Vilnius, a Jerusalém da Lituânia
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Vilnius, a Jerusalém da Lituânia


A clássica Catedral de Vilnius e seu Campanário. Ao fundo, a torre da Colina de Gediminas

         Surpreendente. Este é o adjetivo que melhor representa a minha impressão sobre a capital da Lituânia. Havia lido antes vários elogios às belezas das demais capitais Riga e Tallinn, aparentemente deixando Vilnius em segundo plano. Qual não foi a minha surpresa ao encontrar uma cidade muito bonita e bem cuidada! Uma cidade diferente, com uma quantidade imensa de joias arquitetônicas barrocas e em estilo clássico e que contém ainda algumas excentricidades. Apesar dos seus 550.000 habitantes, Vilnius mantém um centro histórico tranquilo e bem conservado, sem as multidões de turistas que encontrei nas demais capitais bálticas. Os elogios valem para o centro da cidade; o restante não tem grande interesse para o turista, tendo o habitual tom monocromático que é resquício das construções soviéticas.

A estátua de Gediminas com o lobo uivador, e o Palácio Real ao fundo

       Vilnius está situada no leste da Lituânia, perto da Bielorrússia, e tem sua origem ligada a uma lenda - Gediminas, o grão-duque lituano que dominou a região no século XIV, teria sonhado ao acampar com um lobo dono de um uivo assustador. Este sonho foi  interpretado pelos chefes religiosos pagãos como sinal certo para fundar uma cidade ali e estabelecer a capital. Em honra a esta lenda, encontramos a estátua equestre de Gediminas  na Praça da Catedral (Katedros Aikštė), e o lobo está presente entalhado abaixo do líder lituano.  Atrás da Catedral, a  colina de Gediminas foi o berço do povoado de Vilnius, e no seu topo está uma torre de tijolos que data desta época, de onde se obtém uma ampla vista das igrejas pontilhadas da cidade.

Detalhe do interior da Igreja de São Pedro e São Paulo
 
      Localizada na própria praça e atração maior da cidade, a Catedral é uma obra-prima em estilo neoclássico que mais parece um templo grego. Não foi por acaso que em 1989 ali terminou a corrente humana que ligou os Países Bálticos clamando por sua independência . Erigida originalmente em madeira no século XIV e usada então como templo pagão, a imensa construção adquiriu sua aparência clássica somente no século XVIII após um incêndio. O Campanário é o único resquício das torres e muralhas que se posicionavam diante da Catedral. Com várias estátuas de santos evangelistas e duques lituanos adornando as suas laterais, a igreja foi transformada em galeria de arte durante o domínio soviético, só retornando à sua função com a restauração da independência em 1990.

        Junto à Catedral se localiza ainda o Palácio Real, antiga residência de Grãos-Duques, parcialmente reconstruído em 2009. O Palácio era o centro da vida social de Vilnius, sediando bailes e óperas na sua época áurea, mas foi demolido quando a Lituânia caiu sob domínio russo em 1795 (maiores detalhes sobre a história lituana no post passado).

A Praça da Prefeitura (Rotusos Aikste)
 
      Não se deve deixar de visitar as demais igrejas que colaboraram para o título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco em 1994. A mais conhecida é a barroca Igreja de São Pedro e São Paulo, com o seu original candelabro em formato de barco. Já a Igreja de Santa Ana tem uma fachada gótica bem peculiar.

A antiga Prefeitura de Vilnius, também em estilo clássico
 
         Ligando a Praça da Catedral à da Prefeitura, a Pilies gatvė (Rua do Castelo) é o portão de entrada e rua principal da maior cidade histórica da Europa Oriental. É tomada de barracas, restaurantes e lojas típicas que vendem souvenirs e outros artigos, como as bonequinhas matrioshkas e joias em âmbar. Junto a esta rua se encontra ainda a Universidade de Vilnius e seus 13 pátios. A mais antiga do leste europeu, foi fundada em 1579. Gerida pelos jesuítas por dois séculos, se tornou um dos maiores centros de estudos da Polônia-Lituânia.

A Ausros gatvė, que liga a Praça da Prefeitura ao Portão do Amanhecer
        Dos nove portões originais da cidade, o único que sobrou foi o Portão do Amanhecer, no final da cidade histórica. Os portões faziam parte de um muro construído no século XVI para proteção contra ataques tártaros. Sobre o portão se encontra a Capela da Virgem de Vilnius, objeto de peregrinação de fiéis católicos dos países vizinhos.

      Bem extravagante é o pequeno bairro de Užupis (lê-se ujupis)um reduto boêmio de artistas autodenominado República de Užupis em 1998, com direito a presidente, hino, bandeira e até uma constituição com 41 itens para lá de originais, terminando com a frase 'Não derrote; não lute; não se renda'. A constituição completa está reproduzida numa placa na rua. Durante o dia 1º de Abril, a pantomima adquire ares reais quando seus cidadãos  vestidos com fantasias carimbam passaportes na praça do bairro, acompanhados de discurso pelo "presidente". Situado a cinco quadras a leste da Piles gatvė, Užupis ferve com galerias de arte e lojas descoladas, sendo eventualmente comparado à Montmartre parisiense.

O Portão do Amanhecer

      Vilnius pode ser considerada uma mistura das culturas lituana, polonesa, russa e judaica. Os judeus tiveram papel preponderante no desenvolvimento da cidade. Convidados a imigrar para a Lituânia por Gediminas, constituíam 40% da população de Vilnius no início do século passado. Napoleão, bastante impressionado com a cidade, a chamou de 'Jerusalém do Norte', alcunha que passou a identificar Vilnius dali em diante. No início do século XX, Vilnius era um centro difusor da cultura judaica europeia. O iídiche, língua baseada no alemão medieval falada pelos judeus, era o segundo idioma mais utilizado na cidade, após o polonês. Com a invasão nazista, os judeus foram aprisionados em um gueto, como no restante da Europa Oriental. Poucos conseguiram sobreviver. O casario do gueto ainda existe e está sendo restaurado, tendo se convertido em quarteirões pitorescos. Espalhadas por suas ruas existem algumas placas contando sua triste história, com dizeres em lituano e em iídiche. Uma sinagoga, com uma bonita fachada em estilo mourisco, ainda sobrevive no bairro, atendendo à pequena comunidade que sobrou.

A região do Gueto, hoje revitalizada
Placa na Rua dos Judeus mostrando a localização do Gueto, com inscrições em lituano e em iídiche

        A parte mais comercial e moderna do Centro se concentra na longa Avenida Gediminas (Gedimino Prospektas), que se inicia na Praça da Catedral e sedia órgãos governamentais como o Parlamento. Nesta parte da cidade se destacam o Palácio do Grão Duque, ocupando um quarteirão inteiro, e o Teatro Nacional de Drama, com as soturnas estátuas das Três Musas adornando sua entrada, representando a Comédia, o Drama e a Tragédia. A avenida sedia ainda o melhor museu da cidade, o Museu das Vítimas de Genocídio, mais conhecido como Museu da KGB. O edifício sediou a Gestapo e depois a KGB, e a pesada exposição se dedica ao lado mais negro da ocupação soviética, incluindo celas originais no porão.

As três musas à frente do Teatro Nacional de Drama

           Para os gourmets, a  culinária lituana também é bastante interessante, centrada em pratos com batata. O prato chefe é o cepelinai (nomeado devido ao formato do prato, que lembra um zepelim), uma batata gratinada recheada com carne ou queijo e coberta por um molho calórico contendo manteiga, creme azedo, cebolas e bacon. Um restaurante que indico é o Cili Kaimas, na Vokiečiu gatvė 8, atrás da Prefeitura, onde provei um ótimo bulveniai blyneliai, uma panqueca de batata recheada com carne. Perca um tempo manuseando o cardápio e veja a quantidade de páginas dedicadas a pratos à base de batata. Até linguiça de batata tem! O restaurante chama ainda a atenção pelos apetrechos da decoração, onde existem até galinhas ciscando em vitrines.

Palácio do Grão-Duque na Avenida Gediminas

        Uma última curiosidade: se você é do tipo supersticioso, não pode deixar de procurar uma pedra marcada no chão com a palavra "Stebuklas" (milagre) entre a Catedral e o Campanário. Dizem que se você pisar nela e rodar com os olhos fechados pensando num desejo, este se realizará. Boa sorte!

Este é o quinto de uma série de posts sobre Varsóvia e os Países Bálticos. Para visualizar os demais,  acesse Descobrindo os Países Bálticos.



  Postado por  Marcelo Schor  em 05.12.2012  




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