Uma ilha grega chamada Tinos
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Uma ilha grega chamada Tinos


Pirgos, a vila mais pitoresca de Tinos

        Quando visitamos as Cíclades durante nossa viagem às ilhas gregas há alguns anos, nosso roteiro contemplava somente Mykonos e Santorini, além de Rodes e Symi no Dodecaneso. Como então fomos parar na  ilha de Tinos, praticamente desconhecida por turistas de fora da Grécia?

         Eu estava passando alguns dias em Mykonos com  meu irmão e minha prima. Já tínhamos conhecido tudo que era de interesse na ilha, e havíamos planejado para o último dia fazer um bate-volta de barco até a famosa ilha de Paros, mas desprezei um fator importante: o início de maio ainda era baixa temporada e não existiam horários de lancha em que pudéssemos sair de manhã e retornar no final do dia. Com pesar tivemos que descartar Paros.

Mykonos, o ponto de partida

          O que fazer? Entre passar mais um dia nas praias que já havíamos conhecido no dia anterior e visitar Tinos, a outra ilha vizinha a Mykonos, escolhemos a segunda opção, sempre ávidos por desbravar novas paragens. Ainda não estávamos equipados com smartphone e naquela noite estudei a ilha lendo meu guia de viagens, traçando então as cidades e vilas que poderíamos conhecer. Embarcamos pela manhã em um aerobarco, que venceu rapidamente os 17 quilômetros que separam as duas ilhas. Retornamos no meio da noite pelo ferry tradicional, mais lento. Como naquela época eu nem sonhava em ter um blog, acabei tirando poucas fotos de paisagem e por isso vou misturar nossas fotos com algumas colhidas da internet.

            Apesar de as arquiteturas de suas construções serem bem semelhantes, Tinos e Mykonos não poderiam ser mais contrastantes em outros aspectos. Enquanto Mykonos é a representação do agito na Grécia, Tinos é uma ilha sossegada e sem fluxo turístico, exceto em ocasiões específicas durante as procissões religiosas. Por isso mesmo pode ser considerada uma ilha autêntica nas Cíclades, com seus habitantes vivendo o dia a dia com poucas transformações em relação aos antepassados de décadas atrás. As vilas realmente parecem remeter de volta no tempo, sem sinal dos males do progresso que acometeram as ilhas mais afamadas. É a Grécia em estado puro.

Mapa de Tinos

          Uma característica marcante de Tinos são os seus pombais. Em número superior a 1.200, estão dispersos por toda a ilha e quem viaja de carro a partir da capital pode vislumbrá-los em meio aos campos. A criação de pombos foi introduzida pelos venezianos há mais de duzentos anos. Os pombais normalmente são constituídos por torres de pedra com dois andares e costumam ter uma fachada decorada com motivos geométricos, que supostamente atrairiam as aves. Os pombos ganham crédito até no fato de Tinos ser uma ilha muito mais verde e fértil que as vizinhas - suas fezes servem como adubo excelente.

Um dos pombais de Tinos - fonte: wikicommons - Psaraftis

            Após alguns minutos de viagem confortável no aerobarco (o tempo estava ótimo e com isso o Mar Egeu estava bem calmo), chegamos à capital de Tinos. Como é comum nas ilhas gregas, a capital leva o nome da ilha, mas os habitantes locais a chamam de Chora. Tínhamos decidido alugar um carro - ônibus eram escassos - e passear pelas vilas do interior, voltando no final da tarde para percorrer a capital. Aí nos vimos em dificuldades. Ao andarmos pela rua do cais, onde esperávamos encontrar uma agência de aluguel, não achamos nenhuma. Entramos em um bar para perguntar, e pior, ninguém entendia inglês no estabelecimento ou nas ruas. Situação completamente diferente de ilhas turísticas como Mykonos, onde foi moleza encontrar alguém que falasse o idioma. Passamos uma meia hora procurando, até que finalmente encontramos uma agência e alugamos o carro; a funcionária arranhava o inglês e até recebemos algumas sugestões de trajeto.

A bonita paisagem do alto do caminho para Pyrgos
       
          Nosso primeiro destino foi a vila de Pyrgos, a mais famosa de Tinos se desconsiderarmos a capital. Outra complicação de não se estar numa ilha turística foi a ausência de caracteres latinos nas indicações de placas na estrada. Para quem conviveu com as letras gregas como variáveis nas aulas de física no colégio, a leitura parece fácil, mas não é - a vila de Volax aparece nas placas  como Bωλάξ; como eu havia revisto o alfabeto grego antes de viajar, não houve problema para nós. Para quem for visitar países como Grécia ou Rússia, é sempre útil ter noções do alfabeto local.

            O caminho sinuoso entre Tinos e Pyrgos é bem pitoresco, subindo a serra perto do mar, o que proporciona vistas arrebatadoras dos penhascos.

Vista de Pyrgos

          Pyrgos é uma vila muito pitoresca com casinhas brancas dispostas em ruelas tortuosas e estreitas vedadas ao tráfego de veículos. A vila, com somente 700 habitantes, é conhecida em toda a Grécia por seus artesãos especializados em decoração em mármore, extraído das redondezas, Os trabalhos em mármores verde ou branco estão espalhados pelas ruas, com destaque para placas em baixo relevo e claraboias nas portas de residências. Pyrgos conta com o interessante Museu de Artesanato em Mármore, mostrando inclusive técnicas de exploração, além de uma escola de Belas Artes.

           Deixamos o carro no estacionamento nos limites da vila e entramos a pé em Pyrgos. Surpresa: não havia vivalma à vista, estavam todos possivelmente realizando a sesta grega pós-almoço. Caminhamos por toda a vila apreciando o bonito casario com portas e janelas azuis no estilo comum em todas as Cíclades. Nosso objetivo era alcançar a praça principal existente em qualquer localidade grega. Quando notamos que estávamos andando em círculos pelos becos, batemos na porta de uma das casas (ninguém nas ruas, lembram?). Uma velhinha prestativa nos atendeu e após diversas tentativas de comunicação por mímica, indicou o caminho com a mão após pronunciarmos a palavra mágica "Plateia", que não tem nada a ver com palco, significando praça. Conhecemos então a menor praça central que tinha visto até então, composta por uma árvore solitária de tronco grosso e algumas mesas pertencentes aos bares ao redor. Pequena mas simpática.

A pracinha em Pyrgos

         Nosso próximo destino se situava no outro lado da ilha, a leste, e tomamos um atalho pelo norte que evitava atravessarmos a capital, mas o dito atalho estava em condições precárias. A vista era de novo fantástica. já que a estrada margeava um precipício, mas o cascalho do piso fazia com que o carro, mesmo em velocidade muito baixa, resvalasse perigosamente em direção ao abismo. Foram minutos de pura tensão.

Volax desponta no horizonte

           Volax, também chamada de Volakas, é bem menor e menos interessante que Pyrgos, sendo habitada por somente 50 moradores. Tendo sido estabelecida no século XIV, Volax está localizada num vale diferente, repleto de grandes rochas redondas dentro e em torno da vila, criando um cenário de aparência exótica. A atividade tradicional de seus habitantes é a confecção de cestas. O mais curioso é um anfiteatro no meio da vila, com capacidade para 380 pessoas, e que é palco de espetáculos periódicos que atraem os moradores da capital, a seis quilômetros de distância.

A Igreja de Panagia Evangelistria em Tinos - fonte: wikipedia

          Finalmente devolvemos o carro na capital Tinos e fomos conhecer sua grande atração, a Igreja de  Nossa Senhora de Tinos ou Panagia Evangelistria, um templo erguido no alto da cidade num local onde um ícone milagroso foi achado em 1922 por uma freira, após um sonho. Como o achado se deu na época da independência do país, Nossa Senhora de Tinos foi consagrada a padroeira da Grécia, e a igreja foi erigida para abrigar a imagem. O templo em estilo renascentista é objeto de peregrinação de devotos ortodoxos de toda o país, e a cada 25 de março e 15 de agosto, o ícone deixa seu altar e é carregado numa procissão que atravessa a cidade rumo ao porto.

No topo da escadaria da Panagia, com vista para a cidade abaixo e o Mar Egeu

     Encerramos nossa estadia em Tinos com um jantar no bom restaurante Palea Pallada, especializado em culinária grega.

          É curioso o fascínio que as ilhas europeias exercem sobre mim. Se a Europa é um caldeirão de paisagens e culturas, suas ilhas são quase sempre um microcosmo com características próprias, resultado do isolamento natural, ou ao contrário, de invasões por inúmeras civilizações.  Recentemente notei que em todas as minhas viagens ao velho continente nos últimos nove anos sempre incluí uma ilha no roteiro. E todas haviam sido contempladas no blog, desde a Islândia até Malta e dos Açores a Hvar. A única exceção tinha sido justamente Tinos. Falha sanada neste post! E para não quebrar a tradição, em junho embarquei em mais uma aventura insular, desta vez para o mais remoto arquipélago europeu que já visitei, as Ilhas Faroé. Um dos lugares mais extraordinários  e desconhecidos onde já pisei, sobre o qual vou escrever a partir do próximo post.

Outros posts sobre a Grécia publicados no Álbum de Viagens:
  • A labiríntica Mykonos
  • A irresistível Santorini
  • Passeio de escuna em Santorini
  • A colossal Rodes
  • Lindos e a visitante real
  • Symi, a pérola do Dodecaneso

 Publicado por  Marcelo Schor  em 10.08.2016 



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