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A Bedford Tower, vista do pátio do Castelo de Dublin, e o portão com a Estátua da Justiça |
Além do Trinity College, cuja visita descrevi na primeira parte deste relato, a outra grande atração histórica da cidade é o Castelo de Dublin, localizado na área do extinto lago negro, que é o significado da palavra gaélica Dubhlinn. O Castelo, situado a quatro quadras a oeste da Universidade, teve sua primeira versão erigida em 1204 pelo rei inglês John, pois Dublin já havia sido conquistada dos vikings pelos normandos há algumas décadas. Desde então, o Castelo se tornou o centro governamental da ilha e cumpriu esta missão até a independência irlandesa. Suas instalações serviam de residência para os vice-reis da Irlanda, e foi também aqui que o governo inglês assinou o reconhecimento da independência.
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A Tower Record, vista de fora do Castelo |
Um incêndio em 1684 fez com que o castelo fosse reconstruído como um palácio, substituindo a aparência de fortaleza. Pouca coisa resta da época da fundação, incluindo a Record Tower, de 1226. Não por acaso esta é a única parte do castelo que, vista do seu pátio interno, realmente lembra um prédio com esse nome. Situada ao lado da Prefeitura, a entrada principal do pátio, é encimada pela Estátua da Justiça, que está de frente para o pátio (e consequentemente para a antiga sede do governo) e de costas para a cidade, sendo portanto alvo de muitas piadas pelos irlandeses ao longo das décadas. Do pátio pode-se perceber a mistura de estilos das construções no castelo, identificando as diversas fases da sua existência.
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Um desenho mostrando como era a fortaleza na época medieval. A Record Tower é a da esquerda superior |
Conhecida como State Apartments, parte do interior suntuoso do Castelo pode ser visitada com entrada pelo pátio. Percorre-se os salões, como a Throne Room (com o trono real) e a Portraits Gallery. O St.Patrick's Hall, dedicado ao padroeiro da Irlanda, é enfeitado por um afresco no teto que conta passagens históricas. O salão abriga cerimônias oficiais até hoje e é aqui que todos os Presidentes da Irlanda são empossados. Nessas ocasiões o Castelo é fechado. Sinceramente, não achei que o passeio pelos State Apartments valha o preço do seu ingresso, mas o Castelo de Dublin merece ser inserido no roteiro pela vista externa e gratuita obtida do pátio.
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O St. Patrick's Hall no Castelo de Dublin |
A seguir fui conhecer a Christ Church, também chamada de Catedral da Santíssima Trindade. Situada bem perto do Castelo, é uma das duas igrejas mais famosas de Dublin; a outra é a Catedral de St. Patrick. Primeira igreja de Dublin, erigida em 1028 em madeira, a Christ Church foi reerguida em pedra em 1172 por Strongbow, o conquistador normando que tomou Dublin dos vikings em nome dos ingleses. Dentro da igreja existe inclusive uma tumba em homenagem a Strongbow.
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A Christ Church |
A última atração que visitei no dia se encontra um pouco afastada do centro, a oeste da cidade. Trata-se da Kilmanhaim Gaol ("gaol" é a grafia britânica da palavra "jail", se aproximando desta forma da sua origem latina, de onde também saiu a palavra portuguesa gaiola). Na realidade, existem dois prédios com o nome de Kilmanhaim, o Hospital e a Prisão. O Hospital é um prédio de 1681 que hoje abriga o Museu de Arte Moderna da Irlanda, e uma aleia comprida e bem bonita que passa pelos jardins do atual museu liga os dois complexos, sendo o melhor caminho até a Prisão para quem salta do bonde, como eu fiz. O ônibus 79A é uma alternativa mais prática, parando bem mais próximo.
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A ala nova da Kilmanhaim Gaol, com as celas dispostas por quatro andares |
A visita guiada pela Kilmanhaim Gaol, um prédio feio e cinzento no lado de fora, foi um dos passeios mais interessantes que fiz em Dublin. Lembrou-me a visita a Alcatraz, o presídio em frente a San Francisco. Ao percorrermos os corretores da prisão desativada desde 1924, vamos aprendendo um pouco mais sobre a história da Irlanda e ouvimos alguns casos curiosos sobre os detentos. Descobrimos por exemplo que, durante a Grande Fome que ocorreu a partir de 1845, os dublinenses optavam por furtar alguma coisa para serem detidos e terem o que comer na prisão. Visitamos tanto a ala antiga quanto a nova do presídio, que era considerado um modelo em termos de alojamento para presos pela ampla ventilação. Com sua arquitetura sui-generis, Kilmanhaim foi cenário de vários filmes, incluindo Um Golpe à Italiana, Em Nome do Pai e Michael Collins (por sinal um dos raros revolucionários irlandeses da sua época que nunca esteve encarcerado lá).
Kilmanhaim está muito ligada ao movimento para a Independência da Irlanda. Foi aqui que ficaram presos os líderes do Levante da Páscoa de 1916, que foi sufocado pelo governo inglês. Passamos pelas celas pequenas e lúgubres onde permaneceram, na ala velha. Foram fuzilados no pátio da prisão (também visitado), incluindo aqueles que ainda estavam muito feridos devido à Revolta. Essa brutalidade gerou grande insatisfação na população, que não tinha apoiado a Revolta, e foi um dos pontos de virada de opinião pública rumo à independência alcançada em 1921. O fuzilamento também gerou a história mais comovente contada pela guia: um dos condenados se casou com sua amada na capela da prisão instantes antes de ser morto.
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O Memorial à Grande Fome no St. Stephen's Green |
Já que mencionei a Grande Fome, este triste evento foi causado por uma doença na plantação de batatas, a principal fonte de sustento da população na época. Durou cinco anos e foi a responsável pela morte de um milhão de irlandeses e a emigração para a América do Norte de 1/4 da população remanescente da Irlanda nos anos seguintes. Um dos memoriais mais interessantes que lembram a tragédia se localiza no St. Stephen's Green, um lindo parque no final da Grafton Street, a rua principal de pedestres de Dublin. O St. Stephen's me fez recordar os parques londrinos e estava repleto de gente no final da tarde ensolarada de primavera. Nas cercanias do parque se encontram as afamados prédios em estilo georgiano de Dublin, com suas portas características coloridas.
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O St. Stephen's Green |
Aliás, foi nesta rua que paguei mico procurando a estátua que é um dos ícones de Dublin, Molly Malone, personagem de uma canção que se tornou o hino não oficial da cidade. Os guias de viagem apontavam que a estátua ficava na Grafton, mas nada de eu achá-la. Perguntei à recepcionista do hotel e ela confirmou, marcando no mapa inclusive a localização exata. Mesmo assim, nada de vê-la. Saí de Dublin rumo a Malta sem a solução para o enigma. Quando estava escrevendo este post me lembrei do caso e fui pesquisar na internet: a estátua tinha sido removida e foi reinaugurada um mês depois em nova localização, em frente ao Escritório de Turismo. Quem sabe numa próxima visita finalmente consigo conhecer a vendedora de peixes mais famosa de Dublin?
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Molly Malone, a estátua que não vi, ainda na localização original - fonte: commons.wikimedia Wilson44691 |
Postado por Marcelo Schor em 25.05.2015
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