Dormir aos pés do Glaciar Eqi
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Dormir aos pés do Glaciar Eqi



Uma das diferenças do norte da Gronelândia em relação ao sul é que, regra geral, os glaciares são muito mais difíceis de serem abordados. Como o glaciar de Ilulissat só pode ser observado do ar, resolvemos aproximar-nos mais de outro glaciar, mais a norte, o glaciar Eqi. 
Este também liberta gelo e icebergues, embora numa escala muito menor do que o de Ilulissat. No entanto, é possível observá-lo de perto, a partir do barco, ou de terra. Assim, fomos de barco em direcção ao norte, viajando cerca de 60 km pela baía de Disko e depois pelo fiorde de Ikerasak, que separa o continente da península de Alluttoq. A viagem demora 5 horas pois o barco é lento, mas dá para admirar com mais pormenor a paisagem, embora o céu nublado e o frio não ajudam ao convite a ir ao exterior do barco. 



O mar nos fiordes é sereno e de vez em quando os olhos fecham-se, mas o rebuliço dos turistas a admirar a paisagem não deixa margens para dúvidas: esta não é altura para dormir!


No final do fiorde, encontramos finalmente a face do glaciar Eqi. Com uma frente de aproximadamente 3 km de comprimento e uma altura acima de água que atinge 80 m, é um gigante à escala humana, difícil de descrever. Um segundo barco que seguia à nossa frente, e que se posicionou um pouco mais perto da parede de gelo, permitiu ser a escala que era necessária nas fotos, de modo a ter-se uma ideia melhor das dimensões do glaciar. 


Ainda assim, é apenas uma pequena língua de gelo que desce do enorme manto de gelo que cobre 80 % da superfície da Gronelândia, ou seja, equivalente a 20 vezes a área de Portugal continental. 



Estamos parados 2 horas em frente ao glaciar. A beleza do local é hipnotizante mas, mais do que isso, o glaciar revela-se como fenómeno dinâmico, interagindo com a água e a paisagem circundante. O verão, com o consequente aumento da temperatura do ar e da água, levam a um maior degelo e fractura do gelo. 


Longe da linha de água, o gelo derrete e alimenta com água os fluxos que lubrificam o glaciar e mais tarde desaguarão no fiorde. No contacto com a água, o gelo perde estabilidade, fractura, desmorona e cai sobre as águas. A pressão enorme a que o gelo está sujeito (assim como o ar que nele está aprisionado), decorrente de anos e anos de compactação e compressão, é finalmente libertada, e quando o gelo quebra é como se estivéssemos sob uma tempestade, com o som dos trovões a ribombar nos nossos ouvidos, a trepidação sentida nos nossos corpos, e as ondas que depois se formam balouçando o nosso barco. É uma sensação única estar ao lado de um fenómeno natural desta grandeza. 



Por fim, o barco afasta-se e dirige-se à margem. Nós ficaremos aqui por uma noite, num acampamento designado por Eqi Ice Camp, alojados numa cabana de madeira, cuja frente envidraçada nos permite deitar na cama e olhar para o glaciar. Maravilhoso!


Nesse mesmo dia, e aproveitando que não chovia (que se previa para o dia seguinte), fizemos um trek à moreia lateral que agora se adianta à frente do glaciar e separa (quase por completo) um lago do fiorde. Para lá, demos a volta ao lago e subimos à moreia. Mais uma vez, permanecemos em silêncio, ouvindo apenas os sons emitidos pelo glaciar, e tentando absorver aquela beleza. 



No caminho de regresso, resolvemos vir pela moreia adiante, confiantes que o caminho podia ser feito, mas conscientes que a água da lagoa, alimentada por um ribeiro e uma queda de água, teria de sair para o mar de alguma forma... Caminhamos sobre pedras e mais pedras, testemunhas silenciosas de onde o glaciar já andou e do seu poder de transporte e deposição de material. 


No fim da moreia vimos o que temíamos: uma abertura deixava passar a água da lagoa para o mar. No entanto, as inúmeras pedras no local permitiram-nos saltar de pedra em pedra até chegar ao outro lado. Tivemos sorte que a maré estava baixa e o nível da água não cobria as pedras... Caso contrário, teríamos de fazer todo o caminho para trás e ou então nadar! Felizmente tudo correu bem, mas os níveis de adrenalina subiram!




Regressados ao acampamento, cozinhamos o jantar e fomos descansar, iluminados pela noite sem escuridão que ainda se faz sentir por aqui. Afinal tínhamos chegado ao ponto mais setentrional da nossa viagem: 69°, 46ˈ N! Mas o desejo de ir mais para norte ficou...



Durante a noite, o vento forte e a chuva fizeram-se sentir mas estávamos confortáveis na nossa cabana virada para o glaciar. Gostamos do contacto com a natureza ao acampar e dormir na nossa tenda, mas o conforto de uma cama e de um ambiente aquecido, num local tão inóspito, também não é má ideia... Que o diga a empresa que explora as cabanas!


De manhã, o tempo continuava mau. Sendo assim, pusemos de parte mais caminhadas, tomamos o pequeno-almoço e voltamos para a cama, aproveitando as vistas deste local fantástico enquanto podíamos. às 12.00h, fizemos o check-out e às 14.00h o barco atracou para nos levar de volta a Ilulissat. 


Há muitas formas de apreciar as paisagens de gelo, glaciares e icebergues, e esta é definitivamente uma que nós recomendamos! Dormir com o glaciar Eqi aos nossos pés foi assim, não só o ponto mais a norte da nossa viagem, mas também um dos pontos altos da nossa aventura por terras gronelandesas. 





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