Um oásis em Kibera
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Um oásis em Kibera


Desde que viajo que me lembro de encher a minha mochila com lápis de cor, marcadores, livros de pintar e brinquedos para oferecer às crianças que se cruzam comigo. Se na Mongólia os presentes eram autênticos desbloqueadores de "conversa", na Bolívia não eram bem encarados e na China eram simplesmente desprezados. A cultura de cada povo explica a forma como estas oferendas são encaradas mas, a situação económica das pessoas é ainda mais determinante.




Kibera é o maior bairro de lata de África e residência de aproximadamente 1 milhão de pessoas. Com uma densidade populacional de cerca 20 000 hab/km2 é fácil perceber a forte concentração da população e as condições precárias de habitação e convivência. A maioria da população vive com menos de um dólar por dia, em condições de pobreza extrema, convivendo paredes meias com a fome, o lixo, a promiscuidade, a violência, a violação, a sida e a morte.



O acesso à educação é um "bem" raro e cada vez mais longínquo para estas crianças de Kibera. Os pais querem o melhor para os seus filhos, tanto aqui como em qualquer outro lugar do mundo, mas em Kibera, a educação está longe de ser uma prioridade. Não porque não percebam a sua importância, mas porque na vida as coisas são muito mais complexas. Quando os progenitores têm que lutar diariamente para terem um pedaço de arroz a colocar na malga das crianças, preocupar-se com a educação dos filhos é visto como algo supérfluo. Muitas das crianças já nem sequer têm pais, são órfãos e vivem nas ruas enlameadas de Kibera ou em algum barraco improvisado. As crianças que foram acolhidas pela professora Benta têm muita sorte, têm um lar. 



Mas, no meio deste determinismo geográfico apareceu uma menina chamada Diana. Com a força, idealismo e determinação que os seus vinte anos lhe conferem, agarrou um projecto de voluntariado e decidiu mudar a vida de 30 crianças. Diana sonhou que podia construir uma Escola que fosse ao mesmo tempo um lugar de acesso à educação e um lar. Ou seja, num espaço exíguo, Diana pretendia criar uma espécie de máquina de transformar sonhos em realidade.




Porque ver apenas para contar, se podemos fazer alguma coisa para mudar? Foi isto que pensei quando esbarrei de frente com o projecto "Há ir e Voltar" que a Diana criou no facebook. Partilhei o projecto com os meus alunos de Geografia, do 12º ano, e juntos achamos que podíamos ajudar a Diana a mudar um bocadinho mais este mundo. Munidos de uma generosidade sonhadora, que só os jovens conseguem compreender, as doações foram chegando e a minha mochila foi-se enchendo de materiais para a escola: lápis, canetas, marcadores, livros, estojos, tintas, guaches, roupas, escovas, pastas dos dentes, etc. A mochila tornava-se cada vez mais pequena para acolher a vontade dos meus alunos mimarem aquelas crianças.



Com as mochilas a abarrotarem, a chegada a Nairobi era urgente. Uma vez em Kibera, a teacher Benta esperava-me por baixo de um edifício decrépito. A Diana foi passar o Natal a Portugal mas deixou tudo tratado para eu conhecer a professora da escola e alguns dos meninos que estão aqui. Felizmente não estão muitos, já que apenas ficam com a professora aqueles que não têm família com quem possam passar o Natal. Mas, por muito poucas crianças que aqui estejam, serão sempre muitas.


Desde a Índia que já não me lembrava de entregar presentes e receber em troca um sorriso tão rasgado e sincero. Sabe tão bem. São sorrisos genuínos, rasgados de felicidade e de alegria. São sorrisos que enchem o coração e preenchem a alma.


A professora Benta é a outra heroína desta estória. Benta é uma menina que há 41 anos nasceu na favela de Kibera e decidiu estudar e educar crianças. A professora Benta não tira ordenado ao final do mês, apenas faz algum dinheiro vendendo artesanato para conseguir viver e continuar a ensinar. A "teacher" Benta continua a viver em Kibera e tem hoje 6 filhos, mas acolhe na sua humilde casa outros tantos meninos órfãos que alimenta diariamente. Luta pela vida todos os dias, já que é seropositiva. 



A professora Benta fez questão de nos mostrar a favela e algumas das famílias que estão a ser ajudadas. Assim, no final da tarde fomos conhecer as famílias e as habitações de três das crianças que frequentam a escola: do Calvin e da Mo e do seu irmão "baby". Ambas são mães de 6 filhos e a mãe do Calvin já está à espera de mais um rebento. 



Sorrisos destes fazem mover o mundo, especialmente o meu. Saí de Kibera com a mochila mais leve mas cheia de comoção. E, apesar de me ter tentado conter, no momento da partida não consegui evitar verter uma lágrima pelo canto do olho.





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