Quando, em 17 de Abril de 1975, os Khmers vermelhos entraram em Phnom Penh, foram recebidos como libertadores da pátria e depositantes da esperança de uma população farta de sofrimento e guerra. Mas as intenções do partido liderado por Pol Pot, educado em Paris na tradição marxista-leninista e inspirado na revolução maoista, eram outras... Nos quase 4 anos seguintes, o Cambodja seria palco de uma das mais sangrentas e insanes revoluções conhecidas na história do mundo. Todas as ligações com o passado tinham de ser cortadas, uma nova sociedade construída a partir do zero. O objectivo seria, no final desse processo, transformar o Cambodja num país dominado por um partido único em que a maioria da população seria constituída por camponeses trabalhando para uma imensa cooperativa agrária. Em pouco tempo, as diferenças de classe desapareceriam, a produção de arroz triplicaria e o Cambodja seria um exemplo para o mundo de uma sociedade "sem opressores nem oprimidos". Claro que para chegar a este objectivo, há que fazer alguns sacrifícios e eliminar alguns obstáculos...
Nas primeiras 48 horas depois da tomada da capital, a população de Phnom Penh e das principais cidades foi forçada a marchar para os campos, onde trabalhariam como escravos 12 a 15 horas por dia. Qualquer tipo de desobediência teria como consequência mais provável a execução imediata. 1975 foi declarado o Ano Zero: a história começava aí; o passado tinha de ser esquecido. Todas as principais figuras do governo, administração pública e militar foram sumariamente executados. O dinheiro foi abolido e os serviços de correios suspensos. A propriedade privada deixou de o ser, as escolas e os mercados fecharam e foi instaurada uma espécie de estado marcial, em que as pessoas não tinham liberdade de movimento no seu próprio pais.
Foram enviadas forças para as regiões que, antes do final da guerra civil, tinham pouca implementação dos khmers vermelhos, com a missão de "purificar" a população. Qualquer pessoa que fosse denunciada como sendo "inimiga da revolução" era deportada para regiões remotas do país, onde a morte era o destino mais provável, e em alguns casos mais desejado. Os laços do quotidiano tinham de ser cortados para os indivíduos poderem dedicar a sua vida a pátria: as pessoas eram afastadas dos seus familiares, dos seus campos, da sua fé. O budismo foi abolido, a maioria dos mosteiros destruídos e milhares de monges foram mortos.
Pol Pot raramente aparecia em público, dava raras entrevistas a cadeias de televisão estrangeiras e só emergiu como mentor da revolução no final de 1977, após uma visita a Pequim. As ligações dos khmers vermelhos aos vietcong foram escondidas e renegadas, sendo as facções comunistas mais moderadas perseguidas sem misericórdia, levando a um êxodo de pessoas das regiões a leste para o Vietname. O regime khmer reivindicava o delta do Mekong como parte integrante do antigo império e, como tal, a zona fronteiriça entre o Cambodja e o Vietname passou a ser um campo de batalha, em que os khmers vermelhos realizavam ataques frequentes para lá da fronteira, massacrando indiscriminadamente todos os civis que encontravam.
A situação foi-se agravando até que, em 25 de Dezembro de 1978, o Vietname lança uma invasão em grande escala no Cambodja. Internamente, o país estava destroçado e o regime estava podre. Os vietnamitas tomariam Phnom Penh duas semanas depois. Pol Pot e os seus seguidores mais próximos tomariam refúgio junto da fronteira com a Tailândia. Os vietnamitas, com 200.000 militares no terreno, implantaram um novo regime, que lentamente tentaria recuperar o país do pesadelo.
Mas, enquanto a população traumatizada percorria o país aos milhões, procurando os seus familiares, a colheita do arroz não foi feita e pouco foi plantado, levando a um período de fome generalizada no país nos anos de 1979 e 1980. Por incrível que pareça, os khmers vermelhos continuariam a ter assento nas Nações Unidas até 1991 (!), uma vez que a China e os EUA (e seus aliados) se opunham a "invasão" vietnamita. Durante os anos 80, os khmers vermelhos continuaram a receber ajuda não-oficial da Tailândia e dos EUA para combaterem os vietnamitas do Norte. Apesar de estarem restritos a uma pequena zona fronteiriça, continuaram a praticar actos de guerrilha, até que as forças vietnamitas conseguiram empurra-los para lá da fronteira.
Em 1989, com os ventos de mudança que sopravam da URSS, os vietnamitas retiraram as suas tropas, o estado do Cambodja renegou o Marxismo-Leninismo, tendo o rei Sihanouk sido coroado pela segunda vez e um governo de coligação tomado posse. Mas foi apenas a partir de 1998, com a morte de Pol Pot e o colapso dos khmers vermelhos, que se atingiu alguma estabilidade política e que o país se abriu ao investimento externo e ao turismo, ou seja, a uma economia de mercado.
Não é conhecido o número de pessoas que morreram durante o reino de terror dos khmers vermelhos. Estima-se que entre aqueles que foram executados e aqueles que morreram de fome, doença ou exaustão, o número se situe entre os 2 a 3 milhões de pessoas. Esperemos que a sua morte não tenha sido em vão e que este país martirizado consiga, daqui para a frente, construir um futuro melhor. É, por esta realidade ser um pesadelo difícil de acreditar para aqueles que por ele tiveram de passar e quase impossível de imaginar para alguém que lê sobre estes acontecimentos como sendo parte da história de um país distante, aconselho vivamente o visionamento do filme "Terra Sangrenta" (no original "Killing Fields"), baseado nestta história verídica.
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