Lunenburg, uma cidade preservada na Nova Escócia
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Lunenburg, uma cidade preservada na Nova Escócia


O porto de Lunenburg

      Uma cidade encantadora com arquitetura peculiar se encontra a apenas 92 quilômetros de Halifax, na costa da Nova Escócia. Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 1995, Lunenburg tem uma história também diferente. Em 1753, a população da Nova Escócia era constituída majoritariamente de acadianos, descendentes de franceses que ocupavam o interior da futura província. Apenas quatro anos após a fundação de Halifax, os colonizadores ingleses resolveram recrutar agricultores alemães para povoar a região de Lunenburg. A cidade foi toda planificada para ocupar uma península, com ruas em formato xadrez espalhadas por um aclive. Os terrenos não eram lá muito propícios ao cultivo; logo os imigrantes mudaram de atividade e passaram a se dedicar à pesca. Com o passar do tempo, as atividades marítimas se firmaram no sustento da cidade, incluindo a construção naval e o comércio. 

       Quando pesquisei sobre a cidade, li que os imigrantes protestantes seriam originários da cidade de Lüneburg e fiquei surpreso com a coincidência, pois já tinha visitado esse lugar pitoresco da Saxônia, que pagou um preço caro pela extração do sal (veja aqui o post). Mas durante o tour em Lunenburg fui informado que o nome se devia ao Duque de Braunschweig-Lüneburg, rei da Inglaterra à época sob o nome de George II, e que os colonos teriam vindo das regiões central e sul da Alemanha - Lüneburg fica perto de Hamburgo, no norte. Bem, escolham a versão que agrade mais...

Mapa no folheto distribuído pelo guia, com os quarteirões em xadrez da cidade histórica

       Muito depois de comprar a passagem aérea e de reservar o hotel em Halifax fui descobrir que, pelo menos na Nova Escócia, a primeira quinzena de junho ainda é baixa temporada - a alta engloba os meses de verão e outubro, época da folhagem de outono. Com isso, as ofertas de excursão eram mínimas, e não havia sequer uma linha de ônibus intermunicipal que interligasse as duas cidades. Achei uma única excursão pela Gray Line e reservei on-line (e era a primeira data disponível no ano!). A baixa temporada se confirmou no número de excursionistas - três. Ainda bem que a Gray Line não cancelou o tour pela baixa presença... O guia, como é comum na América do Norte um senhor já de barba branca, surpreendeu ao aparecer à moda escocesa: trajando o kilt, o saiote típico das Highlands. Diferentemente dos Estados Unidos, onde com frequência uma mesma pessoa faz o papel de guia e motorista, aqui havia outra pessoa dirigindo a van. O guia era excelente, muitos dos fatos que relatei no post sobre os naufrágios de Halifax foram relatados por ele durante o trajeto de volta. Partimos então com esse quorum reduzido num dia nublado, rumo à costa a sudoeste da capital. 

Quarteirão multicolorido na zona comercial da cidade histórica

         Quando chegamos a Lunenburg nos foi oferecida a opção de acompanhar uma guia local numa caminhada pelas ruas da cidade ou então seguir direto para o Fisheries Museum para visitar sua exposição. Claro que todos os três excursionistas preferiram a caminhada. A van então seguiu para o topo da cidade (lembrem-se, os quarteirões são em aclive) de forma a facilitar nosso percurso a pé e lá desembarcamos e encontramos nossa guia local. 

Academia de Lunenburg

         De cara já pudemos apreciar uma lindo casarão no topo do morro e fiquei surpreso ao ser informado que era a antiga escola da cidade, hoje transformada em conservatório de música. A Academia de Lunenburg é construída em madeira, como os outros prédios da cidade, e foi inaugurada em 1896, após o incêndio da anterior. Na posição estratégica que ocupa e visível a quilômetros de distância, impressiona bastante, parecendo uma mansão de alguma heroína solitária de livros de romance do século retrasado.

A casa azul é uma das mais antigas de Lunenburg

            Começamos a descer as ruas em ladeira apreciando o casario dos séculos XVIII e XIX. As casas na região mais alta são mais antigas e menores. À medida que vamos descendo rumo ao porto elas se tornam mais espaçosas. A variedade de cores com que as fachadas em madeira são pintadas, algumas em tonalidades bem vivas, dão um aspecto único ao cenário de Lunenburg, fazendo com que se pareça bastante com algumas cidades nórdicas, como Bergen e Reykjavik. Aliás, a Islândia fica muito mais perto da Nova Escócia do que se pensa, o voo direto entre Reykjavik e Halifax leva somente quatro horas e meia.

A Igreja Luterana de Lunenburg

          Quanto mais descíamos, menos deserta parecia a cidade, já que os turistas costumam se concentrar nos quarteirões próximos ao porto. Um aspecto curioso é que Lunenburg, com cerca de 2.900 habitantes, possui oito igrejas. Três dessas igrejas chamam a atenção, cada uma dedicada a uma fé protestante diferente, sempre com belas fachadas brancas. Duas estavam no nosso caminho, a Igreja Luterana, um prédio gótico imponente de 1890, e a Igreja Presbiteriana de St. Andrew, cuja característica mais extravagante é o seu catavento no topo da torre, que consta de um bacalhau de bronze, homenageando o codinome de Lunenburg, "Capital canadense da Pesca". 

A pacata Townsend Street com a Igreja de St.Andrew encimada por um bacalhau

      Mas sem dúvida a mais interessante é a maior, a Igreja Anglicana de St. John, que ocupa um dos quarteirões centrais reservados no planejamento original aos prédios públicos da cidade (como se pode ver, esse plano era bem avançado para a época). Segunda igreja anglicana construída na Nova Escócia, teve o prédio gótico inaugurado em 1763.  É engraçado notar que, pela estreiteza de seus pináculos, a igreja sob determinados ângulos parece ser bidimensional, como só existisse a fachada, que nem cenário de filme de Hollywood. 

A bela Igreja de St. Paul

       A edificação foi ampliada ao longo do tempo,  até sofrer um incêndio em 2001 que a danificou bastante. Sua restauração levou quatro anos. O sino que badalou no alto da torre durante 187 anos ficou imprestável com o fogo e hoje jaz num monumento na praça em frente à igreja.

O sino na praça

       Chegamos então à zona do porto, que também é a área comercial, onde se situam as lojas e os restaurantes, a maioria especializados em frutos do mar - na Nova Escócia até o Mc Donald´s se rende à fartura de lagostas nas Províncias Marítimas do Canadá, oferecendo um inusitado sanduíche Mc Lobster.  A guia local se despediu e nos deixou livres para almoçar e passear por conta própria até a hora de saída da van.

Vista do quarteirão junto ao porto...

... e o mesmo lugar da posição oposta

        Um monumento junto ao mar me chamou a atenção. O Fishermen's Memorial homenageia pescadores que pereceram em naufrágios nos últimos 125 anos. Inaugurado em 1996, é constituído por oito colunas de granito preto sobre uma bússola desenhada no chão, preenchidas com os nomes das vítimas.  Dada à natureza marítima das atividades em Lunenburg, era óbvio que haveria centenas de nomes homenageados, especialmente nos anos mais antigos, mas me surpreendi com três entradas colocadas após a inauguração do monumento, correspondentes a 2013 e 2014!

O Memorial aos Pescadores Mortos, à beira-mar

        O porto é o coração das atividades econômicas em Lunenburg. Os habitantes são especialmente orgulhosos da  construção naval, onde o ícone maior é o Bluenose, um barco que é considerado símbolo do Canadá e estampa a coroa do dime, a moeda de 10 cents. A escuna foi construída em 1921 e ganhou vários prêmios em regatas e torneios de pesca, antes de naufragar no Haiti em 1946. Uma réplica, o Bluenose II, foi construída mais tarde e hoje, sediada em Lunenburg, cumpre a função de "embaixador náutico" da Nova Escócia, percorrendo portos das províncias atlânticas canadenses. O termo bluenose costuma ser utilizado para designar os marinheiros neoescoceses e deriva da alcunha americana que referenciava a sobrevivência da população local às condições climáticas extremas dessa região do Canadá.



Parte do cais de Lunenburg. O grande prédio cor de vinho é o Fisheries Museum.

    Não havia sinal do barco quando estive em Lunenburg, e só encontrei um timão com seu nome exposto no cais. Quem quiser ter uma ideia de como ele é, basta visitar o Fisheries Museum, bem ao lado, onde uma maquete do Bluenose enfeita o saguão de entrada do museu.

Modelo do Bluenose exposto no Fisheries Museum

      Após o tempo de almoço, partimos de volta para Halifax, parando na vila litorânea de Mahone Bay, conhecida por ter três igrejas alinhadas à beira-mar e por suas lojas caça-turista na rua que acompanha o litoral. Depois da bonita Lunenburg, achei um completo desperdício de tempo essa parada, um verdadeiro anticlímax. Teria sido melhor se, em substituição, tivessem incluído uma ida a Peggy's Cove, um farol famoso que é um dos cartões postais da Nova Escócia e que não pude visitar.

Outros posts sobre a Nova Escócia:
  • Halifax, onde o Canadá é um pouco escocês
  • Halifax e o mar - uma ligação trágica


 Postado por  Marcelo Schor  em 06.11.2015 





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