fronteira do seu império a limites inimagináveis ao entrar em guerra contra os temíveis mongóis. Bem mais tarde, para pôr fim à ameaça da expansão russa, a Lituânia se uniu à Polônia em 1569, tendo uma fase de prosperidade nos dois séculos seguintes. Com a derrocada da Polônia, em 1795 a Lituânia finalmente caiu sob domínio russo, só se tornando novamente independente em 1918. E aí aconteceu um fato curioso. Após vencer a  guerra contra os soviéticos ocorrida em 1920 (maiores detalhes no post sobre Varsóvia), a Polônia anexou Vilnius, sob a alegação de que a maioria de sua população era de origem polonesa. Desta forma, enquanto se manteve independente até a Segunda Guerra Mundial, a Lituânia ficou sem sua capital, substituída por Kaunas. Na Guerra, a Lituânia foi ocupada pelos nazistas e em seguida pelos soviéticos. Com  a reformulação total das fronteiras polonesas em 1945, Vilnius voltou a sediar o governo lituano, mas agora sob o controle soviético. Esta ocupação implicou na deportação de dezenas de milhares de lituanos para a Sibéria. O retorno como país independente só ocorreu em 1990, sendo a Lituânia o primeiro país da União Soviética a fazê-lo. Atualmente tem um ponto em comum com o Brasil: uma mulher como presidente. Dalia Grybauskaitė foi eleita em 2009 e é formada em política econômica, solteira e faixa-preta em caratê.

Pátio do Castelo de Trakai
   
        Unindo sítios históricos à beleza da natureza, Trakai é uma ótima opção para um dia de visita, a meros 28 quilômetros de Vilnius, sendo facilmente acessada por trem da capital em viagem de 40 minutos. Trakai foi a sede do poder lituano até a fundação de Vilnius por Gediminas em 1320. Seu castelo de tijolos vermelhos foi construído provavelmente em 1400 por Vytautas, neto de Gediminas. Residência dos grãos-duques governantes, corresponde exatamente à  imagem tradicional que fazemos destas fortificações: imenso, imponente, com um pátio central,  altas torres com um portão e fosso. É um dos raros casos na Europa de castelo sobre uma ilha. O Lago de Galvė possui várias outras ilhotas e o castelo é acessado por uma ponte que o une a Trakai, passando por uma ilha intermediária.

Vista do lago de Galve a partir do Castelo de Trakai
     
        Hoje o Castelo restaurado é um museu. Podermos vagar livremente por suas galerias, escadas estreitas e torres, numa volta ao passado. Algumas de suas salas abrigam uma exposição onde conhecemos a história da edificação e das guerras decididas no seu interior. Vestimentas da época também estão expostas, incluindo as pesadas vestes usadas para luta e diversos armamentos medievais. Durante o mês de julho, a ilha do Castelo sedia um festival que inclui concertos e encenações de lutas.

Mapa de Trakai com a ilha do castelo em vermelho

         A cidade de Trakai, em frente ao Castelo, é conhecida por abrigar uma comunidade pouco difundida, os caraítas. Os primeiros caraítas foram trazidos da Crimeia por Vytautas para constituir sua guarda, tendo origem turca. Vytautas concedeu a eles ampla liberdade para professar sua religião, baseada no judaísmo. Ainda existem cerca de sessenta caraítas em Trakai. Suas casas de madeira características tem três janelas - tradicionalmente dedicadas a Deus, à família e a Vytautas.

Casas caraítas típicas na vila de Trakai

         No cais de Trakai, junto à ponte de acesso ao castelo, pode-se alugar um pedalinho, barco a remo ou canoa para passeios pelo lago. Outra alternativa é um passeio de bicicleta pelas margens ou simplesmente perambular pelas simpáticas barracas que vendem souvenirs à beira da água.


O cais de Trakai 

        Outro excelente exemplo da determinação lituana, sob um aspecto diferente, é a Colina das Cruzes. Situada nos arredores da cidade de Šiauliai (lê-se xiauliai), no norte da Lituânia, a pequena colina contém milhares de cruzes nela cravadas. Conta-se que um camponês pregou uma cruz no local rezando em nome da filha doente. Milagrosamente a filha se curou e a notícia se espalhou, e logo o terreno foi tomado por cruzes de todos os tipos e tamanhos. Obviamente, na ocupação soviética tal demonstração de fé não era bem vista pelas autoridades, e várias vezes as cruzes foram retiradas e destruídas, sendo novas cruzes cravadas na calada da noite. Até o desmonte da colina aconteceu, sem efeito prático. As cruzes se tornaram um símbolo na luta contra a opressão. Após a independência e a visita do Papa João Paulo II em 1993, a procura pelo local (e o número de cruzes) só aumentou.
    
       País báltico onde o fervor religioso é maior, curiosamente a Lituânia foi o último país europeu a se tornar católico em 1385 em substituição aos credos pagãos. Para compensar, foi o único país báltico a não se converter posteriormente ao protestantismo - uma provável influência da Polônia e dos jesuítas locais. As antigas tradições pagãs estão presentes em muitos dos aspectos culturais da Lituânia da atualidade. Um exemplo são as próprias cruzes, uma forma de arte lituana, muitas vezes com apetrechos  nelas pendurados que remetem a símbolos pagãos como o sol e a lua.


A Colina das Cruzes em Šiauliai

         O próximo post é inteiramente dedicado a Vilnius, onde fiquei hospedado. Infelizmente só tive um dia para percorrer suas preciosidades. A cidade merecia mais tempo...

Este é o quarto de uma série de posts sobre Varsóvia e os Países Bálticos. Para visualizar os demais,  acesse Descobrindo os Países Bálticos.



  Postado por  Marcelo Schor  em 28.11.2012  



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