Cerro Tronador
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Cerro Tronador



Otto Meiling é o nome do andinista alemão que trocou as montanhas dos Alpes pelos Andes, na década de trinta. Hoje, o seu nome baptiza o mais belo refúgio de montanha do parque Nahuel Huapi. Situado no Cerro Tronador, este refúgio era o meu objectivo para o primeiro dia de trekking. Resolvi apanhar um autocarro do Clube Andino de Bariloche que me levou até Pampa Linda, a base dos trekkings e ascenção ao Cerro Tronador. Aí, tirei a permissão para subir a montanha e lancei-me no encalço de uma das paisagens mais transcendentes do mundo. As primeiras duas horas de trekking são bastante suaves e consegui manter um bom ritmo de caminhada. Entretanto cheguei a um local que se chama “caracoles”. Devia ter adivinhado que, pelo nome, o ritmo iria diminuir! Foi quase uma hora, a ritmo bastante sôfrego, para terminar esta etapa e chegar ao fim do bosque. Daí para a frente, a rocha domina a paisagem. Passa-se os 1700m e começa a Alta Montanha na Patagónia. A latitude faz com que o ambiente de alta montanha comece bastante mais cedo. O tronador é um cone vulcânico e, como tal, as rochas vulcânicas dominam a área. Inactivo, mas cheio de testemunhos dum passado eruptivo recente. Basaltos, traquitos, lavas… caminho sobre materiais piroclásticos e rochas eruptivas. Foi neste troço que avistei pela primeira vez o glaciar Castaño Overo. Majestosamente pendurado num vale suspenso, exibe várias quedas de água que libertam a água proveniente da ablação glaciar (perda de gelo) do verão. O glaciar parece gigantesco mas a falta de um elemento de referência, que me dê a noção de escala, não me deixa ter a noção do tamanho desta massa de gelo. No parque falaram-me em 80m de altura…
Na última hora de subida sigo entre dois glaciares. Agora tenho o Castaño Overo do lado esquerdo e o Alerces do lado direito. Sinto-me muito bem acompanhada. Estou de rastos com tamanha beleza.

Um casal de condores dos Andes sobrevoa-me. Não parecem ter medo dos humanos. Talvez porque os que andam por aqui não fazem mal a ninguém.
No refúgio sou recebida por Flávia, a guarda-parques que aqui trabalha. Estranha eu estar sozinha. É um comportamento recorrente. As pessoas não percebem porque faço tudo sozinha. A resposta é simples, mas no fundo tem duas razões: primeiro, gosto de testar os meus limites individuais, e segundo, até agora não encontrei ninguém com quem achasse que valeria a pena dividir o desafio. Faço o registo no refúgio, deixo a minha mochila e saio para explorar os glaciares. A minha máquina fotográfica não se cansa de disparar. Infelizmente, no Aconcágua entrou uma pedra dentro da lente e estilhaçou-se no interior. Agora as fotos apresentam uma mancha. Não sei como resolver o problema.
Infelizmente não havia nenhum guia de montanha no refúgio que me pudesse levar para fazer trekking no glaciar ou escalada no gelo. Também tentei um para subir ao Pico Argentino, mas não foi possível. Sendo assim, passei o resto da tarde a explorar o lugar por minha conta e risco. Quando regresso ao refúgio conheço o pessoal que vai passar comigo a noite: um pai com dois filhos argentinos, dois casais também argentinos e um casal checo. Tinha lido no guia que a comida no refúgio era boa por isso resolvi levar a mochila mais leve e experimentar. Bem… mesmo que a paisagem não fosse avassaladora, a subida de 5 horas teria valido pelo jantar. Devo dizer que foi a melhor comida que comi na Argentina: veado assado com puré de batata e abacate! Uhmmm…
Depois de ler a biografia do Otto Meilling, um livro disponível no refúgio, peguei no saco-cama e deitei-me no colchão. Lá fora o vento sopra com força. Ouve-se assobiar… durmo como um bebé toda a noite. De manhã acordo com os primeiros raios de sol que entram pela janela. Levanto-me, pego na máquina fotográfica e tento aproveitar a melhor luz do dia. A natureza no seu melhor. É lindo.
Arranjo as minhas coisas, tomo o pequeno-almoço e começo a descer em direcção a Pampa Linda. São cerca de 3 horas e meia. Almoço junto ao rio Manso, cujas águas geladas e esbranquiçadas não convidam a um mergulho. Aproveito o resto da tarde para me estender ao sol na relva a contemplar o Cerro Tronador. Quero voltar aqui; um dia quero subir esta montanha e, tal como Otto Meilling, sinto que o Tronador, com os seus 3491m, apoderou-se de parte do meu coração.



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