Córsega, a bela ilha no Mediterrâneo
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Córsega, a bela ilha no Mediterrâneo


Cidadela de Calvi

        Quando era criança li um dos livros menos conhecidos de Alexandre Dumas, Os Irmãos Corsos. Nele o famoso escritor francês é o próprio relator do romance e percorre o sul da Córsega, travando contato com uma família marcada pela vendetta, a rixa de décadas entre clãs corsos que sempre acabava em assassinato nos dois lados. Dumas nos faz viajar àquela terra estranha, exótica e bravia, nos apresentando os costumes locais da época. No mês passado, dentro de um ônibus e apreciando pela janela os cenários e vilas pitorescas do caminho entre Ajaccio e Bonifacio, não pude deixar de me lembrar das passagens do livro.

Mapa da Córsega

          Nem sei porque levei tanto tempo para conhecer a Córsega, talvez tenha sido seu relativo isolamento. A ilha reúne o trio que tanto prezo nas minhas viagens: belas paisagens (nesse caso, bastante variadas), arquitetura peculiar em cidades medievais, além de uma história movimentada e pouco conhecida. É uma região que detém uma identidade própria fortíssima, distinta do país a que pertence, no caso a França.

          Quem conhece outras ilhas do Mediterrâneo, normalmente semiáridas, tem uma surpresa e tanto com a Córsega, quarta ilha em área nesse mar. Chamada de "L'Île de beauté" pelos franceses, a ilha é bastante montanhosa, com um litoral de encostas escarpadas entremeadas por praias e  baías de tonalidades diversas de azul e verde. Grande parte da sua superfície é coberta por florestas de pinheiros e castanheiras; é um paraíso para quem curte fazer trilhas, existindo até um circuito padrão traçado, o GR20. Uma reserva natural ocupa toda a parte central da Córsega, correspondendo a 40% da sua área.

A impressionante visão da cidade de Bonifácio sobre a falésia estratificada  

      Os corsos tem um cuidado enorme com a preservação da natureza, e você não encontra empreendimentos de turismo em massa por lá. Comparando com a França, tem uma densidade habitacional baixa, 37 habitantes/km², resultado de um êxodo grande ao longo dos séculos, e numa população total de 323.000 pessoas, só existe uma cidade com mais de 40.000 habitantes, a capital Ajaccio.

        Tudo parece andar num ritmo mais vagaroso, menos atacado pelo progresso. Não há as cadeias tradicionais de fast food e nem autoestradas velozes. As rodovias principais, bem conservadas, atravessam as montanhas, mesmo quando ligam dois portos, e como são sinuosas e de mão dupla, demandam um tempo maior que o habitual no deslocamento por carro. Aqui e ali populam vilas encravadas nas encostas que parecem ter parado no tempo. Em resumo, um paraíso para quem quer escapar das lembranças do dia a dia estressante. 

Torre erigida pelos genoveses em Île Rousse, uma das muitas da costa corsa

         Situada entre a Riviera italiana e a Sardenha, a Córsega tem uma história para lá de atribulada: pertenceu a Pisa e depois ficou séculos sob domínio de Gênova. Em 1755 declarou sua independência, tendo como capital a cidade de Corte, mas a liberdade durou pouco - somente quatorze anos. Após uma batalha decisiva foi anexada pela França, e assim permanece até hoje, com exceção de dois anos no período da Revolução Francesa, quando virou um protetorado da Inglaterra. Diante dos séculos de domínio italiano, não chega a surpreender que a língua regional, o corso, lembre muito o idioma de Dante. Verdade seja dita, não ouvi falarem corso uma única vez na minha viagem, ele está mais presente em lugares pouco turísticos. Encontrei somente algumas inscrições em monumentos e textos bilíngues nos museus, mas o corso domina numa área: os nomes dos estabelecimentos, sejam restaurantes, lojas ou museus, e aí até parece que você está diante de um português arcaico - museu A Bandera, restaurantes A Scola e U Fornu e até um hotel A Spelunca... Você se hospedaria em um hotel com esse nome?

Busto de Pasquale Paoli, líder da independência,  na praça em Île Rousse contendo inscrições em corso

       A maioria dos turistas opta por alcançar a Córsega por barco, seja desde Nice, a cinco horas e meia por ferry, ou desde a Sardenha, a meros 12 quilômetros de distância de Bonifacio, na ponta sul corsa. Como encontrei um preço que achei camarada na Air Corsica, a companhia aérea local, comprei passagens Nice-Calvi e Figari(aeroporto do sul da Córsega)-Marselha, e desta forma acabei definindo os outros destinos da minha viagem, passando alguns dias na Côte d'Azur e na Provença. Os voos são feitos num turboélice, sempre curtos dada a proximidade do continente.

Place Gaffory em Corte

      Reservei oito noites para percorrer a Córsega de norte a sul, procurando equilibrar estadias em cidades antigas com passeios pela natureza exuberante. Infelizmente uma tempestade fora do comum que durou dois dias acabou me fazendo cortar alguns desses passeios. Dentro da minha política de eleger cidades-base de onde conheceria as atrações de cada região, evitando troca excessiva de hotéis, escolhi três: Calvi, no norte, Ajaccio, a capital, e Bonifacio, no extremo sul. Não por acaso, essas são três das seis cidades corsas que possuem cidadelas medievais muradas bem conservadas.

       Sendo início de outubro, a temperatura deveria estar bem amena e não muito convidativa para o banho de mar; deveria, mas na realidade estava mais quente que o habitual, nos dias de sol a temperatura à tarde alcançou os 27 °C. Para quem acorda cedo como eu, difícil foi se acostumar com o nascer do sol às 7h15min da manhã.

Dia quente na praia na capital Ajaccio, com uma torre da sua cidadela ao fundo

       Quanto aos deslocamentos me deparei com um dilema. Li opiniões que consideravam o aluguel de carro imprescindível, sob a alegação de os transportes públicos serem raríssimos. Não acho uma boa alugar carro para quem viaja sozinho. Usar trens e ônibus é muito mais divertido, você conhece outras pessoas e, pelo menos para mim, se planejado de forma adequada também é prático. Acabei resolvendo encarar o transporte público e com o auxílio precioso do site www.corsicabus.com montei  o roteiro. É bem verdade que há recantos (principalmente praias e vilas mais remotas) a que só se chega com um carro por estradinhas estreitas, e tive que abdicar de visitar esses lugares. Mas o que conheci me encantou completamente. O planejamento realmente tem que ser feito com cuidado, pois a maioria dos lugares é servida por um único transporte público durante todo o dia; se você perdeu a hora, só no dia seguinte. E mesmo assim às vezes os horários são bem inconvenientes. A situação é mais diversificada nos meses de alta temporada, julho e agosto, mas há grandes inconvenientes nessa época em que a Córsega lota de turistas europeus, com filas para tudo e engarrafamento de gente em cidades de ruelas estreitas como Bonifacio. 

Fim de tarde na costa de Bonifacio

         Ao longo da série, vou relatar o que vi (e algo do que não vi também) em cada um dos locais que visitei, e como me desloquei entre eles. Até lá.

Acesse os posts publicados na série:
  • Calvi, um pedaço da Riviera na costa corsa
  • Île Rousse e sua ilha ruiva
  • As águas de outubro na Córsega
  • Ajaccio, o berço de Napoleão
  • Corte, a capital da Córsega independente
  • Bonifacio, a cidade mais bonita da Córsega
  • Os degraus de Bonifacio
  • Dicas para viajar à Córsega

 Postado por  Marcelo Schor  em 29.11.2015 




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