O charme provençal de Saint-Paul de Vence

           Saint-Paul de Vence é uma cidadezinha a meros dezenove quilômetros de Nice que apresenta a Provença em seu cenário mais pitoresco: um vilarejo medieval sobre uma colina a 180 metros de altura, apresentando ruas com fontes e casas de pedra centenárias, e muitas lojas de arte pelo caminho da rua principal. E basta ver o pessoal de mais idade na praça junto ao portão medieval jogando pétanque, o esporte favorito da região assemelhado à bocha, para acabarem as dúvidas: estamos mesmo na Provença.

          A linha de ônibus 400 une Nice a Vence (que é uma outra cidade), passando por Saint-Paul de Vence. O trajeto até St. Paul demora 55 minutos em média, deixando o turista perto da entrada da cidade medieval. O passeio até St. Paul me tinha sido muito recomendado e deixei para conhecê-la no último dia cheio da minha estadia em Nice, uma segunda-feira. Estava tudo planejado, o ponto final do ônibus no Jardim Albert I ficava a poucos passos do hotel e me encaminhei para lá no início da manhã. Cheguei uns dez minutos adiantado (tinha consultado os horários pela internet) e encontrei o ponto lotado por turistas orientais. Estranhei não haver nenhum europeu no ponto, quando notei um aviso em francês colado no suporte da parada. Justamente naquele manhã a Promenade des Anglais estaria parcialmente interditada devido a um evento qualquer e os ônibus parariam na Place Grimaldi naquele período. Consultando rapidamente o mapa verifiquei que distava alguns quarteirões. "Voei" para lá e encontrei muitos outros turistas aguardando. O 400 costuma ter intervalo na frequência de 35 a 40 minutos, mas naquele dia nada de o ônibus aparecer. Os franceses que aguardavam perguntaram aos motoristas das demais linhas que passavam o que tinha acontecido com o 400, mas nenhum sabia de alguma informação. Após esperar mais de 1h20min, quando o terceiro 400 já deveria ter aparecido, desisti e fui passear por Nice. Só fui conhecer Saint-Paul-de-Vence com a tarde avançando. Percalços de turista...

   

A cidade medieval vista da estrada

         A história de Saint-Paul de Vence remonta à Idade Média. A partir de 1388 a cidade teve um crescimento estupendo com a saída de Nice da Provença; St. Paul passou a servir como posto de fronteira entre a Provença e o Condado de Savoia. Suas muralhas foram erguidas nessa época. No século XVI, com o aumento da importância estratégica, as muralhas seriam reforçadas com a construção de bastiões. A cidade continuaria a florescer no século seguinte, quando ganhou características barrocas. Mais recentemente, a partir dos anos 1920, da mesma forma que outras colegas provençais, St. Paul chamou a atenção de muitos artistas, atraídos pelas cores e luminosidade da região.
   

Rue Grande e lado interior da Porte de Vence

           A cidade medieval tem uma configuração comprida e estreita no topo da colina. A partir da estrada só há uma única entrada, a Porta de Vence, um dos raros trechos remanescentes da muralha original. A torre da Porta ainda apresenta vestígios do seu uso defensivo, como as aberturas para arremesso de artefatos sobre atacantes eventuais, além do formato da porta propriamente dita, onde antes existia um daquelas grades deslizantes pesadas típicas de entrada de castelos fortificados. 

            Após passarmos sob a torre da Porta, tem início a rua principal que atravessa toda a cidade medieval, a Rue Grande, ligando a Porta de Vence à Porta de Nice. Uma das suas primeiras casas  abriga o escritório de turismo. Além de fornecerem um mapa ótimo para se orientar nas andanças, o escritório ainda aluga bolas ou fornece lições caso você se interesse em se aventurar num jogo de pétanque.

           O melhor é explorar cada canto, saindo da Rue Grande e subindo e descendo os becos laterais. Um largo pode ser considerado o ponto central da cidade, a meio caminho entre as portas, e sediava antigamente o mercado. É dominado pela Fonte Grande, de 1850, onde no passado mulheres enchiam vasilhas d'água e animais matavam a sede. Nos tanques ainda visíveis no térreo vazado da casa ao lado as aldeãs lavavam a roupa de toda a família. Da Fonte Grande sobe a Descent de Castre, onde os cinéfilos podem apreciar  a casa onde viveu o casal de astros franceses Yves Montand e Simone Signoret.

Place d'Église com a Igreja Colegiada e a Torre de Menagem/Prefeitura à direita

           E foi na Prefeitura, na Place d'Église no final dessa ladeira, que os dois atores franceses se casaram em 1951, em cerimônia oficiada pelo prefeito. O prédio abriga a sede da administração da cidade há mais de duzentos anos e é o mais antigo ainda de pé, tendo sido a torre de menagem do castelo erigido no século XII, há muito demolido. A Place d'Église é  o ponto mais elevado das ruas de St. Paul e reúne ainda a Igreja Colegiada de St.Paul e a Capela dos Penitentes, reformada em 2000 com a adição de belos murais.

La Placette

A Porta de Nice no final da Rue Grande

         A Rue Grande acaba na Porta de Nice, a outra entrada da cidade medieval. Um terraço após a porta tem uma vista para o vale abaixo e o cemitério. Situado no local onde se erguia a cidade há mil anos atrás, o cemitério é  famoso por conter a sepultura de Marc Chagall, o fabuloso pintor russo cujas obras e vitrais estão espalhados pelo mundo.  Chagall viveu em Saint-Paul por dezenove anos antes de falecer em 1985.

      Alguns trabalhos de Chagall podem ser apreciados no museu mais importante da cidade, a Fundação Maeght, que conta com uma sala dedicada a ele. Situado a 800 metros do ponto de ônibus, o museu conta com obras de outros grandes artistas modernos como Miró e Giacometti. Coincidentemente estão também ali expostas esculturas de nomes como Alexander Calder e Jean Dubuffet, que junto com Chagall e Miró tinham me maravilhado com seus trabalhos ao ar livre em Chicago um ano antes (veja aqui o post).

         Assim é Saint-Paul de Vence. Uma cidade acolhedora que nos reserva ainda algumas surpresas, como a estátua acima, totalmente construída com ferraduras. O único senão da visita foi a quantidade de gente, que em pleno final de tarde de uma segunda de outono enchia a estreita Rue Grande. Só fico imaginando como a cidade deve ficar  nos fins de semana da alta temporada...

                                               Postado por  Marcelo Schor  em 04.06.2016