Talibes, um olhar vazio vindo do Senegal
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Talibes, um olhar vazio vindo do Senegal



Os talibes são uma das realidades mais negras e enraizadas na sociedade senegalesa. Os viajantes mais desatentos podem ser levados a pensar que as ruas de Dakar estão cheias de crianças mendigas, mas a realidade é muito mais cruel. Essas crianças, com aspecto sujo, olhar triste e vago, passeiam-se pelas ruas das cidades com uma lata vazia pedindo esmola. No entanto, os talibes não são verdadeiros mendigos ou crianças de rua. São muito mais do que isso.


Os talibes são estudantes das escolas corânicas senegalesas que foram enviados para as cidades pelas próprias famílias. A falta de recursos económicos das famílias e a dificuldade em frequentar a escola, faz com que muitas famílias enviem alguns dos filhos (essencialmente rapazes) para as grandes cidades e os entreguem aos cuidados de um mestre religioso islâmico - Marabu. Os marabus ensinam-lhes o corão durante parte do dia (normalmente ao final da tarde), mas no resto do tempo os talibes têm que percorrer as ruas em busca da própria comida, e dinheiro para entregar ao seu mestre religioso.


De acordo com a UNICEF, estima-se que existam mais de 100 000 talibes no Senegal, 50 000 dos quais em Dakar. Ninguém consegue ficar indiferente às dezenas de crianças que se vêem aglomeradas em estações de autocarros, cruzamento de estradas, etc. As crianças que integram estas escolas vêm das familias mais pobres e humildes senegalesas, mas muitos vêm também da Guiné Bissau e da Guiné Konacri.
Apesar do título “talibe” ser muitas vezes empregue como fonte de orgulho, a realidade é que muitas destas escolas não passam de instituições religiosas de exploração infantil. As crianças têm que pedir pela própria comida e todo o dinheiro recolhido tem que ser entregue ao Marabu, figura altamente respeitada nas comunidades locais, e se este não ficar satisfeito as crianças são punidas.


Mendigar faz parte da educação islâmica das Daaras, as escolas corânicas, que raramente não passam de barracos velhos e decadentes, onde centenas de crianças se aglomeram para dormir à noite. Face às situações de promiscuidade e falta de cuidados de higiene, estas crianças contraem várias doenças, nomeadamente tuberculose. Para além disso, são crianças altamente vulneráveis e frequentemente vítimas de abusos sexuais nas ruas e na própria escola. Segundo alguns relatórios da UNICEF, há abusos sexuais dentro das Daaras que são perpetuados pelas crianças mais velhas ou pelos marabus.


A situação dos talibes senegaleses agravou-se desde a década de 70, altura em que a seca assolou o país e o Senegal, maior produtor de amendoim do mundo, viu a sua produção reduzir-se fortemente e os preços mundiais cairem. A pobreza em grande escala assolou o país e os agricultores rurais não tinham dinheiro suficiente para alimentar todos os seus filhos (relembro que no Senegal em média cada mulher tem 5 filhos), decidindo assim enviá-los para as Daaras.


Nos últimos anos têm sido desenvolvidas várias campanhas para acabar com estas redes de exploração infantil no Senegal mas os trabalhos desenvolvidos até ao momento mostram resultados muito pouco satisfatórios. No Senegal, as Daara são vistas como escolas de tipo ascético com educação tradicional, como valorização do individuo na passagem para a vida adulta.



Esta foi mais uma triste realidade que os nossos olhos testemunharam. Infelizmente, como em tantas outras situações que já passamos, sentimo-nos impotentes e meros observadores. O olhar daquelas crianças é vazio e triste. Um olhar que parece que nos toca a alma. Já não via este olhar desde que estive na Índia. O mundo é mesmo um lugar estranho.  





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