Reflexões de uma viajante ao logo dos testemunhos do império Aqueménida
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Reflexões de uma viajante ao logo dos testemunhos do império Aqueménida



A 12 km de Persépolis, num local chamado Naqsh-e Rostam (نقش رستم, em persa), situam-se os túmulos colossais de 4 reis persas Aqueménides. Os túmulos são impressionantes e sinto o meu queixo cair quando me vejo de frente com um local assim.


Os túmulos datam de há mais de 3000 anos e apesar de estarem bastante danificados ainda exibem murais decorados e inclusive inscrições na porta de um deles. O local ostenta o nome do herói mítico de Rostam mas, na verdade, os murais não o representam (ao contrário do que se pensou durante muitos anos). Parte dos murais e dos túmulos foi saqueado e destruído durante o império de Alexandre, o Grande, contudo, apesar de não se poder subir ou entrar, a visão daquilo que me rodeia é ímpar.


Os sete murais sassânidas estão esculpidos na rocha e são gigantescos. Representam figuras e batalhas importantes do império Sassânida entre 224 e 309, tendo no entanto o império se prolongado até ao ano 651.  


Os túmulos estão escavados na rocha e apresentam uma forma de cruz, pelo que são localmente conhecidos por “Cruzes Persas”. Uma inscrição na entrada de um dos túmulos permitiu identificá-lo como o local de repouso do imperador persa Darius I, o Grande. Os outros túmulos não estão identificados mas os arqueólogos acreditam que pertencerão a Xerxes I, Artaxerxes I e Darius II.


Em frente ao túmulo da esquerda existe um edifício paralelipipédico de seu nome Ka’ba-ye Zartosht construído num nível inferior dando a sensação de estar parcialmente enterrado. Este local destinava-se a reservar os corpos dos imperadores Aqueménides enquanto o túmulo que os iria receber não estava pronto.


Quando viajamos temos ideias pré-concebidas sobre lugares, povos, culturas e monumentos. Quando conhecemos esses lugares as reacções são um bocado contraditórias. Uns superam as nossas expectativas, outros, pelo contrário, não correspondem às expectativas que tínhamos. No entanto, ocasionalmente, acontece-me pensar “só isto?”.  Na verdade não quer dizer que não tenha gostado, até pelo contrário, o que significa é que já tanta coisa foi dita e vista sobre aquele lugar que não sinto nada de especial ao vê-lo. Parece que já o conhecia. Senti isto da primeira vez que vi o Taj Mahal, a Grande Muralha da China ou o Coliseu de Roma. No entanto, depois de passar algum tempo nesses locais e os ver devidamente duvido da minha reacção. São lugares incríveis e maravilhosos, são maravilhas do mundo.


Nas minhas viagens, o que mais gosto é descobrir lugares sobre os quais nada sabia, lugares inóspitos e perdidos. Perdidos essencialmente deste mundo globalizado que nos trás todos os dias a sensação de que conhecemos tudo, mas que na realidade não conhecemos nada. Os túmulos de Naqsh-e Rostam fizeram-me, ao fim de muitos anos, sentir assim. Senti-me uma exploradora do século XVI que encontra pela primeira vez algo nunca visto nem sequer imaginado. Em que outro local do mundo tal me poderia acontecer senão no Irão? A verdade é que o facto de os países estarem fechados ao ocidente e ao mundo globalizado tem vantagens e desvantagens. As desvantagens afectam principalmente as populações locais, mas as vantagens, para quem viaja, são muitas. Não é fácil encontrar locais interessantes fora dos roteiros turísticos. Os lugares mais bonitos estão cheios de turistas, sejam eles independentes ou viagens organizadas. Com guias de bolso ou com guias turísticos todos vão aos mesmos lugares e vêem as mesmas coisas. Há países que pela sua imensidão e diversidade paisagística conseguem manter espaços fora dos roteiros igualmente interessantes, é o caso da Argentina, da Índia, da China ou da Mongólia. Aqui, a maioria dos viajantes e turistas visitam os highlights e deixam uma parte imensa do país por explorar. Isto provoca fluxos de turistas e viajantes que, embora viajem de forma diferente, na realidade conhecem o mesmo, pois vão para os mesmos lugares.


O que distingue um turista de um viajante é a experiencia local que o segundo possui ao contrário do primeiro. O viajante pede boleia, enfrenta filas intermináveis para comprar bilhetes de comboio e de autocarro, dorme no chão, no aeroporto, na estação, na tenda, na casa das populações locais e, quando tudo corre bem, nos hostels. Viaja mal para poupar dinheiro, come mal para tentar compensar o dinheiro que gastou para dormir no hostel e visita os monumentos porque esse foi o motivo que o trouxe ali. O turista chega de avião, anda no transporte escolhido pela agência e visita os lugares e os monumentos. A grande diferença é a sensação que fica no final da viagem. O turista recorda monumentos e hotéis de 4 e 5 estrelas. O viajante recorda pessoas, experiências, peripécias, contratempos e dificuldades, que a maioria das vezes as dores nas costas não deixam esquecer. No entanto, foram os monumentos que atraíram ambos ao mesmo local. Foram os lugares que levaram os turistas e os viajantes a escolher o mesmo destino. Quando regressam a casa, as fotografias não vão mostrar grandes diferenças. A diferença reside sempre no individuo, e por muito que o tente mostrar, ninguém que não tenha feito o mesmo o irá compreender.


O Irão quebrou-me algumas destas ideias. Turismo organizado é muito raro, assim como viajantes independentes. A ausência de um turismo de massa permite que a população que vive do turismo seja muito pouca e que mantenha um estilo de vida e uma atitude muito conservadora. Os poucos turistas que recebem são muito bem tratados. De que outra maneira podem passar uma imagem positiva do Irão neste mundo globalizado? A comunicação social passa as imagens que diariamente vemos nos telejornais; o país está fechado ao exterior daí que só quem entra pode trazer o verdadeiro espirito do país cá para fora.


Ao olhar para Naqsh-e Rostam vejo algo que nunca imaginei, vejo túmulos colossais, um dos lugares mais incríveis do mundo. Lembra-me Petra, pela singularidade, lembra-me Machu Pichu pela forma como o homem desafiou a natureza, lembra-me as pirâmides do Egipto pela dureza da paisagem. Mas, acresce a tudo isto o facto de haver 20 ou 30 pessoas a visitar o lugar. Pessoas que se passeiam como se estes lugares existissem ao virar de cada esquina. Pessoas que se passeiam e parecem não reparar que estão perante algo único e incomparável. Só eu pareço estar boquiaberta e petrificada. Como poderiam eles saber que o que têm perante os seus olhos é único? São iranianos, são aqueles a quem o mundo globalizado fechou as portas.

Um dia, o mundo globalizado vai abrir-se, não através de uma pequena janela, mas através de uma avalanche de informação. Nessa altura o turismo vai mudar no Irão. Provavelmente como no Egipto, a generosidade dará lugar à ganância, e o excesso de turistas destruirá aquilo que a população tem de melhor: a sua cultura.


Os túmulos foram descobertos por um arqueólogo alemão em 1923. Depois disso, houve escavações em 1936 e 1939. Daí, até à actualidade, os túmulos persas do império Aqueménida continuam, tal como o país, fechados ao mundo. Reflicto sobre um país fechado ao mundo. Ou será que foi o mundo que se fechou a este país?       



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