O trekking no Parque Natural do Aconcágua é um dos pontos altos para uma visita ao norte da Argentina e aos Andes. É inevitável para quem ama ambientes de montanha.
A minha primeira medida em Mendoza foi dirigir-me ao Posto Turístico do Parque Provincial do Aconcágua e solicitar uma permissão. Estava determinada a fazer este trekking sozinha mas foi com agradável surpresa que encontrei Verónica, uma italiana, que estava a tirar a permissão na mesma hora que eu. Trocamos algumas palavras e decidimos fazer este trekking juntas.
O preço das permissões para entrar no parque subiram de forma drástica no último ano. No ano passado, para ascender ao cume a permissão custava 1800 pesos. Agora custa 3000 pesos (cerca de 600 euros). O mesmo aconteceu com as permissões para os trekkings. Eu estava determinada a fazer um trekking de 7 dias mas quando vi os preços das permissões (700 pesos - 150 euros) decidi ficar-me pelos 3 dias (380 pesos). Sendo assim, eu e a Verónica pagamos as permissões, assinamos um termo de responsabilidade e fomos alugar material.
Nenhuma de nós tinha tenda. Na loja Limite Vertical, o Christian foi super simpático. Alugamos tenda, fogão, colchonete e bastões. Não tinhamos equipamento de cozinha mas o Christian emprestou-nos o material porque o nosso budget estava no limite. Tentamos arranjar gás mas não conseguimos porque é feriado na Argentina e tudo está fechado. Incansável, o Christian telefonou para Los Penitentes, uma estância de Ski nas montanhas, e arranjou-nos gás. Só teremos que o ir lá buscar na manhã seguinte.
No hostel fiz a mochila: saco-cama, impermeável, casaco de penas, roupa para 3 camadas, botas de montanha, barras energéticas, sopa instantânea, chá, chocolates, etc. A mochila estava pronta e só precisava de me preparar psicologicamente para mais uma aventura. Pouco consegui dormir durante a noite.
1º dia:Apanhei o bus das 6h da manhã em Mendoza rumo a Ponte del Inca. No terminal, as pessoas já se amontoavam para comprar bilhete. Quando eu e Verónica chegamos deveriam ser umas 5.30h. Rapidamente compramos os bilhetes e entramos no autocarro. Depois de três horas e meia chegamos a Los Penitentes. Teriamos que sair aí porque precisávamos de ir buscar gás. Esperava-nos Osvaldo, um amigo de Christian. Vendeu-nos o gás e levou-nos no seu jipe até Horcones, o local onde deveriamos iniciar o trekking. Fizemos o check-in na entrada do parque. Entregaram-nos um saco-plástico numerado para recolhermos lixo e devolver no dia de check-out.
Começamos o nosso percurso às 11h da manhã. Revi a laguna Espelho, o Miradouro e a laguna Horcones e apanhamos o trilho que nos vai levar ao acampamento de Confluência. Resolvemos caminhar cerca de duas horas sem parar.
O objectivo era fazer uma pausa para o almoço por volta das 13.30h. No entanto, quando iamos parar para almoçar avistamos umas tendas e percebemos que estavamos próximo do acampamento. Sendo assim, decidimos prosseguir e só almoçar no acampamento. Fizemos o percurso em pouco mais de duas horas e meia. Foi óptimo.
Chegamos a Confluência, a 3400m de altitude, e dirigimo-nos ao guarda-parques para fazer o check-in. Está tanto frio... ainda tentei entrar na habitação do guarda mas ele prontamente disse "não".
Montamos a tenda com ventos fortíssimos. O vento arrastava tudo e o frio congelava-nos as pontas dos dedos. Ao fim de meia hora tinhamos a tenda montada, rodeada por pedras (a única forma de evitar que o vento a arrastasse pelo ar) e com as coisas lá dentro.
Entramos e almoçamos. Estava imenso vento e por isso passamos o resto da tarde dentro da tenda a conversar. Só por volta das 18h o vento deu algumas tréguas e nós pusemos a cabeça cá fora.
Começamos por fazer uma visita à médica do acampamento para nos medir a pressão arterial, as pulsações, etc. Ao que parece, está tudo bem. Pudemos progredir. Conversamos um bocado com um rapaz eslováco e um sul-coreano que também faziam o mesmo que nós. Assistimos ao pôr-do-sol e recolhemos à tenda.
Fizemos o nosso jantar no seu interior. Massa instantânea e um bom chá. Aqui, a 3400m de altitude uma refeição quente faz toda a diferença. Comemos e eram 21h quando fomos dormir. Viver na montanha exige um ritmo diferente.
2º dia:Quando o dia começa, começa também a vida na montanha. Levantamo-nos às 6.30h. Lavar a cara e os dentes está fora de questão. Estão 0ºC e a água congelou nas torneiras durante a noite. Tivemos que aguardar um bocado para que descongelasse e pudéssemos tirar água para fazer um chá. Depois de tomar o pequeno-almoço, saimos por volta das 8h para começar o nosso percurso.
Subimos pelo vale do rio Horcones até ao miradouro da face sul do Aconcágua, na Plaza Francia. Pelo caminho contemplamos o magnífico Glaciar Horcones Inferior. É um glaciar rochoso, o que significa que o gelo não está totalmente exposto mas sim misturado com rochas e terra circundante. É a primeira vez que vejo algo do género. Estou siderada!!!
A subida não é muito dificil. São cerca de 4 horas de trekking. No entanto, hoje apanhamos muito vento. Há rajadas muito fortes e a progressão é lenta. A determinada altura passamos por um alpinista basco que vem a descer. Está cá para subir ao Aconcágua. Saimos de Confluência à mesma hora. Em duas horas ele já foi a Plaza Francia e está a descer. Nós... ainda estamos a meio da subida! Conta-nos que lá em cima o vento está muito forte. Diz-nos para termos cuidado. "Tchau chicas, suerte". Despede-se de nós e desce. Eu e Verónica chamamos-lhe super-man. Caminha pela moreia a baixo como se nada fosse.
Nós, a muito custo, lá progredimos. O meu altimetro marca 4100m e nós temos que continuar. Vamos ladeando o glaciar rochoso e a paisagem é avassaladora. A determinada altura, já a 4300m perdemos o trilho para a Plaza Francia e tomamos um trilho para a base da montanha em frente. Subimos desnecessariamente mas aproveitamos para contemplar o glaciar e a face sul do Aconcágua. O vento está indomável. Sopra com rajadas fortíssimas. Temos que parar frequentemente e agarrar-nos ao chão para não voar. Por vezes somos apanhadas desprevenidas e o vento arrasta-nos um ou dois metros. Prosseguimos mas temos que nos distanciar do glaciar e dos materiais soltos na moreia por questões de segurança.
Chegamos ao local onde pensamos ser Plaza Francia. Contemplamos o Cerro Aconcágua e os seus glaciares. A imponência da montanha é realmente impressionante. Estou rendida. Não temos a certeza se estamos na Plaza Francia porque não encontramos a placa. O meu altimetro marca uma altitude superior à da Plaza. Talvez tenhamos apanhado o trilho errado quando subimos. No entanto, dali já não podemos progredir mais.
O vento continua e tememos que esteja muito mau quando descermos e tivermos que atravessar a área das moreias desagregadas e do glaciar. Resolvemos descer. Não comemos nada ali, embora o projecto inicial fosse almoçar. O vento e o frio era tal que resolvemos descer mais um bocado para comer.
Tirei algumas fotos mas devido ao tempo que apanhei não pude contemplar e aproveitar o local como desejaria. É um sentimento que é algo recorrente quando estamos em altitude. Nunca se aproveita aquilo que se quer!
Depois de almoçar, descemos até Confluência. Chegamos ao acampamento por volta das 15h. No total caminhamos cerca de 7 horas, quatro para cima e três para baixo. Também em Confluência o vento está muito forte. Recolhemos à tenda completamente esgotadas. Deitamo-nos e deixamo-nos adormecer. Só por volta das 19h o vento amainou e pudemos sair. O céu está limpo e o sol brilha mas está bastante frio. Pouco depois do pôr-do-sol, recolhemos à tenda, fizemos o nosso jantar (desta vez sopa) e deitamo-nos para mais uma noite. Desta vez, ainda mais fria do que a anterior.
3º dia:
Durante a noite as temperaturas negativas fizeram-se sentir. Quando acordamos a água estava congelada e hoje tivemos que esperar bastante mais tempo pelo descongelar da torneira. Arrumamos tudo nas mochilas, tomamos o pequeno-almoço com um chá bem quente, desmontamos a tenda e começamos a descer por volta das 8.40h. Claro que o vento diminuia com a altitude assim como o frio. Chegamos à laguna de Horcones por volta das 10h. Daí tivemos que ir para a sede do parque. Entregamos o saco do lixo e fizemos o check-out. De Horcones caminhamos mais 4km por estrada até chegar a Ponte del Inca, onde apanhamos o autocarro de volta a Mendoza. Dormimos no autocarro e quando chegamos a Mendoza o sol brilhava e o calor apertava.
Havia que devolver o material à loja e descansar de mais uma aventura. E assim foi. No final, eu e Verónica abraçamo-nos e despedimo-nos. Foram dias e horas fantásticas que passamos na montanha. Uma relação bastante empática e momentos que não iremos esquecer.