Apesar do título do nosso blog ser "Rota dos Maias 2012", a verdade é que o nosso percurso abarca quase toda a Mesoamérica, ou seja, uma zona geográfica cujos habitantes partilhavam uma cultura semelhante, antes da chegada dos espanhóis. Esta área estendia-se pelo o que são hoje o México central e do sul, Belize, Guatemala, parte das Honduras e El Salvador (na nossa viagem só fica de fora o último!).
Apesar de alguns aspectos culturais dos inúmeros povos mesoamericanos serem diferentes (como, por exemplo, as línguas e costumes), existiu uma base civilizacional comum, tendo por base a estrutura social e a "visão do mundo" a ela associada, sendo as crenças religiosas o "barro" que unia esta estrutura. De acordo com estas, o universo era regido por uma hierarquia de deuses, cada um com a sua função, que permitiam o funcionamento harmonioso do cosmos, facto essencial ao equilíbrio da natureza em geral, e da espécie humana, em particular.
Além dos deuses da Terra, da Água e do Fogo, que formavam o conjunto de deuses mais ancestrais, foi surgindo ao longo dos tempos uma grande quantidade de novos deuses, relacionados com os corpos celestes, o calendário, as diferentes fases da vida humana, aspectos do quotidiano, etc. A adoracao destes deuses tinha uma forte componente baseada no temor daquilo que poderia acontecer se eles nao o fossem. Assim, mesmo quando um povo era conquistado por outro, os deuses adorados pelos primeiros passavam a ser comuns com os segundos, e vice-versa. Algumas vezes, apenas mudava o nome utilizado para designar a divindade, mas por vezes as qualidades e especificidades do Deus poderiam alterar-se.
Quetzalcoatl é o exemplo por excelência. Pensa-se que será um Deus originalmente adorado pelos olmecas, mas o seu culto propagou-se para a civilização tolteca, maia (onde era chamado Kukulcan) e asteca. O seu nome compõe-se, na língua náhuatl (uma espécie de língua franca de boa parte da mesoamérica), de quetzal, uma ave colorida, e coátl, que significa serpente (mas que também pode ter outros significados como gémeo ou duplo). Em português, é normalmente traduzido por Serpente Emplumada.
Existem diferentes interpretações da função deste Deus, pelos diferentes povos que o adoraram, mas é sem dúvida um dos mais importantes do panteão mesoamericano, sendo em alguns casos encarados como um dos deuses criadores da humanidade e, como a divindade tem tanto uma função destruidora quanto criadora. também era o gémeo/antagonista do Deus Tezcatlipoca, Deus da destruição.
E é nas ruínas de Xochicalco, 40 km de Cuernavaca e localizada numa colina, proporcionando vistas magníficas dos vales e montanhas em seu redor, que podemos também admirar das mais belas representações da Serpente Emplumada, numa pirâmide desenterrada em 1777, parcialmente reconstruída e ainda hoje alvo de restauros, como podemos observar aquando da nossa visita.
Uma importante cidade-estado, florescente entre 700 a 900 d.C., Xochicalco entrou em declínio com o aparecimento dos toltecas na região. Mas o culto da serpente Emplumada era mais forte que guerras e invasões. Culto antigo, como se pode observar nas ruínas de Teotihuacan e no Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México, estava habituado a sobreviver e os toltecas também adoptaram Quetzacoatl como uma das suas principais divindades.
É curioso notar que, tal como em muitas outras culturas, os réis adoptavam para si o carácter divino dos deuses que adoravam e um dos exemplo mais conhecidos é o do rei tolteca de Tula, e principal sacerdote de Quetzalcoatl, Ce Acatl Topiltzin. Segundo a lenda, Topiltzin viu-se ao espelho e tendo vislumbrado o rosto de Tezcatlipoca, envergonhou-se, começou a usar barba e posteriormente uma máscara. Ludibriado pelos apoiantes de Tezcatlipoca (e pelo próprio Deus!), Topiltzin embriagou-se e quebrou o seu voto de castidade. Ostracizado, foi expulso de Tula, tendo migrado com os seus súbditos para a região do Iucatão, onde (ainda segundo a lenda) foi reconhecido como um grande chefe guerreiro, criou a liga de cidades-estado de Mayapan e conquistou Chichen Itzá.
De acordo com outra lenda, Topiltzin terá embarcado na costa do Golfo, numa jangada de serpentes e terá partido em direcção a Oeste, prometendo que voltaria um dia para reclamar o seu trono. Esta lenda, curiosamente, está relacionada com a conquista espanhola, pois Moctezuma, o rei asteca, terá acreditado que o barbudo Hernán Cortés, desembarcado na costa do Golfo em 1519, seria o esperado Topiltzin! Ironicamente, a verdade é que o espanhol trouxe a guerra novamente para a Mesoamérica, reclamando um novo reino para si e para a família real espanhola, o Reino da Nova Espanha.
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