Split e o Palácio de Diocleciano
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Split e o Palácio de Diocleciano



Cartaz na frente do Palácio mostra como era o imponente complexo à época de Diocleciano

           Situada numa península e segunda maior cidade da Croácia contando com 180.000 habitantes, Split é a capital da Dalmácia. A cidade recebe turistas com dois propósitos: conhecer o afamado Palácio de Diocleciano, Patrimônio da Humanidade pela Unesco, ou tomar os barcos que partem para as ilhas paradisíacas que se situam na sua costa. No nosso caso, ambas as assertivas eram verdadeiras, pois após passarmos duas noites em Split, seguimos por ferry para Hvar.

           Ficamos no único hotel de todo o roteiro cuja localização era afastada do centro, o Radisson, numa distância de quatro quilômetros. Para compensar, o hotel tinha uma excelente piscina interna para relaxar à noite e uma praia em frente. Praia no estilo europeu, com pedrinhas no lugar da areia. Cansado das andanças em Zadar, resolvi aproveitar as mordomias do hotel e só fui conhecer a cidade na manhã do dia seguinte, quando descemos do ônibus direto para o Palácio de Diocleciano.

A maquete exposta na Riva, com destaque para o conjunto ao centro formado pela Catedral e o Vestíbulo à sua esquerda

           Diocleciano foi imperador romano entre os anos 284 e 305 e ficou conhecido por implementar reformas e como perseguidor implacável de cristãos. Inovou ao abdicar do trono, fato inédito na história do Império Romano, e mandou construir um palácio nababesco na região onde nascera para passar lá os seis anos que restaram da sua vida. Diocleciano não economizou na construção do complexo, trazendo mármore da ilha próxima de Brač e até  esfinges e colunas de granito do Egito para enfeitá-lo. O palácio retangular à beira-mar tinha quase 900 metros de perímetro e continha tanto os luxuosos aposentos imperiais na parte da frente quanto instalações militares para a proteção dos seus ocupantes nos seus fundos. Contava com uma muralha de 25 metros de altura que o cercava com paredes de dois metros de espessura e 16 torres de vigilância.

A Riva e o muro do Palácio

           Porém menos de 300 anos após a morte de Diocleciano, o palácio já estava abandonado quando no ano 614 foi invadido por habitantes que fugiram da cidade vizinha de Salona, destruída e saqueada pelos eslavos (suas ruínas a cinco quilômetros de Split podem ser visitadas). O palácio foi transformado então numa autêntica vila. Com o passar dos séculos, as habitações ultrapassaram os limites do palácio, dando  origem então à cidade de Split. Hoje Split é conhecida pela sua indústria naval e como fonte da música pop croata. Paradoxalmente, tem uma característica inusitada: é uma das cidades mais conservadoras da Croácia. Quando a promenade à beira mar, a bela Riva, sofreu uma plástica radical em 2007, com a substituição do seu calçamento por pedras de mármore, houve uma reação forte da população.

Vista de Split a partir da torre do Campanário, com destaque para o trecho norte da muralha do Palácio

Vista da costa de Split a partir da torre do Campanário

     Em termos turísticos, a cidade gravita em torno do Palácio. Quem espera encontrar um palácio tradicional, vai ter uma surpresa. Da edificação original hoje restam somente a muralha, os porões e alguns prédios remanescentes. Mas é esta mistura da construções da época romana com casas de períodos mais recentes, muitas erguidas com pedras do próprio Palácio, que faz com que andar pelo Palácio de Diocleciano seja uma experiência tão fascinante. Colunas romanas espalhadas pelas ruas cheias de gente  convivem harmonicamente com bares, lojinhas e varais de roupa esticada em becos mais desertos. Ao contrário da maioria dos outros monumentos da época, que são simples ruínas ou foram transformados em museus assépticos, o Palácio é uma cidade viva e vibrante, como qualquer outro núcleo urbano. Em meados do século passado era uma área bastante degradada, mas mais recentemente sofreu uma revitalização e hoje se constitui num espaço agradável e interessante para perambular.

        O ônibus nos deixou pela manhã no calçadão fronteiro ao mar rente à muralha palaciana. A Riva, oficialmente chamada de "Costa do Renascimento Nacional Croata", é um ótimo ponto para aprendermos sobre o Palácio, pois separados por poucos metros estão um cartaz com um desenho mostrando o complexo na época romana e uma maquete em metal com a composição atual de toda a área (veja as fotos que abrem o post). A comparação é inevitável.

O Peristilo cheio de turistas, com a entrada do Vestíbulo e um trecho da muralha por trás, e os arcos da Catedral à esquerda

           Entramos no Palácio pelo Portão de Bronze, que dava direto para a água na época de Diocleciano e por isso não era protegido pelas torres de segurança da muralha. A partir do interior do Portão há um acesso aos salões do Porão do Palácio, cuja estrutura está conservada no subsolo, abrigando algumas exposições de arte. Após passar por uma galeria chegamos ao Peristilo, o antigo pátio e a área central aberta onde desembocam as ruas oriundas dos quatro portões de acesso, um em cada ponto cardeal da muralha e batizados com nomes de metais - Ferro, Bronze, Prata e Ouro. O lado da Catedral é adornado por seis colunas de granito ligadas por um arco. As pedras do local servem de arquibancada para uma parada estratégica para se apreciar a beleza do conjunto arquitetônico ou saborear uma bebida da cafeteria em frente.

A Catedral octogonal e o Campanário 

            O Peristilo dá acesso aos pontos-chaves preservados do Palácio (a entrada para o Batistério e o Campanário é paga) :
  • A Catedral de São Domnius cujo prédio em formato octogonal era originalmente o Mausoléu de Diocleciano - seu corpo sumiu menos de 200 anos após sua morte. A Catedral é cercada  por 24 colunas coríntias e sua entrada pelo Peristilo é ladeada por dois leões, além da bela esfinge negra do século XV a.C. da época da inauguração. No seu interior há uma pintura retratando Diocleciano e sua esposa Priscia.  Seu campanário é mais recente, erguido no século XII e remodelado em 1908 após ter ruído.
  • O Batistério, acessado por um beco, era originalmente o Templo de Júpiter. Suas principais atrações são o teto e a outra esfinge negra remanescente, decapitada, na sua entrada.
  • O Vestíbulo, onde os visitantes aguardavam serem recebidos pelo ex-imperador e hoje é uma câmara cuja cúpula circular desapareceu (comprove na foto da maquete acima).  Sua acústica é muito boa e lá assistimos a uma rápida apresentação de música típica da Dalmácia por cantores vestidos a caráter.
As colunas do arco na entrada da Catedral

Outro ângulo da entrada da Catedral

           Pode-se subir ao topo da torre do Campanário  para apreciar uma vista fantástica de Split. Lá fui eu subir os muitos degraus dos seus seis andares. O terço inicial da escadaria é relativamente tranquilo, apesar dos degraus serem muito altos e estreitos, o que dificulta a descida posterior. Após, a situação complicou um pouco - a escada se transforma numa estrutura de ferro vazada no estilo da Torre Eiffel que sobe em caracol pelo vão oco do Campanário. Como as paredes da torre também são vazadas, à medida que vai se subindo o olhar à frente ultrapassa o vão da escada e se depara com o vazio do ar externo e a cidade se apequenando embaixo. Certamente é uma escalada não recomendada para quem sofre de vertigem ou tem medo de altura. E depois dizem que vida de turista é fácil... Mas a vista compensa todo o esforço, englobando o Palácio, a cidade, o mar e os morros ao fundo.

As ruas do interior das muralhas do Palácio

O Portão de Prata, antiga saída oriental do Palácio

          Fora do Palácio, vale ainda a pena caminhar pelo restante da cidade medieval, a área entre o Portão de Ferro e a rua de pedestres Marmontova. Esta é a área para onde a cidade inicialmente se expandiu após extrapolar os limites do Palácio. A Praça do Povo (Narodni Trg) junto ao portão era o centro de atividade de Split na Idade Média, tanto que até hoje é apelidada de Piazza. Assim como sua homônima em Zadar, aqui ficam a Prefeitura e uma Torre da Guarda que possui um relógio na sua fachada.      
           
A Praça do Povo com a Torre da Guarda

        Uma curiosidade - a torcida do time de futebol de Split, o Hajduk Split, se chama... Torcida. Assim mesmo, como em português. Em 1950 torcedores de Split vieram ao Brasil prestigiar a seleção iugoslava na Copa do Mundo. No Rio, durante o jogo Brasil 2 x 0 Iugoslávia no recém-inaugurado Maracanã, ficaram tão entusiasmados com a alegria e apoio da torcida brasileira à nossa seleção que resolveram homenageá-la, se batizando com a palavra portuguesa. Trata-se da torcida organizada mais antiga da Europa. Hoje, o Hajduk é um dos dois times mais importantes da Croácia, junto com o mais famoso Dinamo de Zagreb, tendo ganho vários campeonatos croatas desde a independência em 1991.  É, a gente encontra laços com o Brasil onde menos se espera...

A tranquila praia de pedras em frente ao Hotel Radisson, em contraste total com a muvuca de Split

        No próximo post, damos uma escapulida de Split para visitar a cidade de Trogir, um Patrimônio da Humanidade com 2.300 anos de fundação.
             

* Este é o sexto post da série sobre  países da extinta Iugoslávia. Para visualizar os demais, acesse Atravessando os Bálcãs: Croácia, Eslovênia e Bósnia.



 Postado por  Marcelo Schor  em 27.08.2013 




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