"É preciso gostar muito da liberdade para fugir daquela maneira."
Guarda prisional do Forte de Peniche
A luta pela liberdade tem os seus custos. E durante os 48 anos em que Portugal viveu num sistema político ditatorial, muitos foram aqueles que puseram os seus ideias e convicções à frente dos seus medos, e das suas vidas familiar e pessoal. Independentemente de se concordar, ou não, com o modelo político ou social defendido por esses lutadores, é necessário recordar e não deixar esquecer a sua luta, pois a História tem tendência a repetir-se, e se não queremos repetir os mesmos erros, devemos aprender com ela.
O Forte de Peniche foi edificado no século XVI na então ilha de Peniche e começou a ser utilizado como prisão no séc. XVII. Mas foi durante a ditadura fascista, principalmente a partir de 1934 quando foi entregue à jurisdição da PVDE (Polícia de Vigilância de Defesa do Estado), antecessora da PIDE, que o Forte se tornou numa das prisões emblema do regime. Por aqui passaram centenas de presos políticos, cumprindo penas longas numa prisão conhecida pelo seu regime rigoroso: regime alimentar deficiente, limites nos contactos com as famílias, isolamento, proibição de acesso a livros.
Destes presos, uma grande maioria eram militantes do PCP, dado que o Partido Comunista Português era a maior e mais bem organizada estrutura, ainda que clandestina, que se opunha ao regime.
A exposição "Forte de Peniche - Lugar de Repressão, Resistência e Luta", actualmente a decorrer no interior do Forte, conta a história do estabelecimento prisional, e pormenores do seu funcionamento e do dia-a-dia dos reclusos que, mesmo num ambiente repressivo, tentavam continuar a luta, por exemplo escrevendo um jornal a partir da prisão! Conta-se e ilustra-se a história de alguns dos cerca de 2500 presos que por aqui passaram.
Pena é que não se possam visitar as celas, o que acrescentaria uma mais-valia emocional e factual à visita ao Forte. Ainda assim, é possível visitar a parte (restaurada) das celas de isolamento, conhecido como o "segredo".
E porque a história se deve fazer com nomes, sigamos o percurso de António Dias Lourenço, torneiro mecânico de formação, entrou no PCP aos 17 anos de idade, onde foi mais tarde responsável pela distribuição da imprensa do Partido e membro do comité Central a partir de 1943. Em 1949 era preso pela primeira vez, e o seu destino leva-o ao Forte de Peniche. Mas uma mente como a de António não deixava que lhe amordaçassem os seus ideais, e a 4 de Dezembro de 1954 efectuou uma das mais espectaculares fugas prisionais do tempo da ditadura, saltando do "segredo" para a escuridão de um mar revolto.
Mas nada melhor do que ouvir da boca do próprio a descrição, dada numa entrevista ao Portal Setúbal na Rede.
"Aderi ao PCP em 1931, dez anos depois passei à clandestinidade e fui preso a primeira vez em 1949, de facto. Estive preso até 1954 e foi nesse ano que me evadi do forte de Peniche. Estava na chamada cela solitária. Consegui que me fizessem passar uma faca e um arame. Desfiz três mantas em tiras, fiz a corda e desci a pulso para o mar às duas da madrugada, totalmente nú. Nadava só com uma mão porque na outra levava umas botas, calças e camisa. Apanhei boleia de uma camioneta em que iam vários pescadores. O dono desconfiou e quis entregar-me à polícia. Arrisquei e disse-lhe que era comunista, tinha fugido do forte e que a obrigação dele era deixar-me em poiso seguro. Consegui felizmente conquistar a solidariedade deles todos."
António podia ter deixado o país, podia ter seguido com a sua vida, ter educado os seus filhos e ter acompanhado a sua mulher. Mas o seu país, as suas convicções e os seus companheiros falaram mais alto. Em Janeiro de 1960 organizou do exterior a fuga de um grupo de presos do Forte de Peniche, no qual se incluía Álvaro Cunhal. Mas a luta teve os seus custos... Apesar deste grande êxito (ou talvez devido a ele), voltou a ser preso em 1962, só voltando a respirar o ar fora de uma prisão a 27 de Abril de 1974, 2 dias após o dia em que o regime foi derrubado. Foi deputado entre 1975 e 1987, e nunca deixou de lutar por aquilo em que acreditava. Voltou ao seu querido jornal.
"Foi-me confiada a direcção do “Avante!”, de que eu era já responsável antes de 25 de Abril. Dirigi o jornal 17 anos, cumpri outros 17 de prisão e estive 17 anos clandestino. É o meu número da sorte e do azar..."
António Dias Lourenço morreu em Agosto de 2010, aos 95 anos de idade.
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