Lanzarote, entre crateras e camelos
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Lanzarote, entre crateras e camelos


Cáfila de dromedários passeando pelo Parque Timanfaya

         As Ilhas Canárias são o tipo de lugar cujos conceitos levam a nossa imaginação na direção errada. Em primeiro lugar, poucos saberiam dizer com precisão sua localização: estas sete ilhas se situam na costa atlântica africana, estando a ilha mais próxima a meros 95 quilômetros do Marrocos. Segundo, pertencendo à região da Macaronésia, alguém poderia dizer que as Canárias são italianas; na realidade, são uma região autônoma da Espanha, distante 1.400 quilômetros. Terceiro, quem já leu meus posts anteriores sobre outras visitas à Macaronésia (abordando as lindas ilhas da Madeira e do Arquipélago dos Açores) pode imaginar que as Canárias possuem uma vegetação exuberante - mas a maioria das suas ilhas é semidesértica. Quarto, o nome do arquipélago não tem nada a ver com os passarinhos amarelos, sendo a denominação das Canárias alusiva a latidos caninos ouvidos pelos navegantes que por lá passaram.

As sete Ilhas Canárias diante da África

         Pertencendo politicamente a um país europeu mas se localizando rente à África, qual seria o aspecto das ilhas canárias? Embarquei com esta curiosidade e a resposta varia com a ilha. Das sete ilhas existentes, três são mais visitadas por turistas - Tenerife, Gran Canária e Lanzarote. Pelo que li, não me interessei pela Gran Canária, e por isso estive somente nas outras duas. Tenerife tem um jeitão mais espanhol na capital e cidades históricas, enquanto Lanzarote possui alguns aspectos africanos.

Forte de São Gabriel, em Arrecife

         Para chegar às Canárias, se pode embarcar nos inúmeros cruzeiros que as visitam; a desvantagem é que dedicam poucas horas de estadia em cada ilha, um desperdício. Por avião, pode ser feita conexão na Espanha ou escolher algum dos voos low cost que ligam as Canárias ao restante da Europa. Fiquei quatro noites em Tenerife e duas em Lanzarote, o que se provou satisfatório, e viajei de uma para outra num turboélice da Binter Canárias, a companhia de aviação local. Estávamos no final de outubro, um mês antes da época da invasão por hordas de turistas nórdicos e germânicos, que escapam do inverno gelado europeu, visando se queimar nas praias canárias.  Mesmo avançando no outono, a temperatura andou na casa dos 30 °C em Lanzarote.

Arrecife vista do Forte de São Gabriel

      Vamos começar nosso relato pela ilha de Lanzarote, a mais oriental e uma das mais desérticas das Canárias. Lar do escritor português  José Saramago nos seus anos derradeiros, Lanzarote é conhecida pelas Montanhas de Fogo, um espetacular conjunto de vulcões ativos numa paisagem para lá de exótica (a ilha possui mais de 300 crateras). Contrariando o que faz a maioria dos turistas, que se hospedam em resorts ao longo da costa, fiquei na capital, Arrecife, já que o meu interesse era passear pela ilha.  Consegui no hotel Lancelot, um ótimo quatro estrelas, uma diária que foi uma pechincha. Como tinha um dia e meio na ilha, dediquei o restante do dia de chegada a conhecer Arrecife, e para o dia seguinte, reservei no hotel um tour de dia inteiro que juntou os dois principais roteiros turísticos, para o sul e norte da ilha - a outra opção seria alugar um carro; ao contrário de Tenerife, o transporte público é raro ou inexistente para vários pontos de interesse.

          Arrecife é uma pacato porto de 60.000 habitantes com quase todas as casas brancas, o que confere um aspecto bem monótono à paisagem. A proximidade com a África é tão grande que esporadicamente a capital recebe a calima, a areia quente em suspensão que os ventos trazem do Saara. Reducto, sua principal praia bem em frente ao hotel, não tem grandes atrativos. Um local de interesse é o Forte São Gabriel, ligado à terra por duas pontes e de onde se obtém as melhores vistas para a cidade. Construído em 1574, tinha a nobre missão de defender a área dos corsários africanos e europeus que tentavam saquear Lanzarote.  Outro castelo na praia, San José, do século XVIII, abriga um museu com arte moderna de Miró e outros pintores ibéricos. O melhor foi o passeio pela calçada da praia, quando ouvi várias vezes pessoas conversando em árabe, o que confirma a grande imigração oriunda de países saarianos nos últimos anos. Era um domingo, e com exceção deste calçadão, a cidade estava literalmente deserta. Para comer, o charco de San Ginés tem diversos restaurantes à sua volta. 

A íncrível paisagem das Montanhas de Fogo no Parque Timanfaya

Água voltando à superfície sob a forma de gêiser em El Diablo

       A excursão de dia inteiro, chamada de "Gran Tour" é ótima e imperdível. O ônibus inicialmente recolheu os turistas nos balneários de Puerto del Carmen e Costa Teguise, o que me permitiu conhecer estes resorts. Em seguida partimos para o lado sul da ilha, o mais interessante e exótico. Para começar, adentramos o Parque Nacional Timanfaya, onde ficam as fantásticas Montanhas de Fogo. Foi aqui que por seis anos seguidos dezenas de vulcões explodiram a partir de 1730, jorrando 48 milhões de m³ de lava por todo lado e transformando meia ilha em uma paisagem lunar diferente de tudo que já vi. Foi um dos maiores cataclismos da história. Visita-se o local conhecido como "El Diablo", onde gravetos colocados em buracos se incendeiam e a água neles jogada volta segundos depois sob a forma de um gêiser fumegante. A poucos centímetros da superfície a temperatura já chega a 100 °C. O restaurante em formato circular no local é uma obra de César Manrique, o arquiteto nascido em Arrecife e morto em 1992 cujas obras espalhadas pelo arquipélago encantam locais e forasteiros.

Os dromedários prontos para nos levar no passeio

         Após passarmos por mais paisagens de tirar o fôlego, com os vulcões formando tonalidades infinitas de marrom e laranja, chegamos ao programa mais ansiado do dia - o passeio de camelo. Na realidade, eram dromedários, por terem uma única corcova, e fêmeas, que são mais mansas. Eu imaginava que as pessoas poderiam cair do alto da corcova, mas isto não aconteceu simplesmente porque ninguém subiu nas corcovas - um cesto duplo era amarrado na garupa de cada animal, e portanto não estávamos propriamente sobre eles e sim nas suas laterais. Mesmo assim alguns turistas se assustam com os primeiros solavancos quando o dromedário se levanta já com os cestos ocupados para o início da jornada. As pessoas são divididas de acordo com o peso para que o animal não penda para um dos lados. O passeio durou meia hora, com os dromedários sendo conduzidos em uma longa caravana, amarrados um ao outro. O que achei? Surreal e sacolejante. Certamente foi um passeio bem diferente, onde pudemos apreciar de perto as formações vulcânicas. A meia hora foi o tempo ideal para o percurso pela paisagem desértica - mais teria sido enjoativo.

Apreciando a paisagem desértica de Lanzarote no meio da caravana

          Depois dessa experiência ímpar, passamos pela praia de El Golfo, local de gravação do filme "Abraços Partidos", de Almodóvar. Pouco tocada pelo homem, lá existe ainda uma lagoa de um tom verde-abacate em contraste ao mar de lava negra que a rodeia. A cor é resultado das algas lá existentes.

A praia de El Golfo

       No almoço incluído no preço do tour, pude provar o prato típico do arquipélago, as papas arrugadas, pequenas batatas cozidas na casca que acabam encolhidas e enrugadas, acompanhadas do molho típico em duas variedades, vermelho picante e verde menos picante. Apesar de eu ser um "batatólatra" convicto, não me agradaram.

Vinhedo em La Geria

         À tarde, alcançamos La Geria, um vinhedo construído de forma surpreendente sobre a lava, onde se experimenta o vinho característico da região, o Malvesia. Rumamos então para um mirante no ponto culminante de Lanzarote, para chegarmos então ao seu lado norte. A última atração do dia foi Jameos del Agua, considerada a obra-prima de César Manrique. É uma sucessão de cavernas formada pela lava, que avança pelo mar e cuja entrada foi totalmente decorada e incrementada por Manrique, incluindo um hall para concertos de ótima acústica para 600 espectadores. O visual é bem moderno para a década da construção, os anos 60, e o guia Lonely Planet compara o lugar a um covil de vilão de filme de 007, uma ideia que seria interessante. Pode-se visitar o trecho inicial da caverna, com um lago azul onde vivem minúsculos caranguejos brancos cegos que normalmente só são encontrados no mar. No local existe ainda uma exposição sobre vulcões.

      O ponto negativo do tour foi ter passado sem parar pelo Jardim de Cactus (claro, outra obra de Manrique), que contém mais de mil variedades da planta típica da área.

Entrada da caverna de Jameos del Agua (no fundo da foto, atrás da piscina)

       No próximo post, continuamos o relato da viagem às Ilhas Canárias com a diversificada ilha de Tenerife.


Para conhecer as demais maravilhas da região da Macaronésia além das Canárias, acesse:
  • Açores, um paraíso perdido no Atlântico
  • Ilha da Madeira - muito mais que a produção de vinhos

Outros posts sobre as Canárias:
  • Tenerife, a ilha do sol eterno
  • As cidades históricas de Tenerife



  Postado por  Marcelo Schor  em 28.03.2013  



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