Surpreendente. Este é o adjetivo que melhor representa a minha impressão sobre a capital da Lituânia. Havia lido antes vários elogios às belezas das demais capitais Riga e Tallinn, aparentemente deixando Vilnius em segundo plano. Qual não foi a minha surpresa ao encontrar uma cidade muito bonita e bem cuidada! Uma cidade diferente, com uma quantidade imensa de joias arquitetônicas barrocas e em estilo clássico e que contém ainda algumas excentricidades. Apesar dos seus 550.000 habitantes, Vilnius mantém um centro histórico tranquilo e bem conservado, sem as multidões de turistas que encontrei nas demais capitais bálticas. Os elogios valem para o centro da cidade; o restante não tem grande interesse para o turista, tendo o habitual tom monocromático que é resquício das construções soviéticas.
Localizada na própria praça e atração maior da cidade, a Catedral é uma obra-prima em estilo neoclássico que mais parece um templo grego. Não foi por acaso que em 1989 ali terminou a corrente humana que ligou os Países Bálticos clamando por sua independência . Erigida originalmente em madeira no século XIV e usada então como templo pagão, a imensa construção adquiriu sua aparência clássica somente no século XVIII após um incêndio. O Campanário é o único resquício das torres e muralhas que se posicionavam diante da Catedral. Com várias estátuas de santos evangelistas e duques lituanos adornando as suas laterais, a igreja foi transformada em galeria de arte durante o domínio soviético, só retornando à sua função com a restauração da independência em 1990.
Junto à Catedral se localiza ainda o Palácio Real, antiga residência de Grãos-Duques, parcialmente reconstruído em 2009. O Palácio era o centro da vida social de Vilnius, sediando bailes e óperas na sua época áurea, mas foi demolido quando a Lituânia caiu sob domínio russo em 1795 (maiores detalhes sobre a história lituana no post passado).
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A Praça da Prefeitura (Rotusos Aikste) |
Não se deve deixar de visitar as demais igrejas que colaboraram para o título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco em 1994. A mais conhecida é a barroca Igreja de São Pedro e São Paulo, com o seu original candelabro em formato de barco. Já a Igreja de Santa Ana tem uma fachada gótica bem peculiar.
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A antiga Prefeitura de Vilnius, também em estilo clássico |
Ligando a Praça da Catedral à da Prefeitura, a
Pilies gatvė (Rua do Castelo) é o portão de entrada e rua principal da maior cidade histórica da Europa Oriental. É tomada de barracas, restaurantes e lojas típicas que vendem souvenirs e outros artigos, como as bonequinhas matrioshkas e joias em âmbar. Junto a esta rua se encontra ainda a
Universidade de Vilnius e seus 13 pátios. A mais antiga do leste europeu, foi fundada em 1579. Gerida pelos jesuítas por dois séculos, se tornou um dos maiores centros de estudos da Polônia-Lituânia.
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A Ausros gatvė, que liga a Praça da Prefeitura ao Portão do Amanhecer |
Dos nove portões originais da cidade, o único que sobrou foi o
Portão do Amanhecer, no final da cidade histórica. Os portões faziam parte de um muro construído no século XVI para proteção contra ataques tártaros. Sobre o portão se encontra a Capela da Virgem de Vilnius, objeto de peregrinação de fiéis católicos dos países vizinhos.
Bem extravagante é o pequeno bairro de Užupis (lê-se ujupis), um reduto boêmio de artistas autodenominado República de Užupis em 1998, com direito a presidente, hino, bandeira e até uma constituição com 41 itens para lá de originais, terminando com a frase 'Não derrote; não lute; não se renda'. A constituição completa está reproduzida numa placa na rua. Durante o dia 1º de Abril, a pantomima adquire ares reais quando seus cidadãos vestidos com fantasias carimbam passaportes na praça do bairro, acompanhados de discurso pelo "presidente". Situado a cinco quadras a leste da Piles gatvė, Užupis ferve com galerias de arte e lojas descoladas, sendo eventualmente comparado à Montmartre parisiense.
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O Portão do Amanhecer |
Vilnius pode ser considerada uma mistura das culturas lituana, polonesa, russa e judaica. Os judeus tiveram papel preponderante no desenvolvimento da cidade. Convidados a imigrar para a Lituânia por Gediminas, constituíam 40% da população de Vilnius no início do século passado. Napoleão, bastante impressionado com a cidade, a chamou de 'Jerusalém do Norte', alcunha que passou a identificar Vilnius dali em diante. No início do século XX, Vilnius era um centro difusor da cultura judaica europeia. O iídiche, língua baseada no alemão medieval falada pelos judeus, era o segundo idioma mais utilizado na cidade, após o polonês. Com a invasão nazista, os judeus foram aprisionados em um
gueto, como no restante da Europa Oriental. Poucos conseguiram sobreviver. O casario do gueto ainda existe e está sendo restaurado, tendo se convertido em quarteirões pitorescos. Espalhadas por suas ruas existem algumas placas contando sua triste história, com dizeres em lituano e em iídiche. Uma sinagoga, com uma bonita fachada em estilo mourisco, ainda sobrevive no bairro, atendendo à pequena comunidade que sobrou.
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A região do Gueto, hoje revitalizada |
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Placa na Rua dos Judeus mostrando a localização do Gueto, com inscrições em lituano e em iídiche
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A parte mais comercial e moderna do Centro se concentra na longa
Avenida Gediminas (Gedimino Prospektas)
, que se inicia na Praça da Catedral e sedia órgãos governamentais como o Parlamento. Nesta parte da cidade se destacam o
Palácio do Grão Duque, ocupando um quarteirão inteiro, e o Teatro Nacional de Drama, com as soturnas estátuas das
Três Musas adornando sua entrada, representando a Comédia, o Drama e a Tragédia. A avenida sedia ainda o melhor museu da cidade, o Museu das Vítimas de Genocídio, mais conhecido como
Museu da KGB. O edifício sediou a Gestapo e depois a KGB, e a pesada exposição se dedica ao lado mais negro da ocupação soviética, incluindo celas originais no porão.
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As três musas à frente do Teatro Nacional de Drama |
Para os gourmets, a culinária lituana também é bastante interessante, centrada em pratos com batata. O prato chefe é o
cepelinai (nomeado devido ao formato do prato, que lembra um zepelim), uma batata gratinada recheada com carne ou queijo e coberta por um molho calórico contendo manteiga, creme azedo, cebolas e bacon. Um restaurante que indico é o
Cili Kaimas, na Vokie
čiu gatv
ė 8, atrás da Prefeitura, onde provei um ótimo
bulveniai blyneliai, uma panqueca de batata recheada com carne. Perca um tempo manuseando o cardápio e veja a quantidade de páginas dedicadas a pratos à base de batata. Até linguiça de batata tem! O restaurante chama ainda a atenção pelos apetrechos da decoração, onde existem até galinhas ciscando em vitrines.
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Palácio do Grão-Duque na Avenida Gediminas |
Uma última curiosidade: se você é do tipo supersticioso, não pode deixar de procurar uma pedra marcada no chão com a palavra "Stebuklas" (milagre) entre a Catedral e o Campanário. Dizem que se você pisar nela e rodar com os olhos fechados pensando num desejo, este se realizará. Boa sorte!
* Este é o quinto de uma série de posts sobre Varsóvia e os Países Bálticos. Para visualizar os demais, acesse Descobrindo os Países Bálticos.
Postado por Marcelo Schor em 05.12.2012
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