O Sul de África era, há muito, uma região que nos atraía e ocupava um dos lugares cimeiros na nossa “
wish-list”. Mas percorrer os países desta região requer ter veículo próprio, e não depender dos esporádicos (ou não existentes) transportes públicos. Ao contrário de outros continentes, aqui, visitar uma atracção turística que não esteja localizada no centro de uma cidade é uma tarefa impossível, se nos deslocarmos em transporte público. Como o aluguer de carro, abrangendo a duração da viagem que pretendíamos, era demasiado caro, a opção de
overland (ver, por exemplo, “Em overland pelo Quénia e Tanzânia”) pareceu-nos a opção mais plausível. Sendo assim, escolhemos um percurso que, ao longo de 26 dias, nos levaria da Cidade do Cabo, passando pela Namíbia, Botsuana e Quedas de Vitória (Zimbábue e Zâmbia), terminando novamente na África do Sul, na cidade de Joanesburgo e no Parque Nacional de Kruger. Em Portugal, a empresa "Nomad - Evasão e Expedições" oferece uma viagem mais curta, intitulada "Do Cabo ao Deserto do Namibe", que engloba a primeira metade do que iríamos fazer.
Na Cidade do Cabo, conhecemos os nossos companheiros, um grupo de 17 pessoas, os guias (Gladman, o condutor, e M’Xolisi, cozinheiro e guia) e o nosso camião (de seu nome “Mama”, em honra de uma cantora sul-africana), o meio de transporte que seria a nossa casa no próximo mês. No grupo imperam os holandeses, e a maioria são muito jovens e divertidos.
Depois de nos despedirmos da
Table Mountain, os dois primeiros dias são passados percorrendo território sul-africano em direcção a norte e à fronteira com a Namíbia. A região à volta da Cidade do Cabo é muito verde e onde prosperam as culturas vinícola e de citrinos, e na nossa primeira noite experimentamos uma prova de vinhos de uma quinta familiar. Nessa primeira noite, montamos tenda e, pela primeira vez, experimentamos as noites frias do inverno da África Austral.
Conforme progredimos para norte, o terreno vai tornando-se mais árido, a vegetação mais pequena e menos colorida, e o tempo frio e húmido vai gradualmente aquecendo um pouco (pelo menos, durante o dia), sendo que o céu azul vai aparecendo mais frequentemente. O vento, esse, é uma constante nos primeiros dias.
Depois de passarmos a região montanhosa de Cederberg, chegamos ao final do 2º dia à fronteira com a Namíbia, sendo o rio Orange aqui a fronteira natural. Rico em diamantes, este rio proporcionou-nos momentos de uma preciosidade diferente quando, na manhã do 3º dia, nos aventuramos de canoa pelas suas calmas águas. O dia tinha nascido cinzento mas, conforme descíamos o rio, o céu ia tomando as cores azuis que contrastavam com o amarelo e castanho da paisagem circundante.
O grupo, esse, já tinha aumentado pois tínhamos recebido uma família de ingleses que o mau tempo tinha retido no barco que os trazia da ilha de Santa Helena para a Cidade do Cabo. Depois de almoço, cruzamos rapidamente a fronteira com a Namíbia e a paisagem alterou-se ainda mais, assumindo um carácter marcadamente desértico. Quando comparado com o início da viagem, parecia que tínhamos entrado num planeta diferente!
No final do 3º dia, estava reservada uma das atracções da viagem, o Canhão do Rio Fish, um dos maiores do mundo, com 160 km de comprimento e cerca de 400 m de profundidade. Os percursos a pé junto ao rio só são possíveis com uma permissão e podem demorar até 9 dias, por isso limitamo-nos a percorrer alguns quilómetros na sua borda, aproveitando as cores proporcionadas pelo pôr-do-sol. Os dias são por vezes longos e cansativos, mas o final do dia, com os preparativos do jantar e uma fogueira para espantar o frio, é a hora ideal para o grupo se ir conhecendo melhor.
No 4º dia, atravessamos 500 km de região desértica rochosa para acamparmos junto das dunas de Sossusvlei, às portas do Parque Nacional Namib-Naukluft, o mais extenso de África. Logo que chegamos, fomos dar uma caminhada pelo Canhão de Sesriem, cavado pelas forças conjuntas da água (agora apenas ocasional, em regime de enxurrada na época das chuvas nas montanhas), da amplitude térmica diária e do vento, o criador omnipresente das dunas que visitaríamos no dia seguinte. Esta acabou por ser uma agradável surpresa, sendo extremamente interessante do ponto de vista geológico. À noite, apesar do vento incessante e de algum luar, aproveitamos o céu estrelado para tirarmos algumas fotos. Dormir é que foi o problema. Apesar de bem fechada, a tenda abanou toda a noite à mercê do vento e, cada vez que éramos atingidos por uma rajada mais forte, entrava areia dentro da tenda, atingindo-nos na cara. Foi a nossa pior noite e, de madrugada, os sacos-cama, colchões e mochilas estavam cobertos de areia fina e laranja do deserto namibiano.
Sendo assim, nem nos custou nada levantar às 5.00 h para nos dirigirmos às dunas e subirmos à duna 45 (a 45 km do acampamento). A visão do deserto ao nascer do sol é fabulosa! Depois de um pequeno-almoço reforçado e aos pés da duna, seguimos para outra paisagem de cortar a respiração, sempre acompanhados de vento e areia no ar. As dunas estão cá por alguma razão… Os “vlei” são zonas que já tiveram água e vegetação, mas agora estão sem vida e rodeadas de areia. Algumas árvores morreram e permaneceram em pé por centenas de anos, agora já petrificadas! Parece a paisagem de um outro mundo!
Seguindo de camião, dirigimo-nos para norte, sempre em terreno desértico, com as dunas espreitando no horizonte, para acamparmos em pleno Parque Nacional, onde tivemos um percurso guiado pelas redondezas, com as explicações de um guia local, France, especializado na vida animal e vegetal local e nos costumes dos bosquímanes (agora deslocados para terras mais a norte) e que nos deixou boquiabertos com a sua boa disposição e sabedoria. À noite, aproveitamos a oportunidade de ter um “
water hole” perto do acampamento para observarmos um grupo de dezenas de zebras de montanha a saciar a sede. Era o nosso primeiro contacto de monta com vida animal selvagem.
Ao 6º dia, cruzamos o Trópico de Capricórnio e aproximamo-nos da costa namibiana, mas não nos afastamos das areias e terreno árido. O deserto namibiano chega até ao mar, constituindo uma paisagem deslumbrante e (quase) única, lembrando-nos o deserto do Atacama, na América do Sul. Paramos para almoço na baía de Walvis, na companhia de flamingos cor-de-rosa. Leve, constituído por sanduíches ou saladas, e onde quer que o nosso camião parasse, o almoço era sempre também uma oportunidade de conversar e partilhar as experiências dos últimos dias.
As dunas regressam em força quando nos aproximamos de Swakopmund. Esta cidade seria a nossa primeira pausa, a cerca de um terço da viagem, com duas noites em “accomodation” (ou seja, dormindo numa cama!) e um dia de descanso. Ou não! Swakopmund é conhecida como a Capital da Aventura namibiana e actividades como observação de golfinhos, pesca, passeios de mota pelas dunas,
sandboarding, saltos de queda livre e vôos de observação do deserto e costa fazem com que todos os gostos possam ser satisfeitos. Bem tentamos o “
scenic flight”, mas não conseguimos arranjar companhia para partilhar os custos elevados do avião. Ficou uma boa razão para voltarmos!
Os jantares em conjunto em restaurantes da cidade, em ambiente relaxado e mais confortável, permitiram uma maior aproximação do grupo, que aqui teria a adição de mais dois elementos, ambos oriundos da Holanda, engrossando os números desta nacionalidade. Depois deste breve descanso, sentíamo-nos revigorados e prontos para a próxima parte da nossa viagem e ansiosos pelo que nos esperava.
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