"Los castigos de Xibalbá eran numerosos; eran castigos de muchas maneras. El primero era la Casa Oscura, en cuyo interior sólo habia tinieblas. El segundo la Casa donde tiritaban, dentrode la cual hacía mucho frio. Un viento frio e insoportable soplaba en su interior. El tercero era la Casa de los tigres, en la qual no había más que tigres, que se revolvían, se amontonaban, grunían y se mofaban. La Casa de los murciélagos, se llamaba el cuarto lugar de castigo. Dentro de esta casa no había más que murciélagos que chillaban, gritaban y revoloteaban en la casa. Los murciélagos estaban encerrados y no podían salir. El quinto se llamaba la Casa de las Navajas, dentro de la qual solamente había navajas cortantes e afiladas, calladas o rechinando las unas con las otras dentro de la casa. Muchos eran los lugares de tormento de Xibalbá"
Popol Vuh
Os maias acreditavam que as grutas (e especialmente aquelas que se estendem por vários quilómetros no subsolo, como é o caso da ATM) são entradas para o inframundo, Xibalbá ("local do medo"), onde habitam os espíritos do sofrimento, doenças e morte, conhecidos como os senhores de Xibalbá. Ao contrário da crença crista, para os maias este local não é metafisico, psicológico ou metafórico, mas sim tão físico como o mundo que habitamos.
Uma vez que não existia uma nação maia unificada, mas sim um numeroso conjunto de cidades-estado com governantes e politicas diferentes, também não existia um conjunto unificado de crenças e práticas religiosas no mundo maia. Esse é um dos aspectos que torna mais difícil a tarefa dos arqueólogos e historiadores de decifrarem em que é que as pessoas acreditavam nessa sociedade.
Por exemplo, o livro sagrado Popol Vuh, que constitui uma das principais fontes históricas acerca da mitologia maia, pertence a uma das numerosas "tribos" maias, no caso das terras altas da actual Guatemala. Quem nos garante que o que está lá escrito era comungado pelos restantes territórios?
Assim, é muito difícil saber qual seria, por exemplo, na perspectiva dos antigos maias, o destino das pessoas após a morte. Algumas fontes indicam que, tal como outras inúmeras culturas, acreditavam que o ser humano é constituído por diferentes partes, como que por diferentes "corpos". Esses corpos sobreviveriam à transição da morte, passando depois por outras fases semelhantes ao que chamamos "vida". Xibalbá seria, não o destino de sofrimento eterno, mas sim uma etapa na existência que teria de ser superada, de forma a que um patamar mais elevado pudesse ser alcançado. Algumas pessoas poderiam ser poupadas a esse sofrimento, por exemplo, os guerreiros mortos em combate e as mulheres que faleciam em trabalho de parto. Mas os pormenores deste conjunto de crenças perderam-se na poeira dos séculos que então passaram...
No entanto, existem ideias gerais que, com alguma confiança, podemos considerar que formavam um conjunto coerente de ideias que eram comungadas pelas diferentes culturas dentro da civilização maia. Vida e morte, morte e ressurreição, constituiriam as diferentes fases na qual a existência do Homem e do Mundo se baseava. Tal como em inúmeras outras culturas (atrevo-me a dizer todas?), o cosmos dividia-se em três "universos", o superior (habitado pelos deuses), o terrestre (habitado por nós, pelos animais e plantas) e o inframundo, Xibalbá.
Aquando da criação do mundo, descrita no livro sagrado do Popol Vuh, os senhores de Xibalbá foram derrotados, mas não desapareceram e, assim, para o mundo e a vida quotidiana continuarem sem perturbações, são necessários tributos a estes seres, de modo que eles permitam aos seres humanos uma vida feliz e sem sofrimento (na medida do sacrifício!).
Ora um dos sacrifícios mais apreciados pelos deuses (mais uma vez, em conformidade com civilizações de todo o mundo) é a oferenda de sangue. Hoje, o derramar do sangue pela pátria é considerado um acto nobre e, no caso extremo, uma morte digna de elogios e cerimónias fúnebres. No passado, se deixarmos de parte a prática da guerra (que na sua essência pouco terá mudado), o derramar de sangue pelos deuses era assim o sacrifício mais sublime. E quanto mais precioso for o sangue, melhor...
O sangue considerado mais sagrado era aquele que provinha da classe governante (supostamente partilhando linhagem com os deuses) e da perfuração de orelhas, da língua ou do prepúcio (no caso apenas dos homens!). Estes rituais eram executados em datas e circunstâncias especiais, nomeadamente em inícios ou fins de ciclos de calendário, usando objectos prefurantes (claro!), tais como espinhas de raias. O sangue era derramado sobre um papel, que depois era queimado, ou então derramado sobre um prato de oferenda.
Mas quando os deuses não se mostram satisfeitos com estas oferendas, há que sacrificar mais... E daqui ao sacrifício da vida humana vai um pequeno passo. O sacrifício humano como ritual, por parte dos maias, é assim bem conhecido por parte dos estudiosos. No entanto, é de realçar que os indícios apontam que fosse uma prática excepcional, e não a regra.
Por mais incrível que pareça, existe um sítio arqueológico único no mundo, testemunha silenciosa de práticas e crenças maias relacionadas com os deuses e o inframundo, vida e morte, que pode ser visitado e que nos permite presenciar de perto os vestígios que sobreviveram à passagem do tempo. Situada entre as cidades de Belmopan e San Ignacio, a gruta de Actun Tunichil Muknal (convenientemente abreviada como "ATM") constitui uma das experiências mais incríveis que se pode ter num périplo pelo mundo maia, e talvez apenas possível num país como o Belize.
Infelizmente, devido a acidentes ocorridos anteriormente (por exemplo, turistas que deixaram cair as máquinas fotográficas em cima de peças arqueológicas), não é permitido agora tirar fotos no interior da gruta. Assim, as fotos aqui apresentadas não são da nossa autoria.
Percorrendo a gruta e as suas inúmeras salas, com água corrente cuja profundidade varia entre os poucos centímetros e os vários metros (sendo necessário nadar), vamos passando por zonas de rocha esculpida pela deposição de carbonato de cálcio, dando origem às mais diversas formas.
Em zonas mais altas, ao abrigo da água corrente (pelo menos nos dias de hoje), vamos gradualmente encontrando vestígios arqueológicos petrificados, sem qualquer tipo de protecção e muitas vezes sem sinalização, testemunhos de pessoas que aqui entraram para honrarem os deuses, ou para superarem uma prova.
As peças de cerâmicas são as mais abundantes, entre eles vasos e pratos. Mas depois começam a ver-se diferentes ossos do corpo humano, espalhados pela acção da água que por aqui já correu, agora calcificados.
A visão mais surpreendente é a do único esqueleto que permaneceu inteiro sob a acção dos elementos, e cuja aparência de cristal dá o nome à gruta. Pensa-se agora que pertenceu a um jovem adulto que terá sido sacrificado aos deuses, aqui, às portas do inframundo. A aparência do esqueleto (que apresenta fracturas na coluna vertebral) é impressionante, pois dá a sensação que a pessoa caiu para trás ao morrer e ficou na mesma posição até aos nossos dias. Ao olhar para ele, parece que ainda reflecte a agonia e desespero que essa pessoa terá passado nos seus últimos instantes, e, embora os sons desta história já há muito tempo se perderam, é como se o último grito deste jovem tivesse ficado gravado no seu esqueleto petrificado.
Fizemos praticamente o mesmo percurso no sentido inverso, e apesar de ser um lugar fabuloso e único, não pude deixar de sentir alegria ao sentir no corpo o abraço caloroso da luz do sol, quando emergimos da entrada da gruta para nos embrenharmos novamente no trilho da selva que nos levaria de volta até ao nosso transporte.
Da escuridão à luz, do inframundo aos mundos que lhe são superiores... A nossa prova foi superada e acrescentamos mais um capítulo fantástico à nossa "Rota dos Maias 2012".
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